Os dias passam e a prestação de João Almeida no Giro d’Italia deixa cada vez mais orgulhoso o concelho, a região e o país. A caminho do final, o ciclista demonstra uma força inabalável para manter a camisola rosa e obter uma vitória histórica
A forma como João Almeida está a viver este Giro d’Italia 2020, aquela que é a sua prova de estreia nas grandes voltas, tem sido absolutamente formidável. Na terça-feira, dia de fecho desta edição, o jovem caldense da Deceuninck-Quick-Step deu mais uma demonstração do seu real valor, mas também da sua ousadia e ambição em agarrar-se à mítica camisola rosa, com unhas e dentes, até ao último metro da prova.
Em mais uma tirada de dificuldade elevada que passou de forma confortável no pelotão, João Almeida chegou ao último quilómetro e, tirando partido da sua enorme aptidão para disputar provas clássicas, mas também do conhecimento que tem das estradas italianas, por experiência ou pelo estudo que faz da corrida, lançou um ataque que apanhou desprevenidos e sem capacidade de resposta os seus principais adversários.
O ataque permitiu-lhe ganhar dois segundos a Wilco Kelderman (Sunweb), o 2.º classificado e principal adversário de João Almeida. Pode parecer pouco, mas tem sido esta postura de amealhar todos os segundos possíveis, seja em ataques de final de etapa, seja ao integrar os sprints, que têm dado uma ajuda ao prodigioso ciclista de A-dos-Francos na manutenção da liderança da prova italiana.
“Tem sido uma loucura (…) estou confiante e pronto para o pior. Tudo pode acontecer”
João Almeida
Esta prestação na etapa de terça-feira é ainda mais impressionante e, ao mesmo tempo, demonstrativa da qualidade e ambição de João Almeida depois de, no domingo, ter perdido 35 segundos para o holandês da Sunweb.
No final da etapa, João Almeida surgiu na habitual entrevista rápida bem-disposto e confiante. “Senti-me bem, às vezes a melhor defesa é o ataque e foi o que fiz”, afirmou após ter sido questionado em relação ao ataque final lançado a Kelderman. “Sentia-me bem, tentei e correu bem”, acrescentou.
O jornalista italiano perguntou a João Almeida se este era, cada vez mais, um jogo mental e João Almeida não escondeu que aquele ataque também serviu para entrar na mente e perceber as pernas de Wilco Kelderman. “Acho que tem sido um jogo cada vez mais mental, às vezes a mente é mais importante que as pernas”, considerou.
Já à pergunta se o resultado de terça-feira servia para recuperar a confiança após a perda de tempo de domingo, João Almeida foi categórico. “Não posso ganhar mais confiança do que isto, tem sido uma loucura para mim, tem sido muito bom. Estou muito agradecido à equipa e ao staff e vamos ver até onde posso ir”, afirmou.
E com a meta cada vez mais à vista, João Almeida manteve o discurso ponderado com que tem pautado todo o Giro. “Estou confiante e ao mesmo tempo pronto para o pior, porque tudo pode acontecer”, atirou.
Um jovem “inexperiente” com a maturidade de um campeão
O que João Almeida tem feito no Giro D’Italia é a todos os títulos notável, nos mais variados diversos campos.
Aos 22 anos, no seu primeiro ano como profissional, está a ter a estreia de sonho numa grande competição.
Se hoje, quinta-feira, continuar – como todos desejamos – de camisola rosa, são 15 dias completos e consecutivos. Em Portugal, nunca ninguém liderou tanto tempo uma grande prova, o que faz João Almeida colocar-se à frente, neste particular, com os maiores nomes do ciclismo nacional, como Joaquim Agostinho e Acácio da Silva, os únicos que vestiram camisolas de líder nas grandes voltas.
Há quem não fique indiferente às iniciais do seu nome (JA), as mesma de Joaquim Agostinho e José Azevedo, talvez os que mais se notabilizaram, antes do caldense, em provas internacionais.
Também há comparações com grandes nomes do ciclismo internacional. Ao 13º dia de rosa, João Almeida tornou-se no terceiro corredor da atualidade com mais dias de rosa na Volta a Itália e apenas Vincenzo Nibali e Tom Dumoulin fizeram melhor. Já antes, também se tinha tornado um dos cinco Sub-23 que estiveram 12 dias no primeiro lugar, depois de Luigi Marchisio (1930), Gino Bartali (por duas vezes, em 1936 e 1937), Eddy Merckx (1968) e Giuseppe Saronni (1979). Todos estes ganharam no final, o que pode ser um excelente indício.
Mas nem só pelos resultados na estrada o ciclista caldense tem impressionado. O comportamento em estrada, em aspetos como a importante colocação no pelotão, mas também ao nível do discurso antes e após cada etapa, João Almeida se tem revelado um ciclista com muito mais maturidade do que os seus 22 anos podem indicar, e um verdadeiro chefe de fila.
Exemplo disso é a forma como tem mencionado o trabalho de toda a equipa e como isso tem contribuído para o manter focado na ambição de chegar a Milão com a camisola rosa, mesmo depois de ter ficado sozinho na etapa de domingo na subida final contra os dois ciclistas que são os seus principais adversários à vitória final.
Mesmo que, por algum infeliz acaso, João Almeida não chegue a Milão no domingo em posição de ganhar o Giro, já mostrou que é feito da mesma fibra dos grandes campeões e esta foi, certamente, apenas a primeira das grandes alegrias que vai dar aos portugueses.
O que ainda falta
Pinzolo – Laghi di Cancano
Etapa 18 Quinta-feira, 22 outubro. Uma etapa de alta montanha de 207 km coma parte final marcada por uma contagem de montanha e categoria especial e final com um prémio de montanha de primeira categoria
Morbegno – Asti
Etapa 19 sexta-feira, 23 outubro. São 253 km a rolar, no que será o último dia de alguma tranquilidade antes das duas etapas finais, essas sim decisivas
Alba – Sestriere
Etapa 20 sábado, 24 outubro. Uma das etapas mais duras do Giro com quatro contagens de montanha, uma de segunda categoria e três de primeira, a última das quais a coincidir com a chegada
Cernusco sul Naviglio – Milano
Etapa 21 domingo, 25 outubro. O último dia não é só de consagração, a chegada a Milão será com um contrarrelógio individual de 16 kms, que poderá ser a última oportunidade para ganhar algum tempo na geral