O Festival Literário Internacional de Óbidos (Folio) regressa em 2018 e deverá contar com o apoio institucional da administração central. Essa é a convicção do presidente da Câmara de Óbidos, Humberto Marques, que considera que o que se passou nesta edição (assente em parcerias devido à falta de financiamento) não deverá voltar a acontecer pois o evento que afirma o país a nível cultural e turístico merece ver reconhecida a sua importância.
Este ano estiveram presentes dezenas de escritores e artistas de 14 nacionalidades, que debateram, interpretaram e cantaram as “revoluções, revoltas e rebeldias”.
Ainda não há tema nem estão definidos os moldes do festival, mas há uma certeza: o Folio regressará a Óbidos em 2018. Para o presidente da Câmara, Humberto Marques, este é um evento que já extravasou as fronteiras do concelho, afirmando-se no país e com uma forte componente internacional.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (que sugeriu o tema desta edição), não pôde estar presente, mas enviou uma mensagem a Humberto Marques onde garantiu que irá continuar a apoiar, através do seu Alto Patrocínio, o festival.
Este ano o Folio assentou em parcerias com editoras, fundações e outros agentes culturais, mas Humberto Marques acredita que no próximo ano irão contar com o apoio do governo e de fundos estruturais. “Estou certo que a administração central reconhece a importância deste evento na estratégia nacional e reforço da marca no estrangeiro, e que não deixará de o apoiar de forma mais efectiva”, disse no domingo, ao final da tarde, em jeito de balanço. O autarca lembrou o apoio manifestado pelo ministro da Cultura, Luís Castro Mendes (que esteve em Óbidos a semana passada) e adianta que também o Ministério da Economia se irá envolver nesta agenda e estratégia.
Humberto Marques entende também que eventos como o Folio devem ser vistos e apoiados como agendas estruturais, ou seja, com dotações plurianuais. “Não pode ser definido ano a ano porque isso pode prejudicar uma estratégia maior”, defendeu.
Referindo-se aos parceiros, a quem agradeceu a participação, o autarca lembrou que muitos deles são entidades privadas e que não lhes cabe serem eles a patrocinar um evento de relevância nacional.
Questionado sobre o número de visitantes, o edil não soube responder porque este ano não foram cobradas entradas nas mesas com os autores e o evento descentralizou-se por mais espaços na vila. No entanto, diz que não houve menos público do que no ano passado.
Na próxima semana será feita uma reunião de balanço desta edição e só depois é que será definido o tema, a calendarização e a forma como será organizado o festival de 2018.
Celeste Afonso, que assumiu a direcção do Folio, já não é vereadora e o presidente da Câmara assume o pelouro da Cultura. O autarca quer que Celeste Afonso continue a participar no festival e remeteu para mais tarde explicações sobre a forma como isso poderá acontecer.
No próximo ano vai haver uma aposta ainda maior na estratégia Óbidos Vila Literária, com a criação de mais um evento que vai ligar a agricultura aos livros e ao turismo. Este irá juntar-se ao Folio e ao Latitudes, encontro de literatura e viajantes.
Música, humor e revoluções
Uma das características do Folio é o vasto leque de eventos, alguns a decorrer ao mesmo tempo, e a heterogeneidade dos autores e das conversas, apesar de o festival ter um mote comum.
Nos últimos dias cruzaram-se o humor e assuntos mais sérios como a luta armada contra a ditadura.
Foi ao som de “Ficções do Interlúdio” – o espectáculo concebido pelo compositor Helder Bruno, no qual associou a temática as revoluções ao universo literário de Fernando Pessoa – que encerrou a terceira edição do Folio, na tarde de domingo. Em palco, aos músicos, o compositor juntou a soprano Mafalda Camilo, o cantor Nuno Guerreiro e o actor Ricardo Carriço, que interpretaram trechos e poemas de Pessoa.
Antes, Guilherme d’Oliveira Martins e Eduardo Lourenço reflectiram sobre a revolução russa e as implicações que teve na história contemporânea.
Perante um auditório cheio, os dois pensadores abordaram o significado da palavra revolução e o facto das revoluções ocorridas entre os séculos XVII e XIX serem marcadas pela utopia enquanto que as do século XX foram caracterizadas pelas distopias (ideia de uma sociedade imaginária em que tudo está organizado de uma forma opressiva, assustadora ou totalitária, por oposição à utopia). Temas como a violência, o terror, os radicalismos e a essência do homem foram também abordados.
Humor português e brasileiro
No dia anterior (sábado), o mesmo auditório – nos antigos Armazéns da EPAC – “rebentou pelas costuras” com largas centenas de pessoas a querer ouvir “um português e um brasileiro que entram num bar”, que é o mesmo que dizer uma conversa entre os humoristas Ricardo Araújo Pereira e Gregório Duvivier.
Com o pretexto de falar sobre o novo livro de sonetos escrito pelo humorista brasileiro, e editado pela Tinta da China, a conversa resvalou logo aos primeiros minutos quando Ricardo Araújo Pereira leu um dos poemas “badalhocos” do amigo. A língua e a forma como as vogais são pronunciadas nos dois lados do Atlântico foram também assunto a merecer nota dos convidados. “Vocês têm um problema muito sério com as vogais. Estão que nem o governo espanhol com a Catalunha, não reconhecem a existência delas”, disse Gregório Duvivier, que de seguida ouviu Ricardo Araújo Pereira reclamar da forma como os brasileiros abrem as vogais.
Politicamente de esquerda, o humorista de 31 anos, reconheceu que é tentador escrever para irritar os que o odeiam, mas que não vale a pena porque fica “chato, repetitivo, irritante”. Na verdade, prefere pensar que o humor une as pessoas, realçando que “quando numa plateia está todo o mundo junto e ri-se da mesma piada, cria-se uma comunidade”.
Duvivier deixou algumas críticas ao momento político actual do Brasil e disse mesmo que a desigualdade é o projecto brasileiro mais bem conseguido.
Já Ricardo Araújo Pereira não deixou passar a oportunidade para ironizar sobre a polémica sentença do juiz Neto de Moura sobre a mulher adúltera, ou mesmo as declarações sexistas do taxista Jorge Maximino.
Nos últimos anos Gregório Duvivier tem vindo bastante a Portugal, mas “não tanto como a Madonna”, brincou o brasileiro, que esteve no Folio pelo segundo ano consecutivo. O humorista deixou ainda um elogio ao livreiro José Pinho, que disse representar o progresso ao conseguir que “num lugar onde apenas se lia um livro [a Bíblia] conseguiu pôr mais de mil”, disse, referindo-se à livraria de Santiago instalada numa igreja.
Manuel Alegre e a força da palavra
Em Óbidos esteve também o Premio Camões deste ano, Manuel Alegre, autor de obras que tiveram consequências políticas, disse, dando como exemplo o seu “Praça da Canção”, publicado em 1965. A sua poesia foi musicada e cantada por artistas como Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira ou Amália Rodrigues, o que permitiu que chegasse mais longe. As pessoas na época, mesmo não sabendo ler, sabiam os versos de cor.
O político disse que acredita na “força da palavra” e que, numa altura em que se vive uma crise de civilização e cultura, a poesia vai ser necessária outra vez. “Só se fala economês e de futebol”, disse o autor, lamentando que actualmente os canais televisivos apostem sobretudo em programas rentáveis economicamente.
Manuel Alegre defendeu uma “revolução pedagógica”, com a obrigatoriedade dos alunos lerem na escola os grandes autores, como é o caso de Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Miguel Torga, Herberto Helder e Sophia de Melo Breyner Andresen. O também político português considera que a retirada de alguns dos escritores do programa de ensino são “experiências pedagógicas inconsequentes e que fazem analfabetos”, acrescentando que o mesmo não acontece, por exemplo, em Inglaterra, onde as escolas mantêm o latim e o grego, além do inglês.
E porque sempre o fascinaram as figuras injustiçadas da História, Manuel Alegre escreveu recentemente um livro que parte da figura de D. António, Prior do Crato, que foi pretendente à coroa portuguesa e lutou contra o domínio dos espanhóis.
O autor considera que a História e a vida são inseparáveis e que sem perceber a primeira é “muito difícil ter uma perspectiva futurante do mundo e do país”.
Um militar de Abril
E enquanto que Manuel Alegre conversava com João Gobern no auditório da Praça da Criatividade, dentro das muralhas, na Igreja da Misericórdia, a vivência da revolução de Abril era partilhada por Franco Charais, um dos seus principais protagonistas.
O agora general, e artista plástico, foi um dos militares de Abril que colaborou na redacção do programa do Movimento das Forças Armadas e, entre 1974 e 1982, integrou a Comissão Coordenadora do MFA, Conselho de Estado, Conselho de Revolução e comandou a Região Militar do Centro. Na Igreja da Misericórdia, o orador contextualizou a época e os motivos que o levaram ao movimento de capitães e a revoltar-se. No entanto, destacou que os militares sós não conseguiam pôr termo à ditadura e que estes contaram com o apoio dos civis e, sobretudo, das mulheres.
“Há cerca de 700 heróis que fizeram parte desta estrutura que, em conjunto com o povo, fizeram a revolução”, disse, referindo-se aos capitães existentes de norte a sul do país em 1974.
A luta armada de Isabel do Carmo
Antes da revolução de Abril houve luta armada. Isabel do Carmo, uma das participantes em acções violentas contra o Estado Novo, como o assalto à base da NATO na Fonte da Telha, ou o assalto a um banco em Alhos Vedros, esteve em Óbidos na apresentação do livro onde conta a história da sua clandestinidade e luta contra a ditadura.
A obra foi apresentada na sexta-feira à tarde por Fernando Rosas e sob “a benção do Senhor”, brincou o historiador e político, por esta ocorrer na Igreja da Misericórdia.
Apesar do interesse que a obra lhe suscitou, o historiador não deixou de mencionar que em certos aspectos diverge de opinião em relação à autora e que a obra é um pouco repetitiva. “É um livro de memórias políticas de uma geração que viveu corajosamente o seu tempo para o mudar”, disse Fernando Rosas, que contextualizou a luta armada em Portugal nos anos 60 e 70 do século passado.
No mesmo dia, e numa outra igreja, esta convertida em livraria, falou-se de “A Resistência”, a obra que deu o Prémio Saramago ao escritor brasileiro Julián Fuks. Nesta obra escrita a pedido do irmão, o autor conta a história da sua família, que se exilou no Brasil vinda da Argentina, após o golpe militar de 1976.
Em Óbidos o autor reconheceu que para um jovem escritor receber este prémio é um “estímulo fortíssimo”, que vai “encarar com seriedade e tentar cumprir as expectativas”. Confessou que tem uma “dificuldade enorme” em escrever e que o faz “lentamente e aos solavancos”.
Ao mesmo tempo, e a poucos metros, na Pousada do Castelo, o historiador caldense João Serra reconstituía uma conferência proferida pelo escritor Manuel Ferreira em 1957 na Semana do Ultramar, em Lisboa. A palestra tinha por tema Cabo Verde, onde o militar, natural de Leiria, tinha estado entre 1941 e 1946. O militar viveu nas Caldas entre 1954 e 1958, e foi nesta cidade que escreveu o romance “A Casa dos Motas” (1956), ilustrado por Ferreira da Silva.
Pedro e Inês em teatro inclusivo
A praça de Santa Maria foi cenário para os amores de Pedro e Inês, levados à cena por um grupo de alunos do Centro de Educação Especial, Reabilitação e Integração de Alcobaça (CEERIA). Intitulada “Para sempre era uma vez o amor de Pedro e Inês”, a peça estava integrada na programação das Comemorações dos 650 anos de D. Pedro I, organizadas pela Associação Amigos de D. Pedro e D. Inês.
De acordo com o comissário das comemorações Jorge Pereira de Sampaio, este foi um dos momentos altos da programação, que durante 15 dias, incluiu conversas, apresentações de livros e exposições entre outras actividades.
Perante o impacto que a peça teve no público e a mesa redonda dedicada às necessidades especiais, o comissário pretende levar o assunto à tutela para que a inclusão social esteja ligada a este projecto cultural. “Não podemos evocar esta história [de Pedro e Inês] sem termos toda a gente debaixo do mesmo chapéu”, disse Jorge Pereira de Sampaio à Gazeta das Caldas.
Como marca destas comemorações a associação quer fazer a tradução das principais peças de teatro escritas em língua estrangeira. A primeira, do escritor espanhol Alejandro Casona, foi apresentada em Óbidos.
As comemorações irão continuar durante o próximo ano, com a associação a tentar apresentar iniciativas em todos os municípios onde D. Pedro deu despacho. Um dos projectos transversal a todos esses lugares será um colóquio itinerante com um conferencista a falar da ligação do rei D. Pedro aquela mesma localidade.