Uma mulher perseguida pelo passado, um velho feito prisioneiro num quarto escuro, um rapaz atormentado por pesadelos que ficou gago quando a avó o levou à bruxa. E também o pai do protagonista, que é um jornalista de sucesso na Gazeta da sua cidade e que também escreve poemas. Todos vivem num prédio dos subúrbios que vai ser palco de crimes e ser motivo de abertura de telejornais.
Estas são algumas das personagens do primeiro romance de João Bernardo Soares. Filho de emigrantes, o autor nasceu em França e ali viveu até aos 12 anos, altura em que os pais decidem regressar à terra natal (Foz do Arelho). João estuda na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro e mais tarde na Raul Proença, onde conhece a namorada com quem mais tarde viria a casar.
UM MIÚDO SOLITÁRIO EM FRANÇA
À Gazeta das Caldas contou que em França era um miúdo um pouco solitário e que desde os sete anos que queria ser escritor.
Amante de ficção científica, João Soares imaginava-se como capitão de uma nave espacial e até escrevia os respectivos diários de bordo. “A escrita sempre esteve comigo, era mais fácil escrever do que expressar-me oralmente”, contou. Na altura, João escrevia em francês, mas contou que se adaptou bem à língua portuguesa quando veio para Portugal. Em sua casa falava-se a língua de Camões e antes de chegar, teve explicações de português.
Quando ingressou na faculdade, em 1989, o seu sonho era ser escritor e jornalista e ingressar numa grande redacção. Mas percebeu que talvez a escrita não fosse a melhor forma de ganhar a vida e, em vez de ir para Letra acabou por estudar Marketing.
Findo o curso, voltou para as Caldas, onde tinha as suas raízes e também porque na verdade nunca se adaptou à vida de Lisboa. No entanto nas Caldas, cidade dedicada aos serviços e ao comércio, nos anos 90, João também não conseguia encaixar-se profissionalmente. “Era o homem dos sete ofícios”, disse o autor que acabou por fazer um pouco de tudo: trabalhou numa rádio, foi formador e professor substituto. Chegou até a ser vendedor de materiais de construção, algo que lhe permitiu conhecer “todo o tipo de gente e de realidades”.
O nascimento do primeiro filho fê-lo pensar em mudar de vida, já que os materiais de construção o faziam viajar e João Soares não queria perder o crescimento do seu petiz. Em 2006 encontrou o seu caminho profissional tendo-se tornado gestor de produto no grupo da distribuição Os Mosqueteiros. Diz que, para já, consegue conciliar a actividade profissional com o tempo que precisa para continuar a escrever. João Soares esteve sempre a criar pequenas histórias, contos, poemas até que chegou aos romances. “Tive a ajuda de uma colega, Daniela Vicente, que já trabalhou no mundo editorial da forma como deveria abordar e escrever o romance”, contou o autor. Este nunca quis pagar a própria edição, como fazem hoje em dia muitos autores, e por isso decidiu esperar até que alguém gostasse do seu romance. “Queria continuar a dedicar-me a esta paixão e um dia alguém apostaria em mim e no meu talento”, referiu João Soares que diminuiu para 212 páginas a primeira versão da sua história que chegava às 350 páginas.
O CONVITE DA EDITORA PLANETA
Conta que foi convidado a editar o seu livro após uma responsável da editora Planeta, Dulce Garcia, ter contactado com a sua escrita através das redes sociais.
“Ela foi vendo o que ia postando e um dia perguntou-me se estaria interessado em publicar”, contou João Soares, explicando que o romance inicialmente começou por ser um micro-conto de duas ou três páginas. “Eu próprio acreditei a história nos sentimentos e nas emoções que esta história poderia transmitir”, disse o autor, que primeiro aprofundou várias das suas personagens e construiu uma história para cada um dos protagonistas.
Dramas do passado numa história actual
O livro, escrito em 2018, passa-se no mundo contemporâneo e aborda os problemas de uma família na actualidade. “Muitos devem-se ao gap geracional”, explicou João Soares e outros à solidão que as suas personagens podem sentir sobretudo quando se é filho único e adolescente, como ele próprio foi.
Por outro lado, mostra como era o país e as suas gentes que viviam no interior, nos anos 60, altura em que “a realidade superava o que nós podemos imaginar em termos de vivências e experiências”, disse o autor, referindo-se à dureza das relações entre as pessoas, homens e mulheres, marcadas pela violência e falta de sentimentos. Há depois um acontecimento trágico que vai marcar a trama, numa obra que aborda o ressentimento, que para o autor “é um sentimento grave”, que se for alimentado, “acaba por se virar contra as pessoas”.
Sobre o livro de estreia explica que este se foca no país pois “acaba por mostrar que somos todos influenciados pelo salazarismo, até na forma como usufruímos da liberdade”.
“A mulher do roupão de seda”, disponível nas livrarias desde o início deste mês, será também apresentado no Festival Correntes de Escrita que decorrerá de 19 a 21 de Fevereiro na Póvoa do Varzim. A primeira edição é de 3000 exemplares e para já, “ainda sou um autor desconhecido”, isto é, “sou uma marca que ainda vou ter que me afirmar”, rematou João Bernardo Soares, usando a linguagem profissional do Marketing, que usa diariamente. O autor já tem um segundo livro quase pronto e um terceiro em mente. As novas histórias que está a criar, nada têm em comum entre si.