Gil Vicente era visto como autoridade pelos contemporâneos

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Especialistas na vida e obra de Gil Vicente reunidos na iniciativa Diga 33- Poesia no Teatro

Teatro da Rainha levou Gil Vicente ao CCC, recriou peça “Os Míseros” e trouxe especialistas sobre o dramaturgo que esteve nas Caldas em 1504

O palco do CCC, a 16 de janeiro, esteve totalmente dedicado a Gil Vicente. Durante a tarde foi representada a peça “Os Míseros”, numa encenação de Fernando Mora Ramos, do Teatro da Rainha, enquanto que, ao serão, foi a vez de ouvir vários académicos, que debateram a obra vicentina.
 Os convidados foram José Alberto Ferreira, José Augusto Cardoso Bernardes, José Camões e Maria João Brilhante.
Bem documentada está a presença do dramaturgo nas Caldas da Rainha, em 1504, representando o Auto de S. Martinho, uma encomenda feita pela Rainha D. Leonor para a procissão de Corpus Christi. “Quase todas as peças de Gil Vicente são para satisfazer um pedido, para dar resposta a encomendas”, disse o investigador e académico José Camões, que se tem dedicado ao estudo das obras vicentinas.
 A Rainha D. Leonor assistiu em Lisboa, em junho de 1502, à primeira representação que Gil Vicente faz para aquele que há-de ser rei, D. João III.  A monarca gostou tanto de assistir ao Auto da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro que pediu a Gil Vicente que voltasse a representar esta peça por altura do Natal.
O dramaturgo declinou o convite relativo à repetição daquela peça e, para o nascimento de Cristo, ele vai escrever o Auto Pastoril Castelhano. Passa então a corresponder  aos pedidos de encomenda, não só por parte da Rainha mas também, a seu pedido, para o seu irmão, D. Manuel, tal como aconteceu com o “Auto da Fama” .
“As peças de Gil Vicente foram feitas para serem representadas uma só vez”, disse o académico, acrescentando que as suas peças não foram de facto  pensadas para a repetição.
Para José Camões, Gil Vicente foi o dramaturgo e poeta português que melhor representou a literatura renascentista de Portugal. É ainda considerado o fundador do teatro em Portugal.
Crê-se que terá nascido em 1465 em Guimarães e que terá morrido em 1536, ano de que datam os seus últimos trabalhos. Mas a falta de documentação levanta muitas dúvidas não só em relação ao seu nascimento, ao local como a outras vertentes da sua vida como por exemplo crê-se que poderá também ter sido ourives.
O que está comprovado foi que a sua atividade de dramaturgo decorreu em torno da corte portuguesa e que abrangeu os reinados de D. Manuel I e de D. João III.
Uma autoridade para contemporâneos
O dramaturgo “era um homem culto que foi várias vezes referenciado pelos seus contemporâneos”, disse o investigador. Gil Vicente é várias vezes citado por outros escritores dramáticos, ensaístas e pensadores da língua que o citavam “como uma autoridade, reconhecendo o seu valor intelectual”. Inclusivamente João de Barros afirmou que Gil Vicente “é quem melhor compôs em língua portuguesa”, referiu José Camões.
Outros reconheciam-lhe o talento teatral como o humanista português André de Resende que viveu em Bruxelas, onde assistiu à peça de Gil Vicente “Jubileu de Amores”, tendo publicado que Gil Vicente era autor e também ator da peça. Há outros testemunhos que chegaram ao Papa que se queixavam do que diziam as personagens vicentinas. Um dos atores, vestido de bispo e com indumentária emprestada pelo arcebispado de Bruxelas afirmava coisas que não se coadunavam com a Igreja de então e que até soavam a ideias protestantes. Infelizmente, esta peça não chegou aos nossos dias.   Há ainda mais um facto pioneiro relacionado com a obra vicentina.“São pois os seus filhos que reúnem a sua obra, algo que é pioneiro no país”, referiu José Camões acrescentando que se trata de “uma compilação  importante e feita com esmero”. Foi feita pelos filhos Paula e Luís Vicente.
O próprio dramaturgo já estava a trabalhar para reunir toda a sua obra. Gil Vicente tem mais  de 50 títulos que pretendia  compilar “mas morreu antes de terminar tal tarefa”, rematou José Camões.
Na sessão do Diga 33- Poesia no Teatro, promovida pelo Teatro da Rainha e que foi moderada por Henrique Fialho, os restantes convidados abordaram também a questão de como atrair os alunos para as obras vicentinas. Partilharam-se boas experiências relacionadas com a representação das peças e ainda com o “dar a ler em vez de dar o lido”,  Sublinhou-se que são necessárias formas criativas para aproximar o texto vicentino das novas gerações. ■
O público assistiu à partilha em pleno palco maior do centro cultural das Caldas