Continuo a folhear “Fora da Terra”, de Júlio César Machado. Páginas à frente o cronista faz o relato de uma noite na vila termal, noite essa passada no club em que os frequentadores, esquecidas as dores nas articulações, se dedicam de corpo e alma ao prazer da dança.
“À noite porém é que há nas Caldas verdadeira animação. O club é o grande atrativo da vila dos banhos. Dança-se todas as noites com frenesi e entusiamo.
Desde as 9 horas até à meia-noite as “polkas”, as valsas, os lanceiros, as contradanças o “rigodom” enlaçam em doudas e graciosas chorêas os carlistas e as filhas dos republicanos, as portuguesas e os descendentes do Cid, e trocavam-se os vossas excelências e os usteds, e para um lado se garganteia em espanhol, e para o outro de gorjeia em português, e trocam-se galanteios em português e comprimentos em espanhol e sorrisos em língua universal, e no piano incansável doudeja a música alegre das danças variadas, e tudo corre, e volteia e ri e palra, valsam os reumáticos, polkam os bronquíticos, que aqui só se tosse pela manhã e só se coxeia na antecâmara dos quartos dos banhos, para se obter um «tour de faveur» do azafamado Valentim, encarregado d’esse serviço, que o desempenha com uma atividade que honra a ação terapêutica das emanações sulfídricas.
Mas à noite sim! À noite não há gota que resista ao «cotillon».
Ai que lúgubre palavra pronunciei! O «cotillon» morreu, desde que se ausentou d’aqui o snr. Jaime Artur da Costa Pinto, que era quem imprimira aos bailes do club a grande animação. Gozando das simpatias de todos, alegre, delicado, entusiasta, pernas infatigáveis para as valsas, imaginação fecunda para as marcas das contradanças, ou para as figuras de «cotillon», era ele aqui o «entrain», a vida, a mocidade. Ninguém resistia ao seu pedido, às suas indicações. Valsava tudo, e capas era ele de valsar com Espartero a padeira de Aljubarrota.
Querem que lhes diga por acaso quais são os revolutear das danças as mais gentis figuras que passam por diante dos olhos do espetador? Oh! Oh! Vejam se eu me meto nisso. Desde os temos mitológicos até à atualidade sempre se tem saído mal quem tem ousado meter-se n’esse empenho”.
Se César Machado resolve ser discreto não revelando quem se exibe na pista de dança, quem sou eu para o contrariar? Fico-me por aqui.