
“É triste que sejamos mais acarinhados em actuações longe de casa do que na nossa própria terra”
Representam a actividade que antigamente mais pessoas empregava na freguesia de Alvorninha. Não falamos do cultivo do milho ou do trigo, mas sim da produção da azeitona. Da Ramalhosa, o Rancho Folclórico e Etnográfico “Apanha da Azeitona” tem 22 anos e hoje conta com 32 elementos, dos 11 aos 80 anos.
Foi do zero que fizeram erguer uma sede no local onde antes ficava a escola primária da Ramalhosa, num terreno que encontraram completamente ao abandono e degradado. Hoje, este é o espaço de ensaios do rancho, mas também ponto de encontro das gentes da terra, que ali frequenta o bar e põe a conversa em dia.
Há 22 anos, onde agora fica a sede do rancho “Apanha da Azeitona” encontrávamos um terreno cheio de silvas, com quatro paredes erguidas, completamente degradadas e que nem pintadas estavam. Quem o recorda é Eurico dos Santos, um dos fundadores do grupo, que hoje descreve o espaço recuperado com um brilhozinho nos olhos. É do orgulho.
“Nós sobrevivemos graças à inteligência e do trabalho que esta malta teve. Não foi com as ajudas da Câmara ou da Junta de Freguesia, essas nunca teriam chegado para erguermos a nossa sede”, diz o antigo membro, lembrando que na altura foi necessário pedir um empréstimo à banca, fez-se um peditório aos emigrantes residentes no estrangeiro, trabalharam-se vários anos seguidos nas Tasquinhas da Expoeste e todos os trocados que se ganhavam em actuações eram investidos em obras de recuperação do edifício. Isto além do dinheiro que alguns dos elementos foram tirando do seu próprio bolso.
A verdade é que Eurico dos Santos nunca acreditou que chegaria aos 74 anos e encontraria uma sede como a que o rancho tem hoje, com espaço para ensaios, arrecadação e bar. E com movimento, pois nem sempre foi assim.
“Inicialmente ninguém conhecia a sede. Pior: quando a abrimos ao público o povo até era capaz de se rir da gente – chamar-nos de coitadinhos – mas aos poucos fomos conseguindo trazer pessoas e actualmente é um espaço frequentado”, conta Eurico dos Santos.
Durante o dia é Maria de Lurdes (a responsável pelo rancho) quem assegura o serviço do bar, mas como os 71 anos já pesam, o grupo arranjou forma de se organizar nos períodos nocturnos e os vários elementos vão alternando entre si o trabalho. Tudo isto em regime de voluntariado.
Mesmo assim, conseguir arranjar pessoas para trabalhar no bar é ainda a principal dificuldade com que Maria de Lurdes se depara no dia-a-dia. Ao mesmo tempo, fechar o café não é uma possibilidade, pois é deste que saem as receitas que são a grande fonte de rendimento do rancho.
DO RANCHO DE ALVORNINHA PARA A RAMALHOSA
É injusto falar da história do rancho “Apanha da Azeitona” sem mencionar o rancho “Os Azeitoneiros” de Alvorninha, pois foi deste último que surgiram alguns dos fundadores do grupo da Ramalhosa.
“Nós também fundámos o rancho em Alvorninha, inclusive estivemos no seu processo de entrada para a Federação de Folclore Português, mas houve desentendimentos com a direcção e acabámos por sair”, explica Maria de Lurdes, acrescentando que “a Ramalhosa também merecia um rancho”. Quem saiu a ganhar foi a freguesia de Alvorninha, que desde 1994 tem o seu nome representado através de dois grupos de folclore.
Também o rancho da Ramalhosa quis manter a ligação à azeitona, uma vez que a produção deste fruto foi durante muito tempo a principal actividade agrícola de Alvorninha. “Durante 90 dias juntavam-se grupos de pessoas vindas de norte a sul do país para a apanha da azeitona em quintas como a do Pego, Vale Rodrigo, Vale Formoso, Pedreira, Quinta Nova e de Almofala”, afirma Maria de Lurdes.
No dia da adiafa (em que os patrões serviam aos empregados um jantar composto por batatas com bacalhau e se dançava noite dentro), os trabalhadores tinham o costume de fazer uma bandeira com uma toalha bordada que representava a sua quinta e iam em procissão até à capela mais próxima em gesto de agradecimento. Também a bandeira do rancho da “Apanha da Azeitona” é uma toalha bordada e no seu festival os elementos deslocam-se em conjunto à capela da Ramalhosa.
Antes de cada actuação, ouve-se o soar de um búzio, numa recriação daquilo que se fazia antigamente, quando não existiam relógios e esta era a forma de se anunciar o início e o fim do dia de trabalho no olival. Curioso é também que num dos temas do rancho – a Contradança – um só homem baila com duas mulheres ao mesmo tempo porque era comum os patrões das quintas só aceitarem trabalhadores homens caso estes trouxessem consigo duas senhoras.
A primeira actuação dos “Apanha da Azeitona” realizou-se no salão da localidade, em Fevereiro de 1995. Maria de Lurdes recorda esse dia como aquele em que mais gente da terra assistiu a um espectáculo do rancho. E também como o dia em que o grupo subiu ao palco com mais pares, 14 no total.
“Estava tanta gente, a actuar éramos mais de 40”, conta a responsável, revelando que nos primeiros tempos o rancho ensaiava na sua garagem porque ainda não existia nenhum espaço físico onde os ensaios pudessem decorrer.
Dos pares que se estrearam nessa actuação, restam apenas dois. Hoje o grupo é composto por mais rapazes que raparigas, tem 32 pessoas, dos 11 aos 80 anos. Muitas pessoas, cada uma com o seu feitio, e uma diferença de idades que, na opinião de Elvira Fialho (filha de Maria de Lurdes), contribuem para que os seus membros ganhem respeito uns pelos outros. “Além disso, ganham-se mais valores como a camaradagem, a partilha e a interajuda”, diz Elvira.
RIGOR LOGO DE INÍCIO
A maioria dos ranchos da região iniciou a sua actividade com trajes bastante semelhantes e só mais tarde adoptou fatos etnográficos. Mas como os fundadores do grupo da Ramalhosa vieram do rancho de Alvorninha (que já era federado), desde o início que se exibem em palco vestidos a rigor.
Existe desde o par de noivos, ao par que representa o casal que ia à feira vender gado – em que o rapaz transporta umas açogas às costas e a rapariga leva um chapéu por cima do lenço que ata à cabeça – ao o par que ia à festa, em que as raparigas se distinguem pelos seus aventais bordados. Na zona de Alvorninha o traje de domingueiro não é muito diferente do traje de trabalho agrícola, precisamente porque a população era muito pobre.
Cada fato custa entre 190 euros a 300 euros e foi feito com base nos testemunhos e fotografias que o rancho recolheu junto das pessoas mais velhas da localidade. Hoje, a maioria dos trajes é património do rancho, onde também se incluem objectos como cestas, lanternas, uma capa de um pastor (que é original), bilhas de água, barris de vinho, uma lata do peixe, as varas, as açogas e os paus. Sim, que antigamente todos os homens se deslocavam para as festas com paus porque as brigas eram o prato do dia.
Como Maria de Lurdes fez parte do processo de federação do rancho de Alvorninha, já disse várias vezes que não saia da Ramalhosa sem ver o seu rancho federado. “Mas eles ralham comigo, dizem que não querem porque depois havia modas que não podíamos dançar e obrigavam-nos a dançar mais devagar”, explica a responsável, realçando que embora não tenham o selo da Federação de Folclore Português sobem para cima de palco com o mesmo rigor que os grupos federados.
A filha, Elvira Fialho, diz que “o rancho é muito feliz sem ser pertencer à Federação e que, por isso, tomar esse passo não é uma prioridade para o grupo”. Pelo menos por enquanto.
“PODÍAMOS SER MAIS VALORIZADOS PELAS PESSOAS DA RAMALHOSA”
Das principais alegrias que o rancho tem é poder sentir o carinho do público. “Sentir que contribuímos para a felicidade das pessoas quando dançamos”, realça Elvira Fialho, triste pelo facto do rancho às vezes ser melhor recebido em localidades com as quais não tem qualquer ligação do que na sua própria terra. “Tão longe e as pessoas acarinham-nos tanto, enquanto aqui temos pouco apoio e nem sempre somos valorizados”, acrescenta.
Segundo diz Elvira, há falta de fair-play entre as associações da Ramalhosa. São quatro ao todo e preferem trabalhar individualmente do que ajudar-se mutuamente. “Tenho pena, gostava que convivêssemos melhor, até porque só ficávamos a ganhar com isso, mas como isto é um meio pequeno é difícil mudar as mentalidades”, afirma.
Por outro lado, em contrapartida, o que tem evoluído é a opinião das pessoas em relação ao folclore. Cada vez mais existe da outra parte compreensão do que significa vestir um traje e a valorização da cultura que os ranchos representam. Está-se no bom caminho, mas é pena que, principalmente os mais jovens nem sempre respeitem os amigos que andam no rancho.
“Ainda no outro dia, quando fomos actuar à Feira dos Frutos, como estávamos num sítio tão movimentado e em pleno centro da cidade, uma das nossas meninas estava com receio de encontrar algum amigo da escola que a visse trajada”, conta Elvira Fialho, que é da opinião que hoje em dia as crianças têm que ter personalidades muito fortes e gostar mesmo de dançar para se manterem nos ranchos. Caso contrário vence muitas vezes o preconceito dos colegas.
22 anos de história…
9 de Novembro de 1994: É fundado o Rancho Folclórico e Etnográfico “Apanha da Azeitona” da Ramalhosa.
19 de Fevereiro de 1995: O rancho actua pela primeira vez, no salão de festas da Ramalhosa, com 14 pares, o maior número de sempre.
Desde 2012: O rancho organiza, em Outubro, a Festa de Água Pé e o almoço dos sócios; É também neste ano que o bar passa a estar aberto todos os dias.
Desde 2014: O rancho celebra as Festas de São João, organizando uma sardinhada na sede.
Todos os anos, no primeiro domingo de Junho, é organizado o festival de folclore do rancho “Apanha da Azeitona”.