Joaquim Urbano | DR

Foi com o SMP em mente que optei por realizar o Internato de Policlínica num Hospital “periférico”, Hospital Distrital de Aveiro, de resto o hospital do meu distrito e para tal contribuiu a experiência de colegas mais velhos. No processo de colocação, o grupo de 6 jovens médicos de que fazia parte, foi contemplado sem oposição, na opção pretendida, o concelho de Sever do Vouga. E esta opção também não foi ao acaso. A viagem apesar de relativamente curta (cerca de 40 Km de Aveiro) era um pouco demorada e penosa dada a dificuldade do percurso sinuoso com um piso deficiente, principalmente a partir de Albergaria-a-Velha. Mas permitia pessoalmente, salvo nos dias de urgência, continuar a gozar do conforto do lar e da companhia da família. Profissionalmente sempre conseguimos um contato privilegiado com o “nosso” Hospital de origem e de referência e com todos os Colegas que aí trabalhavam para discutir o envio de um doente, uma dúvida, a realização de um exame complementar ou até a cedência de algum material clínico (fios de sutura, por exemplo).
O Hospital concelhio foi o nosso quartel general. No rés do chão funcionava a secretaria dos Serviços Médico-Sociais da Previdência (SMS), 3 gabinetes de consulta (1 com aparelho de radioscopia), o Centro de Saúde/Posto de vacinação, secretaria do hospital e Serviço de Urgência/Sala de tratamentos; no primeiro andar, a funcionar quando necessário, havia 2 enfermarias, 1 sala para observação (grávidas e ginecologia) e ainda uma cozinha. A equipa de serviço1 médico e 1 enfermeira; a cave servia de arrecadação e às vezes de morgue, embora sem equipamento de frio.
O grupo sempre gozou de autonomia para organizar o seu trabalho: escalas de urgência semanal e fim de semana, distribuição pelos vários postos médicos, folgas, férias, ausências para congressos ou cursos, etc. As atividades assistenciais contemplavam o serviço de urgência durante 24 horas, 1 período diário de consulta nos postos médicos de Pessegueiro do Vouga, Talhadas, Cedrim e Sever do Vouga; 2 períodos semanais de consulta no posto médico de Couto Esteves; apoio à saúde infantil e posto de vacinação. Existiam, nesta altura, 2 médicos residentes no concelho que, a par da atividade pública, praticavam também medicina privada e cuja confiança se foi reforçando ao longo da nossa permanência nas aprazíveis terras de Sever do Vouga.
Da atividade médica para além de algumas centenas de consultas e atendimentos de urgência-16 atendimentos no 1º banco e 64 no último (acidentes de trabalho, de viação, agressões, doenças súbitas, agudizações de situações crónicas). Um tempo de desafios e angústias, alegrias e tristezas. Recordo alguns casos que apenas observei no SMP, os 5 ou 6 partos realizados, um curso de planeamento familiar no Porto com o saudoso Dr. Albino Aroso e até uma autópsia, fazem do SMP um período extremamente gratificante e irrepetível da minha carreira médica.
Na altura o concelho, atravessado pelo rio Vouga a caminho do mar e por alguns dos seus afluentes, ribeiros e riachos espalhando frescura, integrava 9 freguesias com muitas pequenas aldeias distribuídas por vales e montes revestidos de floresta de pinheiro e eucalipto que determinava os tons verde, castanho e dourado da brilhante e soberba paisagem daquela região com destaque para inesquecível e centenária ponte ferroviária na linha do Vale do Vouga, no Poço de Santiago. A sua população, rondaria na altura cerca de 13 500 almas, que se dedicava sobretudo à agricultura, serviços, comércio e indústria-madeira e metalomecânica.
Concelho rico pelas suas gentes, pelo património e cultura, recantos naturais, trilhos ancestrais, artesanato e gastronomia com destaque para a lampreia (à bordalesa ou o arroz da dita), a vitela no forno… Uma região a merecer uma visita nestas férias pós-confinamento.