A cerâmica das Caldas não foi a sua primeira paixão, mas hoje possui 1300 obras numa das mais importantes exposições da cerâmica local.
João Maria Ferreira, empresário das áreas da ourivesaria e da óptica, continua a adquirir peças, possuindo alguns valiosos exemplares únicos. Em preparação está um catálogo deste conjunto valioso, de onde foram selecionadas pela curadora Margarida Elias 130 obras para integrar a exposição “Animais na Cerâmica Caldense”, que pode ser apreciada até Dezembro no Museu de Cerâmica.

Em miúdo começou pelos cromos, depois passou aos selos e às moedas. Hoje, João Maria Ferreira, de 84 anos, atribui o gosto pelo coleccionismo à profissão de ourives e de joalheiro e a sua vertente de coleccionador aos seus clientes pois sentia obrigação de conhecer bem os artigos a transaccionar. Por isso, cedo começou a visitar museus e a aprofundar conhecimentos, o que o faz ter também uma boa biblioteca de arte. João Maria tirou o curso Comercial e Industrial e ainda começou o curso de cerâmica mas não o terminou, confidenciando à Gazeta das Caldas que foi por falta de jeito.

Viviam-se os anos 40 do século XX e, em voga, estava coleccionar faiança portuguesa. Curiosamente, a cerâmica das Caldas não fazia parte do gosto nacional. “Havia no máximo três ou quatro colecionadores da cerâmica caldense”, disse João Maria Ferreira, referindo-se ao final dos anos 40, inícios de 50. Nessa época, a estrada Lisboa – Porto passava pelas Caldas, que era um ponto de paragem quase obrigatório para se negociar. Os interessados passavam pela ourivesaria do pai de João Maria e ainda nos Móveis Oliveira para ver o que havia de novo. A ourivesaria do seu pai, Eugénio Ferreira, ficava no Largo Heróis de Naulila, em frente ao Thomaz dos Santos.
Teria 19 anos quando começou a ter as primeiras peças de cerâmica. O seu pai era um negociante nato. Até comprava recheios de casas para depois os voltar a vender, ficando com algumas obras: uns pratos de Viana ou umas peças de Miragaia. Permitia que João Maria ficasse com outras, após apurado algum lucro com a transaccção. Aos poucos, foi nascendo a sua colecção, ouvindo também conselhos de outro colecionador local, para quem João Maria também fazia aquisições.
A loja da família Ferreira foi evoluindo, adquirindo outra capacidade económica, dedicando-se às áreas da ourivesaria, joalharia e antiguidades.
Mais tarde, ainda com o pai e um sócio (seu padrinho), criaram uma loja de óptica que se revelou uma boa aposta, permitindo a João Maria continuar a realizar as suas aquisições. Mais tarde, este tornou-se sócio do pai, ao herdar a quota do padrinho.
Nos anos 70 o seu pai era amigo de António Montez, director do Museu Malhoa e acompanhou de perto na constituição do núcleo de cerâmica, que acabaria por originar o espólio do Museu de Cerâmica. E quando o Concílio Vaticano II permitiu a venda de peças das igrejas, “foi possível adquirir vários lotes onde vinham imagens, paramentos, móveis e obras de cerâmica de altar”, disse o colecionador, que comprou algumas jarras de cerâmica arcaica local, anteriores a Maria dos Cacos.
João Maria vivia na Rua Miguel Bombarda onde guardava as suas louças. Resolveu mudar de casa para a Rua de Camões e, nessa altura, vendeu toda a colecção de faiança portuguesa, excepto as peças que tinha de cerâmica local. Por causa dessas obras, rapidamente voltou a colecionar dando atenção especial a Manuel Mafra, fornecedor da Casa Real. Rafael Bordalo Pinheiro também consta neste conjunto de obras e são deste último alguns exemplares únicos. João Maria acabou por beneficiar do desmembramento das colecções das famílias Capucho e Lucas Cabral, cujas peças apareciam nos leilões.

Leilões ao vivo e online

Sempre atento, o caldense é um licitador regular nestes eventos que se realizam, não só em Portugal como também em Inglaterra e nos EUA. Comprar em leilões (ao vivo e online) é algo que desenvolveu durante anos, acompanhando o pai e o padrinho. E João Maria explica que um colecionador vê as peças de uma forma diferente. “Primeiro há o gosto pessoal e depois ganhamos afeição a algumas peças pelas mais variadas circunstâncias da nossa vida”, conta, reconhecendo que alguns desses motivos podem ser por exemplo o acaso da aquisição ou a grande dificuldade da compra.
João Maria considera que a sua colecção tem lacunas: uma prende-se com a olaria, a fase arcaica, anterior ao aparecimento de Maria dos Cacos e a segunda, relacionada com a cerâmica contemporânea.
“Vivi próximo dos artistas recentes e, na altura, não me interessei muito… Hoje podia ter uma boa colecção”, disse. Foi próximo de Herculano Elias e de Ferreira da Silva. Acha que este último foi o maior ceramista do seu tempo pois, além da criatividade, “tinha um extraordinário conhecimento técnico da cerâmica”. Só nos anos 90 é que passou a interessar-se e fez aquisições de autores da cerâmica das Caldas em sentido lato, incluindo obras de Herculano Serra, Saloio, Noivo Júnior, Frazão, Germano ou António de Sousa Liso. Possui igualmente exemplares de Ferreira da Silva, Herculano Elias, Armando Correia e de fábricas emblemáticas como a Secla.
Em preparação está um catálogo que quer incluir as peças desta colecção privada, onde vão constar autores e marcas até agora pouco conhecidos da cerâmica local.

“Tenho que ser mais selectivo”

Além dos leilões, João Maria faz aquisições nas feiras de rua e tem amigos que percorrem estas realizações e que o avisam quando aparece cerâmica das Caldas. “Há um senhor de Sintra que percorre todo o país e traz-me as peças que me podem (ou não) interessar”, disse o coleccionador. Dada a profusão de obras que possui, já lhe aparecem repetidas ou muito parecidas e por isso já não lhe interessam. “Tenho que ser mais selectivo”, comentou João Maria, que em breve vai ter o seu núcleo de miniaturas, juntando exemplares que ainda estão na sua casa.
Na sua opinião, a sua colecção “é eclética e transversal” no que diz respeito à cerâmica das Caldas. Em relação a Bordalo Pinheiro tem três ou quatro obras “que saíram da mão de Bordalo Pinheiro e são únicas e irrepetíveis”, comentou sem deixar de referir que é no museu do próprio artista em Lisboa, que se concentram muitas raridades cerâmicas daquele autor.
E quanto custam as obras de cerâmica caldense? “Neste momento, até pequenas peças estão a atingir preços extraordinários”, disse João Maria e isto porque têm surgido poucas obras para vender. Num dos últimos leilões online, um jarro de Costta Mota Sobrinho tinha como base de licitação 180 euros. João Maria ainda licitou até aos 1490 euros, mas depois “tive que desistir pois era uma peça que ainda precisava de cerca de 500 euros para ser restaurada”.
Outro exemplo: um boneco de movimento, de autoria de José Francisco de Sousa, foi adquirida por cerca de 300 euros e, a última vez que viu um igual à venda, custava 3000 euros. Em média, cada peça que este caldense possui teve um custo entre os 500 e os 600 euros, mas há outras que custaram menos e raridades que acolhe e que podem atingir vários milhares de euros.