A presença de mais público e a sua satisfação com o festival leva o presidente da Câmara de Óbidos, Humberto Marques, a considerar que esta edição do Folio superou todas as anteriores. As mais de 500 iniciativas que decorreram durante 11 dias despertaram o interesse de muitas pessoas que fizeram questão de, para além de conhecer os autores, ouvirem o que eles pensam sobre temas da actualidade.
O festival, que contou com a presença de mais de 30 mil pessoas, encerrou no passado domingo em festa, com a atribuição da medalha de mérito municipal a José Pinho pelo seu trabalho cultural, através das livrarias que instalou em Óbidos e a sua participação na organização do Folio, onde é um dos curadores.
O evento já tem data marcada para o próximo ano: de 1 a 10 de Outubro e, depois dos medos, irá falar-se do Outro.
Centenas de pessoas em Óbidos. Uma situação que é comum à vila turística, mas que nas últimas duas semanas teve um propósito diferente: ouvir falar sobre livros e literatura. E não ficaram defraudadas: dezenas de escritores, jornalistas e outros agentes de cultura falaram sobre a temática desta edição do Folio, mas também sobre questões que marcam a actualidade e, algumas das vezes, fizeram autênticos “statements” (tomadas de posição) contra totalitarismos, populismos e a exortação da luta contra o medo.
Esta elevada afluência leva o presidente da Câmara, Humberto Marques, a fazer um balanço positivo desta quinta edição do Folio, que se afirma no contexto nacional e internacional.
Também a venda de livros foi superior em cerca de 30% em relação ao ano passado, acrescenta José Pinho, administrador da Ler Devagar e responsável pela rede de livrarias em Óbidos. O também curador do Folio Mais, capítulo dedicado à programação autónoma de editores e livreiros, estima que, nos 11 dias de Folio, as 14 editoras presentes tenham vendido “entre os 4.000 e os 8.000 livros”.
Este ano o evento contou com a presença de autores de mais de uma dezena de países, dos quatro cantos do mundo. Uma internacionalização que o responsável prevê que aumente, tendo em conta a “quantidade de fundações e instituições estrangeiras que querem vir e fazer programação no festival”.
A programação do Folio, se contabilizada na sua totalidade, ascende a 1,5 milhões de euros, mas em termos de “custo efectivo” para a autarquia, foi na ordem dos 200 mil euros. Tudo o resto foi suportado pelos parceiros, entre eles a Fundação Inatel. “Não fosse a rede de parceiros que temos tido ao longo destes tempos e esta realidade não era possível”, disse Humberto Marques, lamentando que contar com contribuição financeira por parte do governo, apesar da presença dos governantes no decorrer do festival.
O formato do festival irá manter-se no próximo ano. Em resposta ao repto da secretária de Estado da Cultura, Ângela Ferreira, para que a organização se constituísse em associação para poder ser apoiada financeiramente pelo Ministério da Cultura, o autarca contrapõe que há “outros fundos e programas através dos quais o Folio pode ser apoiado”.
Também José Pinho considera que os participantes devem ser remunerados. “Todos têm aderido a este modelo mas não pode ser eterno. As pessoas também vêm fazer um trabalho, um esforço e isso tem que ter uma compensação financeira”, salienta.
Francisco Madelino, presidente da Fundação Inatel, partilha da opinião que o festival correspondeu às expectativas e mostrou disponibilidade para continuar esta parceria na organização do evento. “A sensação é de que este Folio é melhor do que o do ano passado e o do ano passado já foi muito bom”, manifestou.
Alterações climáticas e silêncio pela Amazónia
A quinta edição do festival dedicou a sua última mesa às alterações climáticas, um dos medos da actualidade. O físico e deputado, Alexandre Quintanilha, alertou para um crescente aparecimento de eventos extremos, como grandes tempestades e secas severas. “As áreas temperadas do planeta deixam de o ser e passam a ser desertas”, disse o cientista, acrescentando que haverá uma alteração ao nível da agricultura e também das pescas. Estas mudanças irão reflectir-se também ao nível da comida e, consequentemente, da saúde das pessoas, levando mesmo a migrações económicas.
Alexandre Quintanilha salientou que estamos a viver um “apartheid climático”, em que “quem tem muito dinheiro e pode pagar aquecimentos e aparelhos de ar condicionado não se preocupa, mas quem não tem dinheiro vai sofrer as consequências das alterações climáticas”.
Mas nem tudo são más notícias. De acordo com o orador, o problema do buraco do ozono e das chuvas ácidas “já desapareceu”. Na mesa, partilhada com o também físico Pedro Matos Soares, falou-se do excesso de carne consumida e do efeito nefasto da alimentação no ambiente, da escassez da água e no contrassenso de se utilizarem carros eléctricos alimentados ainda por energias fósseis.
Também o problema da desmatação da Amazónia esteve em destaque no domingo, tendo sido assinalado com um minuto de silêncio e 30 minutos de poesia declamada pelos escritores Afonso Cruz, Margarida Botelho, Ondjaki e Valter Hugo Mãe e vários populares que estavam na sessão. O presidente do Instituto Quindim e responsável pelo projecto “Amazónia Chama”, Volnei Canónica, falou em directo do Brasil sobre a iniciativa que junta diversos artistas em acções que chamam a atenção para as queimadas na floresta amazónica. A escritora Margarida Fonseca Santos contou a sua experiência na Amazónia, onde participou num projecto de mediação de leitura, numa altura em que foi muito polémica a construção de uma grande barragem no Estado brasileiro do Pará.
Hélia Correia quer uma multidão a receber Chico Buarque em Lisboa
“Apelo às pessoas que têm redes sociais para que difundam a ideia de se criar um movimento de uma grande multidão para ir esperar Chico Buarque ao aeroporto, quando vier a Lisboa receber o prémio Camões”, disse Hélia Correia. Este movimento “anti-medo” é uma resposta a Bolsonaro, que já deu a entender que não assinará o diploma do Prémio Camões que o cantor e escritor brasileiro venceu este ano.
A escritora deixou o mesmo apelo para os portugueses receberem a actriz Fernanda Montenegro, que virá em Fevereiro a Portugal. Crítica da política do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, a actriz tem sido atacada pelos apoiantes daquele chefe de Estado.
Perante uma plateia repleta, a escritora manifestou o desejo de que a manifestação possa ter cobertura mediática e seja vista pelos brasileiros. Convidada como oradora na mesa subordinada ao tema “o medo das palavras, contra o politicamente correcto”, Hélia Correia confidenciou a Ana Sousa Dias que recentemente ganhou um medo novo: que a língua portuguesa acabe. A vencedora do Prémio Camões em 2015 considera que a língua lusa está a ser vilipendiada pelo uso de termos em inglês e defende uma nova atitude. “Estamos a deixar-nos colonizar por outra língua, por comodismo”, disse, Hélia Correia, que anda em “campanha” pela defesa da língua portuguesa.
As conferências estão disponíveis em vídeo no site do Folio (foliofestival.com)
Palco para os autores locais
O Folio foi também palco para apresentação e divulgação dos autores locais. “As memórias” de Maximino Martins foi uma das obras apresentadas durante o festival e que lotou, por complexo, o Espaço Ó, na tarde de 16 de Outubro.
Com uma vida repleta de estórias, Maximino Martins começou a pô-las no papel para os netos saberem mais sobre o avô, recordou o agora diácono, que foi também funcionário das Finanças e um empenhado ambientalista e defensor da Lagoa de Óbidos.
Entre as suas memórias de infância, do que mais tem saudades é da Lagoa de então, com uma profundidade muito maior e onde, além de se pescar, também se caçavam patos e galeirões com as bateiras. A proibição da caça veio permitir, por outro lado, permitir a visibilidade de flamingos, salientou o orador.
“Acho que a Lagoa de Óbidos devia ser uma causa dos concelhos das Caldas e de Óbidos, porque é a nossa jóia”, defendeu Maximino Martins que, em criança, a morar no Arelho, apenas ia à praia uma ou duas vezes por ano. O orador partilhou ainda histórias sobre o serviço militar em Moçambique, o período conturbado antes do 25 de Abril, a vivência em A-da-Gorda, a família e a sua passagem pelo seminário.
Durante o festival foram também apresentados outros livros de autores locais, como o “Diário de uma portuguesa em Angola”, de Patrícia Patriarca, “A borboleta bombeira”, “Senti(dos) Amor(eira)” e “Poetas populares da freguesia de Santa Maria, S. Pedro e Sobral da Lagoa”.