“Manuel Ferreira foi ponto de ancoragem entre artistas nos anos 50 nas Caldas”

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A exposição sobre a vida e obra do homenageado será apresentada noutras localidades | Natacha Narciso

O Museu José Malhoa acolheu a 22 de Julho iniciativas do centenário de Manuel Ferreira, militar, escritor e investigador que viveu nas Caldas nos anos 50. O evento contou com a inauguração da exposição “Manuel Ferreira. Capitão de Longo Curso” e uma conferência – que contou com Fátima Mendonça (Universidade de Mondlane, Maputo), Ana Paula Tavares (Faculdade de Letras de Lisboa), Mário Tavares e João B. Serra (Instituto Politécnico de Leiria).
A iniciativa é comissariada pelo investigador João Serra e a exposição, patente no Malhoa, seguirá para Leiria e depois para Lisboa onde será apresentada na sede da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).

 

 

Manuel Ferreira é natural de Leiria e foi por causa da condição de militar que veio para a cidade termal, com a mulher e dois filhos. A esposa foi professora do ensino primário nas Caldas e Manuel Ferreira durante a passagem pela cidade termal escreveu e publicou o romance “A Casa dos Motas” (1956), que contou com ilustrações de Ferreira da Silva.
O homenageado “teve um papel muito importante como ponto de ancoragem para vários artistas”, disse João Serra sobre a sua ligação com as Caldas da Rainha, onde viveu entre 1954 e 1958.
Foi amigo de vários artistas, alguns que tinham estado no Bombarral e que vinham às Caldas “sobretudo por causa da Secla”, disse o comissário. Foram os casos de Júlio Pomar, Alice Jorge, Hernâni Lopes ou Ferreira da Silva. “Havia aqui um grande núcleo de pintores, gravadores e desenhadores e Manuel Ferreira é um ponto de ancoragem de toda esta gente”.
O autor era também uma referência para a acção cultural, tendo organizado sessões culturais no Sindicato dos Empregados de Escritório, nos Pimpões (que estão reportados nos arquivos da PIDE) e ainda tentou fundar o jornal Magazine (mas não conseguiu, certamente por “má informação policial e da União Nacional”, como se pode ler no catálogo).
“Foi ainda o primeiro presidente do Conjunto Cénico Caldense (CCC)”, afirmou João Serra, acrescentando que Manuel Ferreira acabou por se tornar “num elemento agregado junto de uma cultura neorrealista, influenciada pelos movimentos políticos da oposição”. Durante os anos que vive nas Caldas escreveu “Morabeza”, – “quase todo ele veio do Café Central” – um livro de contos cabo-verdianos que foi publicado em 1958 e que ganhou o prémio Fernão Mendes Pinto.
Manuel Ferreira saiu das Caldas em 1958 quando foi colocado na direcção da área do Recrutamento Militar, e com a família instalou-se no Dafundo, em Oeiras.
“Manteve-se ligado às Caldas, acompanhando a actividade do CCC, vindo assistir a representações das peças e fazendo critica para a Revista Cultural Vértice”, explicou o comissário.
A exposição – que acolhe documentos e obras de arte que pertenceram ao homenageado e a vários colecionadores – abriu portas nas Caldas e seguirá posteriormente para Leiria, onde estão também a decorrer iniciativas relacionadas com Manuel Ferreira.
Presente esteve também Arlinda Cabral, em representação de Maria do Carmo Silveira, a secretária executiva da CPLP, revelando que há interesse desta entidade em poder mostrar na sede em Lisboa esta exposição. Manuel Ferreira passou e estudou a cultura de vários Estados da comunidade CPLP, nomeadamente Cabo Verde, Moçambique, Angola e S. Tomé e Príncipe. Segundo o comissário, Ana Paula Tavares expressou igualmente interesse em levar a mostra até Cabo Verde.
Seguiu-se a mesa-redonda “Manuel Ferreira, quem és?”, com a participação dos professores Fátima Mendonça (Universidade de Mondlane, Maputo), Ana Paula Tavares (Faculdade de Letras de Lisboa), Mário Tavares e João B. Serra (Instituto Politécnico de Leiria). Os dois últimos dedicaram-se a contar como foi a vida do homenageado nas Caldas enquanto que as docentes Ana Paula Tavares e Fátima Mendonça deram o seu testemunho como discípulas dado que Manuel Ferreira foi seu docente.
“Ele ensinou a ser professor e todos nós somos tributários de uma certa maneira de abordar o texto africano, escrito em Língua Portuguesa a partir dos trabalhos de Manuel Ferreira”, disse Ana Paula Tavares.
Fátima Mendonça referiu duas fases de relacionamento com Manuel Ferreira. Primeiro como aluna – entre 1975 e 1977 – tendo destacado que “ele era uma pessoa muito dedicada à investigação e sempre me incentivou a fazer isso”. Quando se tornou professora de Literaturas Africanas em Moçambique seguiu sempre os conselhos, que trocava por carta, com o seu mentor. “Ele foi valioso nos meus primeiros anos de ensino”, disse a docente universitária que actualmente vive nas Caldas e é leitora fiel da Gazeta das Caldas. “Leio-a de uma ponta à outra”, disse Fátima Mendonça que aqui vive desde 2010, referindo que só não lê a necrologia e a secção desportiva.
Para o presidente da Câmara das Caldas da Rainha, o escritor Manuel Ferreira, apesar de só ter estado nas Caldas durante quatro anos “deixou claramente a sua marca impressiva”. Para além disso, o autor teve um papel importante com os países de Língua Portuguesa.
“Esta homenagem é a nossa retribuição perante o contributo que ele nos deixou enquanto cá viveu”, rematou o edil caldense.
Depois da conferência teve lugar o recital “Malhoa, música & Seres Imaginários”, organizado pela Liga dos Amigos daquele museu. A actuação fez encher a principal sala do Museu Malhoa.

 

Comissário faz visitas guiadas à exposição

Nos dias 16 e 30 de Agosto e ainda no dia 13 de Setembro, às 14h30, o comissário João Serra fará visitas guiadas à exposição “Manuel Ferreira: Capitão de Longo Curso”.
As visitas terão que ter no mínimo cinco pessoas que necessitam de fazer inscrição prévia no Museu Malhoa (recepção ou telefone 262831984), na associação Património Histórico (endereço de e-mail: caldas.ph@gmail.com) ou ainda na recepção do Espaço Turismo da Praça da República.

 

Quem conheceu Manuel Ferreira?

António Júlio Pereira

“Manuel Ferreira foi meu explicador durante vários meses. Era então sargento e ajudou-me em disciplinas como a Matemática e Português.
Lembro-me bem dele, sempre acompanhado com o seu cachimbo.
Era uma pessoa muito educada e com muito traquejo da vida. Fiz questão de vir a esta homenagem porque ele merece, como pessoa e como professor. A ajuda dele foi importante pois eu tinha dificuldades sobretudo a Matemática.
Sim, ele era uma pessoa humilde que foi conhecida cá nas Caldas. Tanto que ele foi o primeiro presidente do Conjunto Cénico Caldense”.

Luísa Pimenta

“Privei com Manuel Ferreira, que então era sargento, quando ele viveu cá nas Caldas. Ele conseguiu que o meu pai me autorizasse a fazer teatro no CCC. Tinha então 17 anos e integrei o elenco de “O dia seguinte” do dramaturgo Luís Francisco Rebelo.
Foi ele que conseguiu convencer o meu pai, que era muito conservador!
Era uma pessoa muito interessante com uma cultura vastíssima e que tinha gosto em ensinar o que sabia aos outros. Ele tentava abrir os horizontes às pessoas”.