O escritor David Machado, o sócio-gerente da Gracal, Pedro Maia, e o ilustrador Paulo Galindro nas instalações da empresa caldense no dia em que o livro começou a ser editado

“Um dia de cada vez – Sugestões, ideias e instruções para quem está fechado em casa”, que começou por ser uma parceria digital entre o escritor David Machado e o ilustrador Paulo Galindro, iniciada em tempo de pandemia, será transposto para livro. A edição está a ser feita na Gracal – Gráfica Caldense que, com esta impressão, acaba por estrear um novo equipamento, resultante de um investimento que a empresa está a fazer de cerca de meio milhão de euros, e que permite diversificar e ampliar a sua oferta.

Quando avançaram com a ideia de relatar diariamente a vida em dias de confinamento, David Machado e Paulo Galindro estavam longe de imaginar que a “aventura” teria tantos seguidores e que os traria às Caldas da Rainha, onde as histórias agora convertidas em livro serão editadas.
Tudo começou no início da quarentena. Fechado em casa com a família, o escritor David Machado quis manter-se ligado com os seus leitores e arranjar uma rotina, usando as plataformas digitais. Falou com o amigo e ilustrador, Paulo Galindro, que aceitou de imediato o desafio, e assim nascia o projecto “Um dia de cada vez – Sugestões, ideias e instruções para quem está fechado em casa”. Faziam uma publicação por dia, entre segunda e sexta-feira, quando David Machado escrevia o texto e enviava para Paulo Galindro, que o ilustrava: “Põe a música a tocar e abre as janelas”, “Abre as portas da varanda e chama os pássaros”, “Levanta o tapete para onde foste varrendo os problemas”, “Come uma maçã e coloca o caroço na terra”, “Organiza uma festa e convida os amigos imaginários”, “Não faças nada. Aprende a arte de ficar quieto”.
Foi assim ao longo de 32 dias, até 2 de Maio, dia em que terminou o Estado de Emergência e, simbolicamente, as publicações.
O que os autores não contavam era que a página no Facebook se tornasse viral, ou seja, em poucos dias ganhou milhares de seguidores (mais de sete mil), que não só acompanhavam o projecto como também interagiam e foram sugerindo a criação de um livro.
Com as editoras paradas, os autores decidiram lançar-se noutra “aventura”, a de fazer um crowdfunding (financiamento colectivo) para editar o livro, que tinha um limite mínimo de três mil euros. “Durante as primeiras 25 horas fizemos seis mil euros, o dobro do que pensávamos atingir, foi muito emocionante”, conta David Machado, acrescentando que, no total, alcançaram cerca de 16 mil euros. O escritor diz mesmo que este foi o dinheiro do qual mais se “orgulha” de ganhar em toda a sua vida, tendo em conta que com a quarentena todos os seus projectos – e tinha a agenda mais ocupada dos últimos anos – foram cancelados.
“Poder, de repente, criar um projecto do zero, que tem que ver com o que está a acontecer e que acaba por ser rentável, que pague quase aquilo que perdi é mesmo motivo de orgulho”, considera.
O montante adquirido permitiu-lhes aumentar o número de exemplares do livro de 500 para dois mil, dos quais 1200 já estão vendidos.
Curiosamente nessa altura, começaram a surgir editoras interessadas em publicar o livro, mas “já estava assente entre nós que tudo isto era caseiro e queríamos manter esse lado “de guerrilha”, conta Paulo Galindro à Gazeta das Caldas. De acordo com o ilustrador, este não é um livro normal, o que dali saem “são sentimentos, não só das pessoas que vão ler o livro mas nossos também”. “Houve duas ou três ilustrações com as quais me emocionei ao fazê-as”, partilha.
O ilustrador destaca ainda a “genialidade” de David Machado que, embora escrevesse num contexto específico, “único na nossa geração, distópico”, nunca faz referência a uma data, o que permite que possa ser oferecido a uma pessoa que está internada no IPO, engripada ou em quarentena por causa do sarampo, por exemplo.
Amigos há vários anos, os autores têm uma cumplicidade que é notória. “O David escreve como eu penso e eu gosto muito das coisas que ele não escreve e que dá muito espaço para, nas entrelinhas, eu contar a minha história”, revelou o ilustrador de obras para crianças, como O Cuquedo, Uma Noite Caiu uma Estrela ou O Tubarão na Banheira, este último em conjunto com David Machado.
O sucesso do projecto, com a envolvência de tantas pessoas, veio mostrar que a pandemia também abriu novos caminhos.
David Machado é da opinião que há outros modelos que podem ser seguidos mas nota que, à medida que se vai desconfinando “muito rapidamente, também muito rapidamente as pessoas voltam aos hábitos antigos”. O autor espera que percebam que é possível criar outros modelos de aulas ou mesmo festivais, mas reconhece que a maioria prefere o “conforto” de um modelo já instalado.

A escolha das Caldas

Tomada a decisão sobre a edição de autor, esta teria que ser feita por alguém em quem confiassem “plenamente” e o nome que imediatamente lhes ocorreu foi o de Pedro Maia sócio-gerente da Gracal – Gráfica Caldense, que conhecem há vários anos, do Bichinho de Conto, editora que possui com a mulher, Mafalda Milhões. “Não fizemos pesquisa de mercado nem nada”, conta Paulo Galindro, destacando que “o Pedro [Maia] também ama os livros e está toda a gente a vibrar com este projecto”.
Os autores estiveram nas Caldas no passado dia 18 de Junho para ver os testes de cor e também para se documentar sobre o processo de feitura do livro, que depois partilham nas redes sociais.
Apesar do projecto ter acabado na plataforma digital, pretendem que quem os acompanhou em tempo de confinamento social
possa também conhecer este processo que acontece entre o livro ser escrito e sair para a rua.
“Queremos que as pessoas sintam como é feito e que percebam que foram nossos editores também, pois fizeram uma pré-compra”, explica Paulo Galindro. No início de Julho as pessoas começarão a receber o livro nas suas casas.

Gracal confecciona viseiras e protecções em acrílico para ultrapassar a pandemia

Resultado de uma candidatura aprovada ao programa Inovação Produtiva Covid – 19, a Gracal vai vocacionar parte da produção para a confecção de viseiras e protecções de balcão em acrílico. As obras de adaptação do espaço começaram há duas semanas e o projecto deverá estar pronto a funcionar até ao final de Julho.
Serão instaladas, por exemplo, máquinas de impressão de rígidos, que poderão imprimir objectos até 10 centímetros de espessura e fazer protótipos. “São tudo máquinas de grande dimensão, de dois por três metros”, explica Pedro Maia, referindo que terão também uma máquina de corte a laser, que permite fazer trabalhos mais minuciosos no papel, e impressoras 3D para produzir os suportes da viseira.
Uma das vertentes do projecto apresentadas na candidatura foi a possibilidade de trabalhar as viseiras para três faixas distintas: crianças, jovens e adultos e que estas pudessem ser personalizadas.
A gráfica esteve sempre a trabalhar durante o período da pandemia provocada pela Covid 19, garantindo o emprego dos seus 18 colaboradores. “Tivemos quebra de facturação, mas nada que justificasse o fecho da empresa ou a entrada em lay off”, concluiu o sócio-gerente, Pedro Maia.

Investimento de meio milhão para baixar preços e aumentar capacidade de resposta

A empresa está a fazer investimento na modernização do seu equipamento (Foto de Arquivo)

A edição do livro “Um dia de cada vez – Sugestões, ideias e instruções para quem está fechado em casa”, marca a estreia da nova offset a cinco cores, com torre de verniz, que é considerada o “rolls royce” das máquinas de impressão. Este equipamento permite melhorar a qualidade e os tempos de resposta aos trabalhos que os clientes pedem, bem como ter preços mais competitivos, explica Pedro Maia, lembrando que até agora a gráfica trabalhava com máquinas de impressão a uma e duas cores, o que levava a que o trabalho tivesse que entrar duas vezes em máquina, demorando o dobro do tempo e não permitindo a mesma qualidade final.
A máquina começou a ser montada há mês e meio nas instalações da Gracal, na Rua Moinho de Vento. O facto da empresa estar localizada no centro da cidade não facilitou o acesso aos camiões que transportaram os vários módulos que compõem a compõem e que pesam, cada um, cerca de 10 toneladas.
Este novo equipamento vem aumentar a capacidade de resposta e a variedade de produtos que podem fazer.
“Sempre foi minha intenção, desde início poder fazer aquele trabalho que as grandes gráficas não gostam de fazer, de valor acrescentado, pois precisa de algum trabalho manual e que tem mais acabamentos”, explica o empresário, que quer apostar num segmento premium.
Pedro Maia entrou para a empresa há quatro anos, numa altura em que esta estava com dificuldades e era preciso repensar o negócio. Vinha de um período em que tinha estado a trabalhar por conta própria na área da gestão de produção, em Lisboa, e estava à procura de um parceiro local pois queria trabalhar mais perto da família. “Uma das coisas que reparei era que a empresa estava a precisar de fazer investimentos porque já não o fazia há muito tempo e não tinha equipamentos”, conta, acrescentando que primeiro foi preciso estabilizar as contas da empresa, para agora poder passar para esta fase de investimentos em novos equipamentos, que ronda o meio milhão de euros.
Os trabalhos que estão a surgir centram-se mais na área dos livros e das edições de autor, que conciliam com as encomendas de empresas de telecomunicações, seguradoras, bancos, para papel de carta, envelopes e impressos. “Ganhámos vários concursos para produção de cartões de visita para empresas de âmbito nacional e com a concepção do modelo de embalagem para o Pastel Bordalo ganhámos alguns clientes da área alimentar”, exemplifica, acrescentando que ali podem fazer “tudo o que tenha a ver com impressão e papel”.
O empresário destaca ainda que este investimento permite à Gracal ter capacidade para fazer parcerias com empresas da região que têm que ir procurar fora quem os ajude nos seus trabalhos.
Ligado ao mercado editorial através do Bichinho do Conto, Pedro Maia não esconde que esta é uma área que lhe interessa também explorar. “Não é que possamos dizer que somos uma gráfica vocacionada para a obra de livro, mas podemos fazer uma aposta na área das pequenas tiragens, reimpressões e edições de autor”, explica.

Ligada à história da Gazeta das Caldas

A Gracal – Gráfica Caldense teve a sua origem na aquisição da Tipografia Caldense de José da Silva Dias, Lda, que começou a laborar em 1906. Na Tipografia Caldense, que funcionava na Rua José Malhoa, frente à capela S. Sebastião, era impressa a Gazeta das Caldas, desde a sua fundação, em 1925, até inícios da década de 1950.
Esta tipografia viria a ser adquirida também em 1955 pela família Mineiro que, depois de alguns anos de laboração, formou a sociedade por quotas, com a denominação de Gracal – Gráfica Caldense Lda, que perdura até hoje.
A empresa funcionou na Rua do Jardim e depois passou para a Rua Moinho de Vento, onde ainda se mantém, ocupando uma área coberta de 1600 metros quadrados.