Amor e a cidade

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É possível amar um lugar?
A pergunta surge com um café preguiçoso, solar e sem culpa, no bulício matinal de sábado na Praça da Fruta.
Na complexidade que é o amor e o amar, há lugar para pessoas, filhos, amantes, parceiros, amigos, grupos, ideais, projectos, trabalhos, vocações, lugares, etc… nenhum se substitui e desejavelmente todos se completam e conjugam, objectos investidos do que cada um precisa sentir e viver. A pessoalidade transbordada para fora do EU e realizada fora de cada um, como denominador comum a todas as formas de amor.
Complexa a coisa do amor, sempre. Complexa, difícil, labiríntica… ocorrem-me  histórias.
Uma história, ela: “… No início foi muito divertido, estávamos apaixonados e acho que nos amámos. Depois, lentamente, subtilmente, fui sentindo que cada vez mais o que esperava de mim era que me comportasse de modo perfeito, com a toilete e a maquilhagem perfeitas… que gostava de me mostrar como quem passeia um cão de raça, bem treinado e escovado para ser olhado e admirado… uma espécie de exibicionismo… Cada vez mais sentia que eu contava menos, que me desvitalizava, como um quadro bem emoldurado e pendurado na parede, como uma múmia fechada dentro dum belo sarcófago… mas o amor, esse já não vivia ali. Enfim, mais uma bela historia que não acabou bem, perdeu a alma, ficou sem saída, sabe como é…”.
Outra história, ele: ”… O que eu continuo a adorar, todos estes anos depois, é de olhar para ela, vê-la vestir-se, arranjar-se e continuar a sentir desejo… mas do que gosto mesmo é de tentar ver as filigranas do seu pensamento, daquilo que sente, daquilo que é… e tentar perceber e ir ao encontro do que vou percebendo… com vontade de continuar a querer entende-la, de crescer com ela… este é o amor que sinto, que me continua a espantar e quero manter …”.
Outro café… a praça cheia de vida, de cheiro e de cor.
Volto à pergunta inicial e aos denominadores comuns do amor. Se é possível amar um lugar, como se poderá, deverá amar esta Cidade? Num flash mental surgem, a praça, o hospital termal, o parque, os pavilhões, o céu de vidro, a história, as histórias, as personagens, as pessoas, as artes, as águas, a saúde, a cerâmica, a rota Bordaliana, o passado, o presente, os projectos e as ideias de futuro com as inúmeras e infindáveis discussões e conferências… tanta coisa e o quê afinal? A Cidade como objecto/ecrã de projecções narcísicas individuais? Ou como colectivo de pertença e diversidade? Múmias em sarcófagos desalmados, ou filigranas vivas, sensíveis, pensáveis e com sentido…?

Paula Teresa Carvalho
paulatcarvalho@gmail.com

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