“Somos o rancho mais antigo do concelho de Óbidos”
São da Capeleira e são também o rancho folclórico mais antigo do concelho de Óbidos. Nasceram há 45 anos e nos primeiros tempos juntavam-se apenas pela altura do Carnaval. Hoje, contam com 40 elementos, dos cinco aos 78 anos, e distinguem-se da maioria dos ranchos porque apresentam em palco um conjunto de dançarinos muito jovens.
No próximo ano, irão actuar pela primeira vez fora do continente, numa viagem que já está marcada para os Açores.
Para falar na origem do Rancho Folclórico e Etnográfico da Capeleira é preciso recuar até 6 de Novembro de 1972 e ouvir, sobretudo, dois senhores: Casimiro Marques e Luís Agostinho. Hoje têm 78 e 66 anos, respectivamente, e há mais de quatro décadas encontraram-se um dia numa feira na Autoguia da Baleia. Não será difícil adivinhar o tema da conversa. Casimiro Marques falava entusiasmado da possibilidade de ser criado um rancho na Capeleira, influenciado pelas histórias que a mãe lhe contava sobre como se dançava na época da sua juventude. A Luís Agostinho agradou-lhe a ideia.
“Começámos por ser um grupo de contradanças no Carnaval e andámos assim durante três anos. Ensaiávamos uns meses antes e pela altura do Carnaval corríamos o concelho todo e até chegámos a actuar no Bombarral”, recorda Luís Agostinho, que actualmente já não faz parte do rancho mas continua com boa memória. Nessa altura, dançavam 12 pares, no máximo 16, que interpretavam modas como o Pau das Fitas, o Fadinho, a Valsa a Dois Passos, o Verde Gaio, o Vira e o Bailarico Saloio. Em quase todas as danças, os bailarinos seguravam daqueles arcos semelhantes aos das marchas populares.
As mulheres vestiam uma camisa branca que combinava com uma saia vermelha de flanela que tinha uma grossa risca preta. Às costas penduravam um lenço. Já os homens usavam um chapéu na cabeça, colete e calça preta e uma camisa branca. Este foi o primeiro traje do rancho, que em 1986 renovou o guarda roupa (para aquele que mantém até hoje). “Decidimos mudar o nosso traje porque notámos que era uma tendência entre vários ranchos, que passaram a estar mais atentos à etnografia”, conta Tina Marques – responsável do grupo – que acredita que desta forma os ranchos passaram a ser mais valorizados. “Assim há uma recriação mais fiel do que eram as antigas tradições e o próprio público também percebe melhor que figuras estamos a representar”, acrescenta. Além dos trajes que recriam as principais actividades agrícolas que existiram na Capeleira, para palco também vão objectos tradicionais, como a enxada, o barril, a peneira, o cabaço, a cesta da fruta, entre outros.
PRIMEIRA ACTUAÇÃO FOI NAS CALDAS
Casimiro Marques (um dos fundadores que ainda pertence à tocata do rancho) lembra-se da primeira grande actuação como se fosse hoje. Foi nas Caldas, em Maio de 1980, no Festival da Primavera, um evento que juntou grupos de folclore de toda a região e que encheu a Praça 25 de Abril. “Recordo-me como estávamos cheios de medo de fazer má figura, porque dançávamos logo a seguir ao Tá-Mar da Nazaré, que era já um dos melhores ranchos naquela altura”, explica Casimiro, revelando que o facto do seu grupo bater muito com o pé (causando impacto) lhes valeu muitos aplausos. É que em comparação, os nazarenos dançavam descalços.
Mas há mais histórias que Casimiro Marques não esquece. Como todas aquelas vezes em que o seu tio lhe emprestou uma carrinha de caixa aberta onde na parte detrás se montavam bancos e se pendurava um grande toldo que escondesse toda a gente que lá ia dentro: “queríamos passar despercebidos para que a polícia não nos apanhasse”. Mas e que raio iam fazer? “Era o nosso meio de transporte para as aldeias, porque tínhamos o hábito de correr as terras todas à procura de locais para dançar”, acrescenta Casimiro, realçando que no mesmo dia em que actuavam, os elementos também iam de porta em porta para pedir algum tipo de contribuição. Os peditórios continuam a ser fundamentais para o sustento no rancho, mas houve anos em que chegaram a ser a única fonte de rendimento que o grupo tinha para garantir o pagamento aos acordeonistas.
O que há 45 anos não era de todo um problema era a falta de elementos. Não é que agora o Rancho da Capeleira sofra deste mal, mas se o grupo tem atravessado momentos menos bons, deve-se principalmente a este aspecto. “Antigamente não existia quase entretenimento nas aldeias e por isso as bandas filarmónicas e os ranchos folclóricos eram as principais actividades culturais, senão as únicas, então a malta vinha mais facilmente”, conta Tina Marques, recordando que o primeiro festival de folclore que o rancho organizou, em 1989, foi também aquele que contou com a maior enchente de sempre. “Agora é impossível trazer tanta gente”, salienta a responsável, que também aponta diferenças nos ensaios.
É que há uns anos (e não são assim tantos) a disponibilidade dos elementos era outra. No final dos ensaios tudo servia de pretexto para ficar mais algum tempo na antiga escola primária da Capeleira. “Nem que ficássemos a brincar à roda do lenço! Os mais teimosos ficavam a aperfeiçoar uma ou outra dança, à moda do Cristiano Ronaldo”, brinca Tina Marques.
Hoje, assim que o ensaio chega ao fim, a maioria das pessoas vai-se embora e no máximo aproveita o final da sessão para pôr a conversa em dia. Mas não com a mesma disponibilidade que tinha antes. “É por isso que quando me perguntam se agora se dança melhor que antigamente, tenho algumas dúvidas, porque há uns anos nós tínhamos muito mais tempo para nos dedicarmos ao rancho que actualmente”, acrescenta a responsável.
“SÓ TEMOS MUITOS JOVENS PORQUE HÁ PAIS DISPONÍVEIS”
Ao contrário do que se verifica na maior parte dos ranchos da região, Capeleira não tem falta de elementos jovens. Para isso muito contribuiu o grupo infantil que foi criado em 2005, cujos dançarinos foram gradualmente transitando para o rancho adulto. Curioso é que actualmente já existem crianças suficientes interessadas em entrar para o rancho, o que justificará a reactivação da formação infanto-juvenil.
Margarida Duarte começou a dançar aos quatro anos. Parte da sua família já andava no rancho, por isso a sua integração deu-se naturalmente. “Aqui encontrei um grupo de amigos, unido e muito alegre”, diz a jovem de 16 anos, realçando que não só o gosto pelas tradições antigas, mas também o convívio que existe entre os vários elementos, são dois aspectos fundamentais que a fazem continuar no rancho. Tão fundamentais que tiveram mais força que os comentários preconceituosos que já chegou a ouvir dos seus colegas de escola.
“Os jovens não se identificam com grupos como os ranchos, acham que estão fora de moda e que só dizem respeito a coisas antigas, então não lhes interessa”, acrescenta Margarida Duarte, a quem este tipo de opiniões chegou a fazer “mossa”. “Houve uma altura em que me afectava, agora prefiro ignorar, com a certeza que não são estes comentários que me vão fazer deixar o rancho”, ressalva. De notar que na Escola Josefa de Óbidos, o currículo de Educação Física inclui a modalidade de dança, onde os alunos também aprendem sobre folclore.
Na opinião da mãe, Célia Marques, os ensaios servem mesmo para que os mais jovens fujam ao stress diário que têm acumulado. Com um horário escolar apertado e exigente, “os ensaios não podem ser demasiado rigorosos, tem que haver tempo para que eles brinquem e descomprimam, caso contrário vão-se embora as próprias danças são fisicamente exigentes”, comenta.
Mas outra verdade é que só há tantos jovens a dançar na Capeleira porque os pais colaboram. “Sem a disponibilidade deles seria impossível! Fazem sacrifícios para vir trazer os filhos aos ensaios e às actuações e ajudam-nos voluntariamente no nosso festival e no Mercado Medieval de Óbidos, onde todos os anos temos uma banca”, reforça Célia Marques, que também salienta os apoios prestados pela Câmara de Óbidos e pela Junta de Freguesia de Sta. Maria, S. Pedro e Sobral da Lagoa, “duas entidades que nunca nos fecharam as portas”.
Em 2004, o Rancho Folclórico e Etnográfico da Capeleira também criou – a convite do munícipio – o Grupo de Danças Antigas Josefa d’ Óbidos, que se dedica à interpretação de danças medievais renascentistas. Os mesmos dançarinos do rancho, mas vestidos com diferentes trajes e acompanhados por outros músicos, actuam em feiras e mercados medievais, em festas temáticas e até em casamentos. Dá para imaginar como será preenchida a agenda deste grupo.