Num painel onde se falou na literatura no jornalismo, a conversa acabou por se centrar na importância de uma imprensa livre nas sociedades democráticas e nos riscos que esta corre devido à falta de recursos das empresas de comunicação e ao emergir das fake news e das “notícias” sem intermediação das redes sociais.

O advento do mundo digital colocou em risco não só o jornalismo como o próprio modelo de negócio dos jornais e isso traz riscos para a Democracia. Sem jornalismo as sociedades ficam mais fracas porque se diminui a qualidade da informação, porque os vários poderes não são escrutinados e porque se perde a pluralidade.
Numa sessão do Folio dedicada à literatura no jornalismo, Pedro Norton (antigo administrador do grupo Impresa) falou nas dificuldades que enfrenta a actividade jornalística num tempo em que se sobrepõe o imediatismo e uma informação veiculada pelas redes sociais sem rigor e sem intermediação.
O gestor disse que no início do século XXI foi até com euforia que os jornais encararam o fenómeno da Internet, julgando, erradamente, que as receitas iriam aumentar por essa via. A par disso, a publicidade no papel caía abruptamente. “Só entre 2007 e 2009 o mercado publicitário caiu 50%”, disse.
“Desde então a capacidade que o jornalismo tem de intervir na sociedade decaiu imenso. Hoje não se faz investigação, os jornalistas não estão na rua e só fazem jornalismo de secretária e de agência”, lamentou-se, apontando o dedo à falta de recursos das empresas de comunicação social.
Tudo isto tem consequências na qualidade da Democracia, porque ao jornalismo também compete ser contrapoder e escrutinar os poderes políticos e económicos, coisa que não é possível de fazer se não houver meios para investigação. “Não é por acaso que nós chamados regimes iliberais se começa por atacar o jornalismo, para que este não lhes faça frente”, disse.
Uma segunda função do jornalismo é ser um suporte para o “mercado de ideias”. Trata-se do pluralismo, do confronto entre opiniões, que é também saudável para a Democracia. Daí a importância da informação de qualidade sobre a qual se constroem as ideias, em vez do recurso fácil aos comentários e às “verdades simplistas” das redes sociais.
Para Pedro Norton, “informar é mostrar a realidade” e esta é a mais importante função do jornalismo. Contudo está a ser ameaçada pelas “fakes news” (notícias falsas) veiculadas na Internet, precisamente num tempo em que os jornalistas também deixaram de sair à rua e se afastaram dos cidadãos devido à falta de recursos das suas empresas.
“O jornalismo tem de voltar a intermediar a realidade”, disse. E deu o exemplo dos protestos de Barcelona em que 800 mil pessoas desfilaram pacificamente nas ruas, mas dos quais as redes sociais (a par das televisões e jornais) mostraram essencialmente as cenas de violência, que foram pontuais e não corresponderam a essa realidade maior que foi uma multidão a protestar de forma não violenta.
Apesar de tudo, Pedro Norton mostrou-se optimista quanto ao futuro e vê como bons sinais que jornais de referência como o Expresso, o Público e o Observador tenham conteúdos pagos e que haja pessoas disponíveis para pagar informação de qualidade. Considera que foi um erro, há uns anos, ter-se aberto os conteúdos noticiosos julgando-se que haveria publicidade na Internet que cobriria os gastos da actividade jornalística.
O gestor participou num painel dedicado à literatura no jornalismo, que contou também com a participação de Joana Matos Frias (professora universitária) e Carlos Magno (ex presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social).