José Santos é o actual habitante da Casa Josefa de Óbidos, no centro da vila. O escritor brasileiro está a fazer uma residência artística de três meses (entre Janeiro e Abril), período durante o qual se propõe trabalhar em cinco projectos literários, alguns deles com as escolas de Óbidos e tendo como pano de fundo a própria região.
O escritor, natural de Minas Gerais e com ascendentes em S. Martinho do Porto, já publicou mais de 30 obras, a maioria de poesia e para o público infanto-juvenil.
Uma jovem de 15 anos que vive em Santos (Brasil), Cidade Criativa do Cinema, ganha uma bolsa de estudo para passar um ano a estudar em Óbidos. Este é o ponto de partida para o livro que José Santos pretende escrever durante a sua estadia na vila e para o qual pretende contar com a ajuda dos alunos do Clube de Leitura da escola Josefa de Óbidos. Serão os jovens que o irão ajudar a definir a personagem e toda a envolvência da trama.
Na cabeça do escritor está já definido um esboço de como se desenrolará a história: na biblioteca de Óbidos, a protagonista pega num livro de Garcia Lorca onde encontra um envelope fechado, escrito por um rapaz da terra e endereçado a uma jovem de Granada (Espanha), sem que tenha chegado ao destino. Será então a jovem, juntamente com a bibliotecária, que partirá rumo à cidade espanhola (classificada pela UNESCO como Cidade Criativa da Literatura) para tentar entregar esta carta de amor.
O casal que a recebe em Óbidos trabalhará no Turismo e no Parque Tecnológico, locais que o escritor já visitou, e entre outras, serão abordadas temáticas como a confecção do pão, ou a prática de tiro com arco, fazendo uma ponte para o Mercado Medieval.
O livro, que tem como título provisório “Viagem a Óbidos”, será escrito em parceria com o professor e escritor brasileiro, Alexandre Sayad, e é a concretização de uma ideia de anos para uma colecção sobre intercâmbios de jovens.
A residir na vila desde o início do ano, José Santos, já ali terminou um livro de poesia para adultos, denominado “Morrer de amor em Lisboa”, e que deverá ser lançado na próxima edição do Folio. Encontra-se também a trabalhar numa obra sobre o padre António Vieira, que será escrita em verso de cordel (poesia popular). “Será um longo poema narrativo, focando mais a vida de António Vieira em criança, nomeadamente a sua primeira viagem para o Brasil, com sete anos”, explicou à Gazeta das Caldas, após uma visita a uma escola do concelho.
Serão também os alunos do secundário que irão ajudá-lo na pesquisa sobre essa viagem do conhecido orador religioso português, que nasceu em Lisboa, em 1608 e viria a morrer no Brasil, em 1697.
José Santos conta ainda com o apoio de um dos maiores especialistas na vida e obra do padre António Vieira, que é o poeta e professor Augusto Rodrigues, da Universidade de Brasília.
Com o “sossego” que Óbidos lhe proporciona, o escritor brasileiro propõe-se trabalhar em mais duas obras, que não possuem ainda uma editora que assegure a sua publicação. Uma delas resulta de uma parceria com José Jorge Letria e chama-se “Infâncias”, e a outra é uma edição revista e aumentada do dicionário da Turma da Mónica, onde o autor, juntamente com Mauricio de Sousa, marca as palavras que têm significado diferente em Portugal e no Brasil.
“As principais diferenças registam-se ao nível da gastronomia e do desporto”, revelou José Santos, acrescentando que já existe capa para o livro: a turma da Mónica com o castelo de Óbidos como pano de fundo.
Parceria entre festivais de Araxá e de Óbidos
A residir em S. Paulo desde 1991, José Santos é natural de Santana do Deserto, uma pequena localidade de Minas Gerais e descendente de portugueses. O seu avô materno era natural de S. Martinho do Porto e emigrou jovem para o Brasil à procura de melhores condições de vida. José Santos descobriu o prazer da leitura em jovem, com as bibliotecas e desde essa altura sonhava ser escritor. No entanto, já foi repórter de imagem, depois teve uma produtora de vídeo e ajudou a fundar o Museu da Pessoa, um museu virtual que abriga 16 mil depoimentos orais de pessoas de todo o mundo. Com o nascimento do primeiro filho, há 22 anos, começou a escrever para crianças e actualmente tem mais de 30 livros infantis publicados. Há cinco anos que vive exclusivamente da actividade literária.
A possibilidade de fazer uma residência artística em Óbidos surgiu o ano passado depois de conhecer o livreiro José Pinho, no Festival Literário de Araxá (Minas Gerais). Este festival é parceiro do Folio, tanto que este ano irão levar a temática da Utopia para a edição brasileira, que irá decorrer de 4 a 8 de Outubro.
José Santos quer também promover o intercâmbio entre as escolas de Óbidos e as de Araxá. “Sinto que venho com uma missão cultural e acredito que conseguirei levar esse objectivo a bom porto porque as escolas de Óbidos são muito progressistas”, disse.
Entretanto, o escritor já visitou a região e, nas Caldas, destacou o Museu de José Malhoa e a Praça da Fruta. Foi na biblioteca de Óbidos que tomou contacto com um escritor e jornalista português que desconhecia, Mário Zambujal, e por cuja escrita ficou arrebatado. “Nossa, que prosa abençoada, ele faz romance histórico como ninguém”, conta sobre Cafuné, o romance que está a ler e que tem como pano de fundo as Invasões Francesas e a fuga da família real para o Brasil. Quer também ler a “Crónica dos Bons Malandros”, mas terá que esperar, pois o livro está emprestado.
A casa dos escritores
O primeiro escritor a instalar-se em Óbidos para trabalhar numa obra foi o brasileiro João Paulo Cuenca, em 2015, que ali trabalhou e lançou, durante o Folio, o seu mais recente romance “Descobri que estava morto”, que cuja temática se centra no Rio de Janeiro nos anos pré-olímpicos.
Já em 2016, a residência criativa Josefa d’Óbidos foi habitada pela jovem escritora, também brasileira, Marcela Dantés, entre Agosto e Dezembro. A autora veio para acabar o livro que estava a escrever, mas a paixão pelo lugar fê-la avançar com uma outra história que tem Óbidos como pano de fundo e que deverá ser apresentada na próxima edição do Folio.
Há também vários autores portugueses que têm procurado o sossego da vila para escrever os seus livros, como é o caso de Valério Romão que ali terminou o seu último romance “Autismo”.