Encadernar é uma arte antiga que deveria ser protegida

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Sempre que pode, José Manuel Teixeira dedica-se a encadernar livros
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Nos seus tempos livres, José Manuel Teixeira, dedica-se a uma área que está em franco desaparecimento: a arte de encadernar livros

Está ligado às Caldas desde 1978, ano em que veio para cá, com os pais, vindos de Moçambique. O pai de José Manuel Teixeira abriu uma loja de eletrodomésticos na Praça do Peixe e o filho desde cedo que mostrava jeito para ajudar nas reparações. Foi para Lisboa, estudou Engenharia Eletrónica e posteriormente em Informática.
José Manuel Teixeira, 59 anos, apesar de viver em Lisboa, continua a passar os fins de semana nas Caldas, além de jogar ténis no Clube local participa em formação nas artes. Estudou, por exemplo, escultura com Renato Franco e pintura com Paula Nobre, artistas formados na ESAD.CR. Em Lisboa também estudou desenho e mais técnicas de pintura.
Por volta de 2015, sentiu necessidade de ter um diário gráfico e, na altura, “não havia cadernos com papel que permitisse pintar aguarelas”, recordou. E como tal, decidiu aprender a fazer um, de raiz. No ano seguinte, na Oficina do Cego, aprendeu técnicas básicas de encadernação e logo fez o seu próprio livro, feito de vários cadernos e que lhe permitiam fazer aguarelas pois fê-lo com papel grosso, próprio para pintura.
“Comecei a apaixonar-me pelo processo de fazer um livro”, disse José Manuel Teixeira que, antes da pandemia, conseguiu fazer mais um curso, algo raro, pois foi lecionado pelo mestre encadernador Carlos Guerreiro.
“Fazer um livro tem muito que se lhe diga desde a encadernação simples até às técnicas mais complexas como é a encadernação em pele”, disse o caldense que aprendeu com aquele mestre, na sua oficina, em Lisboa, tendo passado a usar alguns dos seus equipamentos como a guilhotina ou a prensa de encaixes. José Manuel Teixeira começou a fazer as suas próprias encadernações e contou com a ajuda de amigos como a livreira Isabel Castanheira que lhe disponibilizou alguns instrumentos desta arte.
“Não há sítios de formação em Portugal e os poucos que sabem, dão muito pouca formação”, contou o encadernador que lamenta que não haja formação superior em encadernação como acontece por exemplo em França.
Neste momento, o caldense já tem algum material e ferramentas, necessária para este ofício. E como sempre gostou de trabalhos manuais, e até as ferramentas em madeira que precisa, são feitas pelo próprio.
“É preciso muita prática e também é preciso respeitar cada etapa e os tempos de espera”, referiu o autor que também se interessa por aprender mais sobre como reparar rasgões e como compensar com papel alguns livros que necessitam de reparações, além da encadernação.
“Não se pode dar um valor de custo de uma encadernação sem ver o livro. Mas pode rondar entre os 50 e as centenas de euros, consoante o trabalho”, afirmou o autor acrescentando que uma encadernação em pele (de cabra) dá três vezes mais trabalho”.
José Manuel Teixeira quer continuar a investigar mais sobre o mundo da encadernação e também da douração, apesar de antigamente não caber aos encadernadores, “dourar” os livros, ou seja, usar a folha de ouro para escrever na capa e na lombada.
Também está interessado em conhecer a história do livro, desde o uso das folhas de papiro até chegar aos dias de hoje.
A evolução do livro antigo também é algo que importa a este autor, interessado também nas técnicas da encadernação moderna e que se vê pouco por cá. Por terras lusas “aposta-se sobretudo na encadernação clássica”, disse José Manuel Teixeira. Por seu lado, na encadernação moderna o livro passou a ser costurado à máquina e ainda passou a acompanhar as correntes artísticas. Segundo explicou o encadernador “não seria correto agarrar num livro de um surrealista e encaderná-lo à maneira francesa do século XVIII”. Em países como Espanha ou em França evoluiu-se para um outro tipo de estética com embutidos ou gravação a laser na pele, e que hoje têm muitas cores diferentes. “Em vários sítios do mundo há concursos de encadernação onde há inovação nas técnicas que se utilizam”, disse José Manuel Teixeira, que lamenta que não se possa aprender estas técnicas, mais arrojadas, em Portugal.
Gostaria pois de obter formação nesta área e também em reparação em livros.
“É uma pena que não haja formação nas escolas portuguesas e que os mestres antigos estejam a desaparecer…Esta é uma arte que deveria ser protegida”, disse, referindo que, anteriormente no Bairro Alto, trabalhavam várias dezenas de profissionais desta área. “Hoje há apenas três, e que, em breve, vão reformar-se”, rematou.
José Manuel Teixeira está disposto a lecionar quem quiser aprender as técnicas básicas para fazer um livro. ■

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