Cadavalenses não registam grandes alterações ao quotidiano, apesar de fazerem parte dos 121 concelhos do país onde as regras foram apertadas. Presidente da Câmara diz que restauração é a principal vítima das medidas do Governo
O quotidiano de Luís Leal mudou muito pouco desde que ficou a saber que no Cadaval, um dos 121 concelhos do país que apresentam maior risco de contágio e que está sujeito a medidas mais apertadas devido ao estado de emergência, é proibido circular entre as 23h00 e as 5h00 em dias de semana e a partir das 13h00 aos sábados e domingos.
“Deito-me com o sol, por isso não há problema, não ando na rua a essas horas”, assevera este cadavalense, de 76 anos, que todas as manhãs se desloca ao Mercado Municipal para pôr a conversa em dia com os amigos, embora cumprindo a distância de segurança e utilizando a máscara.
O antigo agricultor assume estar “preocupado” com o que se passa. Mas preocupado, mas quanto baste. “Se calhar esta coisa não se vai embora tão depressa, mas parar é morrer”, assume Luís Leal, que comenta com o amigo, António Fialho, que “os mais prejudicados com estas medidas são os restaurantes e os cafés”.
Para o colega de cadeira de café, o cenário é o mesmo. “Se a economia parar, haverá muita fome, sobretudo nas cidades. Nós aqui, na ‘parvalheira’, temos sempre o que comer, mas nas cidades não é bem assim. Espero estar enganado, mas avizinham-se tempos difíceis”, diz este homem, de 73 anos, que “felizmente” ainda não teve ninguém infetado com a covid-19.
“Sei que há pessoas que estão infetados e também sei que há muita gente que não respeita as regras e, por isso, é que as coisas acabam por descambar”, considera António Fialho, que não compreende algumas das medidas do Governo, embora reconheça que “era preciso fazer alguma coisa”.
“Alguém me explica por que raio é que as pessoas não podem circular à tarde no fim de semana. O que é que isso vai resolver?”, questiona o munícipe, comodamente instalado na “esplanada” da Tendinha da Praça, enquanto vê o dia passar.
Autarca considera que limitação de circulação não coloca em causa a economia local, com exceção dos restaurantes, bares e cafés
Numa das lojas do Mercado, a azáfama faz, literalmente, parte do passado. João Soares Pedro vende fruta “há mais de trinta anos” naquela praça, depois de ter perdido o emprego numa fábrica em Sacavém que abriu falência, mas a falta de clientes faz-se sentir como nunca. Natural da Sobrena, decidiu voltar à terra e tem ocupado os dias na loja. Mas o negócio “está muito fraco”.
“As pessoas querem comprar, mas não têm dinheiro e a gente tem de ir andado conforme Deus quiser”, explica o comerciante, para quem a crise “é geral.”
“Isto é assim em todo o lado, não é só no nosso concelho. Fui há dias à Praça da Fruta, às Caldas da Rainha, para comprar fruta para vender e lá as pessoas também dizem que o movimento está muito fraco”, assegura.
Por fazer parte do grupo de risco, João Soares Pedro tem “o máximo de cuidados”, mas lamenta que outros cidadãos “não façam o mesmo”. “Ainda há pessoas que não cumprem as regras e até dizem que isto da covid não é nada e que vai passar”, lamenta este cadavalense, de 85 anos, que não pretende parar de trabalhar.
Presidente questiona
A cumprir o segundo mandato à frente da Câmara do Cadaval, José Bernardo Nunes (PSD) assume ter “alguma dificuldade” em compreender a decisão do Governo de não estender as medidas restritivas a todo o território.
“Sabemos que a economia não pode parar, mas, concordando que, em face do contexto epidemiológico, era necessário intervir, não se percebe que estas medidas não sejam adotadas em todos os concelhos do país”, justifica o autarca, dando um exemplo.
“Pelo que sabemos, está excecionado o regresso a casa a partir das 23h00. Assim sendo, pergunto: se estiver no Bombarral à meia-noite posso vir para casa no Cadaval?”, questiona o chefe do executivo municipal, frisando que estas brechas da lei podem “proporcionar movimentos pendulares entre concelhos que não são benéficos para ninguém”.
“O facto de termos regras independentes para os municípios origina estas questões e quem quer prevaricar arranja sempre forma de o fazer”, sustenta o autarca.
Para o presidente da Câmara do Cadaval, a economia do concelho não deverá ser substancialmente afetada, salvo algumas exceções.
“O setor que sofrerá problemas é, essencialmente, a restauração, bares e cafés, pela limitação de trabalhar ao fim de semana. Não creio que estas limitações venham afetar a generalidade das atividades económicas no Cadaval, dado que às horas em que há recolhimento obrigatório já muito poucas pessoas circulavam nas ruas”, advoga o autarca.
Considerando “muito discutíveis” as medidas, José Bernardo Nunes defende que é necessário corrigir as regras, sob pena de “prejudicar gravemente o comércio tradicional em detrimento das grandes superfícies”. “Espero que o Governo tome medidas no sentido de atenuar os prejuízos que têm sido causados aos restaurantes”, frisa o autarca, dando como exemplo uma queixa que ouviu de um empresário local da restauração: “A pessoa disse-me, com alguma piada, que precisava definir quais os móveis que iria vender, porque o restaurante dele fechava aos fins de semana e o restaurante do IKEA estaria aberto”. Sinal dos tempos.
Mais municípios afetados
Além do Cadaval, há mais três municípios do Oeste que têm de cumprir regras mais apertadas por causa da pandemia. Tratam-se dos municípios de Alenquer, Arruda dos Vinhos e Sobral de Monte Agraço, que, tal como o Cadaval, pertencem ao distrito de Lisboa.
Não pertencente ao Oeste, mas bastante próximo das Caldsa da Rainha e também na lista está o concelho de Rio Maior, no distrito de Santarém.
A proibição de circulação na via pública entre as 23h00 e as 05h00 em dias de semana e a partir das 13h00 aos sábados e domingos é uma das medidas mais polémicas do pacote anunciado pelo Governo na semana passada.