Jovem caldense ganha prémio de ensaio no Congresso Internacional José Saramago

0
941
Gazeta das Caldas - Congresso Internacional José Saramago
Marcelo Rebelo de Sousa ficou impressionado com o jovem Roberto Saraiva

O caldense Roberto Gastão Saraiva recebeu, a 8 de Outubro, em Coimbra, o prémio referente ao concurso de ensaio, promovido pelo Congresso Internacional “José Saramago: 20 anos com o Prémio Nobel”.
O jovem, de 18 anos, antigo aluno da Escola Rafael Bordalo Pinheiro, está neste momento a estudar Arquitectura no Porto. Gazeta das Caldas entrevistou-o por e-mail para saber mais sobre este autor, fã de séries e de redes sociais e que se notabilizou com um ensaio sobre o contexto da obra do Nobel, “O Ano da Morte de Ricardo Reis”. Publicamos (em caixa) o discurso proferido pelo caldense na cerimónia e que fez com que o Presidente da República mudasse o discurso que tinha escrito sobre José Saramago para se dirigir, numa intervenção de improviso, ao jovem premiado.
Marcelo disse que também Saramago gostaria de ter ouvido as palavras de Roberto Saraiva. “Valeu por tudo quanto José Saramago teria gostado que fosse dito hoje e fosse sentido hoje. Valeu pela actualidade de Saramago. E valeu pela actualidade de uma mensagem que foi também uma mensagem de José Saramago”, reforçou o Presidente.

O discurso de Roberto Saraiva na entrega do prémio

A Nazaré Veríssimo da Costa nunca conheceu verdadeiramente o poder do seu nome. Conheceu o rigor batismal do “Nazaré”. Mas, nunca descobriu o poder de transcrevê-lo para o papel, a força necessária para transmitir tão potente espírito. Foi só na sua meia-idade, que o concebeu, pela primeira vez, num desenho rebuscado, para fins logísticos: Nazaré.
O analfabetismo da minha avó paterna pautou-se pelas características árduas de uma outra vida de uma outra época. Tais quais que nos é impossível encontrar a memória do seu ser noutro sítio a não ser os seus afetos. E no fundo, talvez seja essa, arrisco-me perigosamente a afirmar, a definição da escrita. O suprassumo do espiritismo. Definhar a nossa alma em rabiscos, tornar a dividi-la, até todas as parcelas da nossa inquietude estarem libertas. Entristece-me que a minha avó nunca tenha atingido esse patamar. O mesmo patamar que hoje, o júri do concurso de ensaio julga que eu atingi.
Contudo, nos dias de hoje, ainda está fortemente enraizada na nossa comunidade a ideia que a qualidade literária é indissociável a uma certa etnia ou elite da nossa sociedade. Pelo contrário, num universo de 250 milhões de falantes, seria pessimista a visão de que somente uma percentagem seria capaz de produzir obras de elevado valor literário. No fundo, não há maior religião do que a escrita, livre de dogmas, ideias pré concebidas, rituais, raças, sexos, etnias, orientações e nacionalidades.
Foi nesta religião que se destacou Saramago, abertamente ateu. Para ele a escrita era não só uma arte como uma ferramenta essencial para a democracia. A crítica que ele exercia sobre a sociedade que o rodeava era para ele a concretização plena do sonho da liberdade de expressão. Não nos resta mais nada a não ser celebrá-lo, nesta nossa língua materna. Aqui, onde a saudade acaba, e o sonho principia.
Roberto Saraiva

 

GAZETA CALDAS: Qual foi o tema que escolheu para o seu ensaio?
ROBERTO SARAIVA: O ensaio que escrevi tem como o título “O Ano Gélido da Morte de Ricardo Reis” e, como o título sugere, o texto incide sobre a obra (quase) homónima de José Saramago.
Particularmente, o contexto sociopolítico do ano em que o enredo se desenrola, o clima adverso marcado pela ditadura de Salazar e a iminência da grande calamidade que viria a ser a Segunda Grande Guerra Mundial.

GC: O que sentiu quando soube que era o vencedor deste prémio? O que ganhou? O que significa o Nobel para si?
RS: Não sei descrever o que senti com muitos pormenores. Senti-me feliz e reconhecido. Recebi a obra completa de José Saramago. Sim, recebi todos os livros do Nobel. É um prémio pelo qual estou muito agradecido, acho que tornar-me-ei um grande estudioso de Saramago entretanto.
Para mim, este escritor é um símbolo de superação, de desafio das leis naturais. Nascido e criado num meio social caracterizado pela pobreza, ele conseguiu superar todos esses obstáculos e tornar-se num ícone literário não só a nível nacional, mas também mundial.

GC: O que lhe disse o Presidente da República na cerimónia de entrega?
RS: Recebi um aperto de mão do Presidente que perguntou-me se já tinha alguma obra publicada, ao que respondi “Estou a tratar disso”.

GC: Qual é a sua ligação com a literatura? Quais são os seus autores favoritos? Gosta de escrever?
RS: Acho que vou responder pelo fim. Escrever é um dos vícios menos nocivos. Quanto à literatura, sempre foi para mim uma das minhas artes preferidas. Em relações aos autores, destacaria Gabriel García Marquez e José Saramago. Ele é aliás um dos meus autores favoritos. Entre as suas obras, destaco O Ano da Morte de Ricardo Reis e O Memorial do Convento. Os seus livros contêm uma filosofia de vida que sempre me impressionou. Por exemplo, na obra protagonizada por Baltazar e Blimunda, há uma frase que eu destaco: “Nascer é morrer, Maria Barbara”, proclamada pela rainha, sua mãe. A noção de que nascer é o mesmo que morrer e que a linha ténue entre ambos os acontecimentos ser inexistente aterrorizou-me e marcou-me para sempre.

GC: Agora a estudar Arquitectura, vai continuar a ter tempo para os seus ensaios?
RS: Espero ter. Sei que o estudo universitário é muito mais exigente do que o secundário, contudo irei arranjar tempo para os meus textos.

GC: Vai manter-se ligado às Caldas? Com que frequência vem ver os seus familiares e amigos?
RS: Caldas da Rainha é a minha terra, e sempre o será. Nesta fase de mudança, são muitos os choques resultantes das inúmeras diferenças entre as Caldas e o Porto, por isso, tenho regressado todos os fins de semana. No futuro, não sei se o farei com tanta frequência, após o período de adaptação ter acabado.

GC: Nas Caldas, onde gosta mais de ir?
RS: Os meus sítios favoritos são o Parque Dom Carlos I e a Biblioteca Municipal. Estão os dois interligados, normalmente vou ao primeiro ler livros que trago do segundo.

GC: Gostou de estudar na Secundária Rafael Bordalo Pinheiro? Como foram os seus últimos anos de estudante nas Caldas?

RS: Gostei do ambiente escolar da Bordalo. Também passei pela Raul Proença e trago de lá boas memórias. Acho que em ambas as escolas tive bons colegas e bons professores, mas iria destacar a Bordalo, visto que a maior parte do meu percurso académico decorreu lá.
Destacaria o ambiente vivido de fraternidade. Por exemplo, a maior parte dos meus amigos nem era da minha área, Artes Visuais.
Por outro lado, os professores também foram essenciais. Neste campo, destacaria a minha professora de Português, também minha directora de turma durante três anos, Teresa Ferreira Belo. Ela é, indiscutivelmente, o herói desconhecido no meio deste processo. Foi ela que me falou do concurso e me apoiou naquela que seria a minha, espero que primeira, grande vitória literária.

GC: Quais são os seus passatempos?
RS: Passear, nadar, ler, escrever, desenhar. Sou viciado nas redes sociais e em séries. Especialmente Game of Thrones. Creio que esse pedaço de entretenimento é indispensável na minha vida.