Historiadora defende que o país precisa de uma democracia participativa. Não basta votar de quatro em quatro anos
“Breve História de Portugal”, editado pela Bertrand, é o último livro da historiadora Raquel Varela e do cientista social Roberto della Santa. A apresentação da obra – que retrata 200 anos da luta de classes em Portugal – foi feita por Isabel Xavier, presidente do Património Histórico (PH), após ter sido feita a ponte através do médico Vasco Trancoso.A historiadora conheceu-o quando investigou o Serviço Nacional de Saúde.
A apresentação, que contou com sala cheia no café-concerto do CCC, foi feita por Isabel Xavier que começou por partilhar com os presentes que é também professora no ensino secundário e que está prestes a reformar-se pois lecciona desde 1983. A docente fez uma análise com detalhe aos vários perídos históricos, começando desde o início da organização dos trabalhadores, nos primeiros anos do século XIX.
O livro, que só termina na atualidade, assume que “trata da luta de classes. das lutas do operariado e da relação de forças entre os grupos dominantes e os que estão desapossados dos meios de produção”, referiu Isabel Xavier.
Houve ainda espaço para se conversar sobre o 25 de Abril, e de partilha sobre a experências vividas durante a Revolução.
“Eu tinha 16 anos e fazíamos RGAs e RGEs com muita frequência. Tudo era debatido!”, disse a historiadora. Uma das reivindicações, recordou, era que fosse retirada dos programas de Geografia a menção à Índia que ainda era descrita como pertença portuguesa. Eram pois tempos diferentes, em que toda a gente se envolvia e até os estudantes lutavam mais pelos seus direitos.
Quatro horas para chegar a Lisboa
Raquel Varela começou por referir que parte da sua família materna é de Fanhais (Nazaré). Aproveitou também para dar a conhecer que o comboio desde o Valado de Frades até Lisboa demora quatro horas! E revelou que o seu pai sempre que o apanha “aproveita para almoçar aqui nas Caldas pois leva tanto tempo que dá para fazer tudo!”. A convidada pergunta-se como é que é possível que não haja nesta zona litoral – entre Lisboa e a Figueira da Foz – um transporte ferroviário que permita a ligação entre as localidades, como se constata noutras regiões europeias.
Os professores “são a maior classe de intelectuais do país”, disse a historiadora acrescentando que são cerca de 140 mil e são também os maiores compradores de livros em Portugal. Raquel Varela agradeceu publicamente a Vasco Trancoso, “um dos médicos que construiu o SNS”, dado que foram aqueles profissionais que, nas assembleias de hospitais “impuseram a abertura dos serviços de urgência”, assim como também a nacionalização das Misericórdias. “Tenho a honra de estar junto a duas pessoas (Isabel Xavier e Vasco Trancoso) que são parte do 25 de Abril”, isto é, “que fazem parte do melhor que nós tivemos na segunda metade do século XX em Portugal”. Referia-se ao Estado Social e ao direito ao trabalho. Para a investigadora estas são áreas “que estão em decadência profunda desde as décadas de 80 e 90”.
Sobre a Revolução dos Cravos, Raquel Varela afirmou que ficou por explicar como foi possível, no país mais atrasado de toda a Europa, com mais de 30% de analfabetos e com mais de um milhão de pessoas recrutadas para a Guerra Colonial – “fazer a Revolução mais feliz, alegre, transformadora e radical de toda a Europa do pós-Guerra”.
Segundo a convidada foi mesmo surpreendente “mais de três milhões de pessoas, muitos sem saber ler nem escrever, se envolverem na Revolução e na política, criando uma esfera pública”.
Raquel Varela partilhou também várias histórias de operários que tomaram em mãos ampliações de escolas, construções de creches e até melhorias relativas à segurança rodoviária. A autora, que reconhece que não há neutralidade em História, explicou que nesta “Breve História de Portugal”, a História “é vista a partir de baixo” e o trabalho “é o tema central para todas as classes sociais”.
Raquela Varela defende nesta obra que um salário adequado, para um casal com um filho em Portugal seria de 2400 euros.
O salário mínimo para a investigadora “é uma intervençaõ do Estado na Economia para garantir salários baixos”. E recordou que o salário mínimo quando foi criado, em 1974, incluía no cálculo tabaco e idas ao cinema. Isto é “havia o direito à Cultura e também contemplava o direito ao vício”.
Para a convidada, ninguém consegue viver com o salário mínimo. A maioria das pessoas “é obrigada a fazer horas extra, tem apoios sociais ou rendas subsidiadas”, acrescentou. Além do mais, considera que há uma grande desigualdade social no país e considera que “não é suficiente votar de quatro em quatro anos”.
Na sua opinião é preciso que as pessoas se envolvam na vida política defende o regresso a uma democracia participativa. Para a autora, “os 19 meses da revolução de Abril dão-nos ótimas pistas do que é preciso fazer. É preciso voltar a olhar para o que fizeram as pessoas na Revolução de Abril e que trouxeram o país da Idade Média para o Século XXI. Foi isso que aconteceu”, rematou Raquel Varela. ■