“Quando o poder está nas mãos do mesmo partido há uma certa erosão”

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O candidato do Bloco de Esquerda à Câmara das Caldas mostra-se muito crítico das opções das maiorias do PSD no concelho nas últimas quatro décadas. E aponta alternativas, com prioridade para as questões climáticas

Carlos Ubaldo, cabeça de lista do BE à Câmara das Caldas da Rainha, professor de Filosofia, acredita que o partido vai, pela primeira vez, eleger um vereador, o que ajudará a fazer a diferença na política local. Nasceu em Ourém, mas tem família nas Caldas, cidade onde se radicou aos 24 anos, quando veio lecionar para a Bordalo Pinheiro.
O que leva um professor de Filosofia a avançar com uma candidatura autárquica?
O facto de ser de Filosofia pode parecer uma condição estranha, mas é quase obrigatória. Porque quando se ensinou esta disciplina durante tantos anos, um dos valores que está sempre presente no contacto com os jovens é a motivação deles para a participação nas causas. A determinada altura pensei que essa pergunta fosse feita de outra forma: toda a gente sabe que há um grande desalento em relação à vida política no nosso país e que tem permitido o surgimento de determinados movimentos. Continuamos aquém em muitos domínios e, em face disso, respondo: como não me candidatar? Porque, sendo uma pessoa com responsabilidades na educação, tentei sempre transmitir aos jovens a vontade de construir o futuro. Um futuro que está aí e que tem de contar com os jovens. Se passei tempo a tentar motivá-los nesse sentido, chegou a um ponto em que quase me cansei de o dizer e, por isso, aceitei o repto. Seria mais confortável dizer que não.

E o que se propõe fazer?
Há uma lista enorme e o programa, entretanto, será divulgado. Em traços gerais, queremos apresentar propostas que melhorem a qualidade de vida das pessoas. Sabemos que, de um passado marcado por determinadas forças políticas no concelho, nem sempre isso sucedeu. Houve projetos encetados pela autarquia que visavam melhor qualidade de vida para as pessoas, mas, por razões várias, veio a provar-se que foram contrárias aos objetivos. É preciso que as decisões resultem de um juntar de forças e não de divisionismo. Temos de acabar com aquela postura de quem tem a maioria toma as decisões. Instalar bebedouros pela cidade ou ter uma arborização consistente pelo concelho é fácil de fazer. Há outras medidas, mais estruturantes, que implicam um pensamento mais estruturado. Falo das questões da saúde, da mobilidade, do trabalho e da precariedade. A nossa ação está assente em três eixos: um verdadeiro programa para a emergência climática; a inclusão, num sentido verdadeiramente transversal e que engloba, por exemplo, a habitação e a cultura; e a questão da juventude e da ação social, não numa perspetiva assistencialista, mas que sirva para apoiar as pessoas a sair de situações de crise. E, claro está, tendo a educação sempre presente nesta equação.

“Temos de acabar com aquela postura de quem tem a maioria toma as decisões”
Carlos Ubaldo

Mas que propostas concretas tem para a Câmara?
Posso falar, por exemplo, do primeiro eixo da nossa atuação, relativamente ao clima. A Câmara tem de pensar num plano integrado de resposta climática, que abrange medidas de diversos setores e que responde a este problema da emergência climática. Temos de colocar na ordem do dia questões como o novo Hospital, mas a localização não é o mais importante. É mais importante pensar como as pessoas possam vir a aceder ao hospital. Precisamos de uma rede integrada de transportes públicos no Oeste. Isto tem a ver com a emergência climática, pois reduzirá o transporte individual. Toda a gente está preocupada com a ferrovia, mas quem devia ter tido capacidade de influência não fez um bom trabalho. A retirada do tráfego rodoviário não essencial do centro da cidade é outra das medidas que pretendemos executar, embora sabendo que é polémico, mas também defendemos a construção de ciclovias. Há bons exemplos em concelhos vizinhos.

O BE duplicou a votação há quatro anos, mas nunca elegeu um vereador. Acredita que, desta vez, é possível chegar ao executivo?
O BE tem dificuldades de implantação autárquica. Temos representação na Assembleia Municipal e em Assembleias de Freguesia, mas nunca elegemos vereadores. Há muita gente que nos apoia, mas que tem dificuldade em demonstrar publicamente esse apoio. Estamos numa terra onde há muitas dependências. As nossas propostas estão aí e os eleitores serão soberanos. Quando assumo, como independente, dar a cara como candidato à Câmara ficaria muito contente, não por mim, com o contributo que o BE poderia dar, caso fosse eleito para a vereação.

“O surgimento de várias candidaturas pode ter consequências interessantes”
Carlos Ubaldo

Nunca houve tantas candidaturas à Câmara. Isto é sinal de divisionismo ou de aumento da participação dos cidadãos na vida política?
Se calhar não é uma coisa, nem a outra. Há candidaturas que resultam de decisões nacionais que precisam de afirmar-se em termos regionais. O BE não nasceu ontem. É um partido com grande expressão nacional, mas que não tem tido reflexo nas autarquias. Não vejo isso como divisionismo, vejo como o surgimento de alternativas diferentes. Mas há movimentos que surgiram com pessoas que estiveram dentro dos partidos de poder local. Pode haver algum tacticismo político, mas o facto é que, quando o poder está nas mãos do mesmo partido político durante tanto tempo, há uma certa erosão e cansaço.
Mas o BE teve 20 mil votos nas últimas legislativas e pouco mais de 5 mil nas autárquicas. Como se explica este desfasamento?
Essa pergunta deveria ser colocada aos dirigentes do Bloco. O que sei é que vivemos um tempo estranho. Por um lado, a informação existe e pode esclarecer-nos; por outro lado, podendo as pessoas estar mais esclarecidas, há um paradoxo e as pessoas retiram-se da vida pública. Mobilizar os jovens é fundamental.

Mas o facto de haver tantas candidaturas é vantajoso para o Bloco nas Caldas?
O surgimento de várias candidaturas pode ter, do ponto de vista eleitoral, consequências muito interessantes. Acredito que o PSD, que está há tantos anos no poder, esteja a fazer contas, porque haverá certamente votos que serão disseminados pelas várias candidaturas. Isso é uma ótima notícia. Como munícipe considero isso extraordinário.

Qual a proposta do BE para a programação cultural do concelho?
Associamos muito a cultura à juventude, ao trabalho e à precariedade. Cultura e artes são coisas muito diferentes. A cultura tem de ser o mais aberta possível. Não podemos falar apenas de uma cultura elitista. Temos museus nesta cidade, mas quem vier à cidade não percebe por que razão aquele museu está fechado ou o outro aguarda obras há tantos anos. Não consigo perceber como é que Alcobaça, Benedita, Bombarral, Óbidos e Torres Vedras têm programações culturais definidas e sustentadas, mas, depois, não há uma articulação entre os municípios. As parcerias entre equipamentos culturais são decisivas, bem como uma política de preços mais acessíveis. A cultura é também a forma como uma comunidade manifesta a sua forma de estar na civilização e isso leva-nos ainda mais longe. ■

Candidato do Bloco esteve à conversa com os jornalistas Joel Ribeiro e Joaquim Paulo

“Ninguém deve ter medo de se sujeitar a escrutínio”

Bloquista analisa polémica recente entre Tinta Ferreira e Vítor Marques sobre a obra na Foz e reclama “mais informação”

Defensor de uma reforma do sistema político que reforce o poder de fiscalização das Assembleias Municipais, o candidato do BE considera que o próximo ato eleitoral “não pode ser, em si mesmo, um fim”. “Ninguém deve ter medo de se sujeitar ao escrutínio. E isso não é apenas nas eleições”, advoga Carlos Ubaldo, dando como exemplo a recente polémica da obra da Foz do Arelho.
“Muito se tem falado dessa polémica, mas qual foi a fiscalização que se fez antes de aquela proposta ter sido apresentada publicamente? Há um debate muito interessante entre pessoas que foram muito próximas e, agora, divergem sobre muita coisa”, salienta o candidato bloquista, para quem “falta informação” sobre o projeto da Visabeira para o hotel de luxo nos pavilhões do Parque. “Não sei se o hotel é de luxo. Luxo é o parque que nós temos…”, salienta Carlos Ubaldo, que considera que “as pessoas sentiram que perderam o seu parque” nos últimos anos e há mais dúvidas do que certezas sobre o investimento. “Não sabemos se, com o hotel, o luxo também passará a ser condição de acesso ao parque”, sublinha.
O professor de Filosofia, que em termos políticos foi mandatário da candidatura de Fernando Gonçalves pelo círculo eleitoral de Leiria pelo PDR nas últimas legislativas, tem reservas sobre a centralidade que as Caldas podem ganhar com a nova NUT. “Essa é uma designação que as pessoas não sabem, nem querem saber. Se Caldas vai ganhar centralidade por causa da gestão dos fundos é uma coisa, se é para melhorar a qualidade de vida das pessoas é outra”, conclui.
Segue-se, na próxima semana, a entrevista com Luizinho Leal, candidato da CDU à Câmara de Óbidos. ■