O Real Gabinete Português de Leitura foi fundado no Rio de Janeiro no ano de 1837, com a finalidade de promover a difusão da cultura portuguesa no Brasil. É da sua responsabilidade a publicação de uma revista intitulada “Convergência Lusíada”, que aborda assuntos tanto brasileiros como portugueses. A revista que tenho entre mãos, a nr.º 8, do V ano de publicação, 1987, oferece-nos um artigo intitulado “Raphael Bordallo Pinheiro”, da autoria de Luiza Martinez.
A autora ocupa-se do tempo em que Bordalo Pinheiro viveu no Brasil (de 1875 a 1879), relatando-nos alguns episódios vividos pelo português na terra dos tucanos de mil cores.
Conta-nos a autora: [R. B. Pinheiro] “com um vencimento de cinquenta libras, desembarca e instala-se em casa do negociante português Faro e Oliveira, mas acaba por formar estúrdia “república” na Rua da Laranjeiras, n.º 6. O Maestro Artur Napoleão, Cyriaco Cardoso e Cunha Vasco, amigo dileto, fazem parte do grupo. O sobradão, que possui um belo jardim com tanques de mármore, é cenário de animada boémia, de que participa alegre companhia feminina e onde se realizam «aprés-soupers» regados a bom vinho e acompanhados de música embaladora. Janota, bem-parecido, dado à paródia, não é difícil a Bordallo Pinheiro adaptar-se à vida galante do Rio de Janeiro. Inicia a sua colaboração em «O Mosquito», esboçando uma série de pequenos desenhos em que dá as suas impressões de viagem, os seus receios durante a travessia, os seus falsos juízos sobre o Brasil e as suas gentes, e encantadora surpresa que vem encontrar em tudo quanto se depara. Trabalha como é seu costume com nervosa rapidez, sob o fogo da inspiração, não raras vezes em cima da hora, brotando muitos dos seus desenhos de improviso, já quase sobre a pedra litográfica. Conta José Patrocínio, seu colaborador, «Só à última hora, quando só dispunha de tempo estritamente necessário para desenhar, metia mãos ao trabalho, murmurando entre dentes: Anda Sísifo, toca para a pedra.»”
Não querendo nós distrair Raphael com conversas de amigos, provocando ainda maior atraso, prejudicando a entrega atempada dos seus desenhos, fecho a revista e vou arrumá-la no seu lugar, junto a outras da mesma coleção. Daqui a tempos torno a pegar-lhe, à procura de mais aventuras bordalianas vividas no além-mar.