Alvorninha (Caldas da Rainha), Arnóia (Óbidos), Sobrena (Cadaval) e S. Domingos (Peniche). São estas as quatro barragens do Oeste, construídas nos últimos 20 anos e que custaram 25 milhões de euros. Mas só a de S. Domingos está a funcionar. As outras estão incompletas ou com problemas técnicos e a da Sobrena, que nunca serviu para nada, é um exemplo crasso de incompetência e desperdício de dinheiros públicos.
SOBRENA (CADAVAL)
Aldeia da Sobrena, no concelho do Cadaval.
Chega-se à barragem por um caminho rural em mau estado. Nem parece que por ali já passaram em tempos camiões de grande porte, quando estavam no auge as obras da futura infraestrutura que iria irrigar 100 hectares de terrenos agrícolas e beneficiar 120 agricultores.
Um caminho destes só pode descambar mesmo num sítio de nenhures, no meio de uns eucaliptais, onde supostamente deveria estar uma barragem em actividade. Mas o paredão mal se avista, pouco sobressai na paisagem e, no lugar da albufeira, está apenas uma extensa charca.
O ambiente é desolador. Os equipamentos contíguos estão abandonados e deteriorados. As silvas invadiram os edifícios de apoio e no seu conjunto a barragem da Sobrena parece quase uma extensa ruína.
As obras, adjudicadas pela Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste, tiveram início na década de noventa do século passado e foram terminadas em 1997, mas a barragem nunca encheu. Os agricultores que dela esperavam a água em quantidade suficiente para regar durante todo o ano os seus pomares de pêra rocha, acabaram por fazer furos nos seus terrenos para esse efeito. Hoje, quando se fala no assunto, toda a gente encolhe os ombros de forma resignada pois já não acredita que a barragem venha a servir para alguma coisa.
Mas o que aconteceu afinal?
Essa é a pergunta a que ninguém sabe responder e, se resposta existir, haveria que percorrer os labirínticos corredores dos múltiplos departamentos do Ministério da Agricultura (muitos dos quais mudaram de nome várias vezes nos últimos anos) para a encontrar.
O que se sabe é que a barragem da Sobrena nunca encheu porque a avaliação técnica realizada após a sua construção concluiu que não tinha condições para reter a água. Mais: a dita barragem, pelos vistos, nunca deveria ter sido construída naquele local.
Há também quem diga que o problema está nos eucaliptos em redor da bacia hidrográfica que bebem toda a água que ali é retida. A expressão técnica é que a “barragem está afogada”, logo não enche.
Esta teoria encontrou eco num governante da República. Em 2006, à margem de uma visita à Feira da Pêra Rocha, no Cadaval, o então secretário de Estado da Agricultura, Luís Vieira, justificava o défice de água da barragem pela “acção hidrológica do coberto da bacia, constituída pelo povoamento de eucaliptos” que ali existem há mais de 40 anos.
O secretário de Estado afirmava ainda que o problema estava a ser investigado pelos serviços de inspecção do Ministério da Agricultura a fim de se apurarem responsabilidades.
Tudo indica que a empresa do projecto e a construtora não verificou adequadamente as condições geológicas do solo. A bacia tem um fundo aluído, não compactado, por onde se escoa a água para os lençóis freáticos. Ou então é sugada pelos terríveis eucaliptos.
O que também se escoou foram os dois milhões de euros, grande parte dos quais provenientes de fundos comunitários, investidos na Sobrena.
Existe um processos judicial em curso, colocado pelo Estado português. Mas dada a complexidade do assunto, a habitual lentidão da Justiça e a habilidade de muito causídicos em meter recursos, é pouco provável que esta via venha a dar alguns resultados. E menos provável ainda que os agricultores do Cadaval venham a ter aquele equipamento operacional para beneficiarem do tal prometido regadio de 100 hectares de terreno.
ALVORNINHA
(CALDAS DA RAINHA)
Alvorninha viveu um dia de festa em 22 de Ja
neiro de 2005 quando o então primeiro ministro, Pedro Santana Lopes, inaugurou a barragem daquela freguesia, após um investimento de 6,5 milhões de euros. A obra foi benzida pelo cardeal patriarca, D. José Policarpo, ele próprio um freguês de Alvorninha (nasceu no Pego), mas os desígnios do Senhor são, pelo menos neste caso, insondáveis porque o benefício tarda em chegar.
É que esta barragem também ainda não cumpriu cabalmente as funções para que foi construída. Deveria armazenar 711 mil metros cúbicos de água e inundar uma área de 11 hectares em terrenos das freguesias de Alvorninha, Salir de Matos e Vidais.
Mas uma visita numa tarde domingueira de Novembro permitiu constatar que está quase vazia, salvando-se, no entanto, um pequeno lago em cuja margem pescadores de fim-de-semana se entretêm a lançar o isco.
Esta é outra barragem que não está a ser aproveitada e sobre a qual recaem suspeitas sobre a sua capacidade de retenção de água. Em 2008, o então director regional da Agricultura e Pescas de Lisboa e Vale do Tejo, José Canha, dizia que logo no ano da sua inauguração, em 2005, a barragem enchera demasiado rapidamente, o que prejudicara o período de observação porque o ideal seria que tivesse enchido pouco a pouco.
Em 2007 o mesmo responsável tinha afirmado à Gazeta das Caldas que nesse ano agrícola a barragem iria entrar em funcionamento, o que acabou por não acontecer.
Um ano depois José Canha juntava novas justificações. Dizia que os agricultores não tinham aderido em número suficiente ao sistema de rega e que era necessário que estes fizessem alguns investimentos para melhor aproveitarem os benefícios da barragem, ou seja, as redes de rega particulares e os emparcelamentos ainda não estariam concluídos.
Virgílio Leal, presidente da Junta de Freguesia de Alvorninha, diz que desde o início que o Inag (Instituto da Água) e o LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) suspeitavam de eventuais fissuras no fundo da barragem que deixam passar a água por debaixo do paredão.
Para se poder fazer testes, teve de se esvaziar a albufeira. “Mas já que tinha de ser descarregada, acordámos que a água fosse aproveitada para rega e no Verão de 2011, quem quis, já aproveitou para regar os pomares”, conta o autarca.
Especialistas em barragens estiveram no Inverno passado no local para efectuar testes e confirmaram a existência de um problema que, contudo, não deverá inviabilizar o funcionamento da barragem. “Há uma ligeira fissura, mas não é grave e estamos desde Fevereiro à espera de saber se vão ou não injectar cimento no local”, conta Virgílio Leal, que não entende os motivos de tanta demora.
“A própria Direcção Regional de Agricultura [dona da obra] está de mãos atadas e não pode fazer nada enquanto os técnicos não autorizarem”, lamenta-se. E desabafa: “O que é certo é que até esta altura nem água vai nem água vem”.
Mas já que há um deputado caldense na Assembleia da República, que ainda por cima está ligado ao sector primário, é de um dos partidos do governo de coligação, e ainda por cima do mesmo que tem a pasta da Agricultura, Virgílio Leal já falou com Manuel Isaac que, por sua vez, já falou com Assunção Cristas. O autarca aguarda agora, pacientemente, que haja resultados.
Até lá o resultado é que uma parte importante da barragem está desaproveitada. Trata-se das duas estações de bombagem, duas estações de filtragem, um sistema de rega com condutas enterradas numa extensão de 17 quilómetros, 84 tomadas de rega e 151 bocas de rega. O investimento na barragem de Alvorninha foi, recorde-se, de 6,5 milhões de euros.
Para aumentar a má sina da barragem de Alvorninha não falta também aqui uma dose de vandalismo. Em 2012, por quatro vezes, alguém abriu as comportas e a esvaziou. As autoridades não têm nenhuma pista sobre quem cometeu este crime que, entre outras consequências, se traduziu na morte de milhares de peixes.
Rego Filipe, presidente da associação de regantes, corrobora a versão de Virgílio Leal. Diz que a barragem já esteve a 70% da sua capacidade, mas que o Ministério da Agricultura não a deixa encher completamente.
Por esse motivo, a capacidade desta barragem está limitada a 40% ou 50% da sua capacidade máxima o que, no entanto, segundo Rego Filipe, já permite que esta cumpra a sua função de rega.
O ideal, no entanto, seria que pudesse armazenar os mais de 700 mil metros cúbicos de água para o qual foi construída. Nessas circunstâncias, diz o presidente da associação de regantes, poderia até haver um ano de grande seca, que Alvorninha e as freguesias em redor teriam garantida água em quantidade para os seus terrenos agrícolas.
ARNÓIA (ÓBIDOS)
Em 2005 o então ministro da Agricultura, Jai
me Silva, inaugurou uma obra inacabada. É conhecida a apetência dos políticos por inaugurações e neste caso o empreendimento era irresistível. Tratava-se simplesmente da maior barragem da região Oeste, a do Arnóia, em Óbidos. Quase sete milhões de euros de investimento, um paredão de dezenas de metros de altura e uma bacia hidrográfica de vários quilómetros, ramificada pelas freguesias de A-dos-Negros e Gaeiras.
Havia pois obra para encher o olho. Mas faltava o resto. E o resto é o sistema de rega sem o qual a barragem não poderia cumprir o objectivo para o qual fora feita – regar 1300 hectares das baixas de Óbidos e da Amoreira, beneficiando mais de mil agricultores.
É claro que esta parte da obra não é tão visível, mas é absolutamente necessária para que a barragem do Arnóia se possa considerar terminada. Enquanto isso, a sua utilidade é relativa, embora já tenha tido uma função importante na regularização do leito do rio, evitando inundações em invernos de muita chuva.
É ainda usada para injectar água no caudal do rio durante o verão para permitir níveis mínimos destinados à rega dos terrenos contíguos às suas margens. E serve de local de recreio e lazer, tendo-se já nela realizado algumas actividades náuticas com windsurf e canoagem.
No período de vacas gordas e de grande expansão imobiliária chegou também a anunciar-se um mega projecto turístico – o Shopping Center Plaza Oeste, no valor de 50 milhões de euros. Era para ter sido iniciado em 2007 e concluído em 2010, e teria uma área de construção de 83 mil metros quadrados, dos quais 20 mil destinados a um “retail park” e 63 mil a um centro comercial.
Um empreendimento que só por si já justificava a existência da barragem e quase dispensava a existência do sistema de rega.
Mas nem turismo nem rega. Se há coisas em que a crise teve algumas vantagens foi em colocar ordem o sector dos patos bravos pois a bolha imobiliária rebentou e há casas a mais no país. Já quanto à rega, as coisas não estão bem encaminhadas. Na sequencia da crise, os serviços do Ministério da Agricultura reformularam o projecto para poupar algum dinheiro e a Câmara de Óbidos já fez várias diligências e procurou envolver-se no financiamento, mas sem resultados práticos.
A barragem do Arnóia pode continuar a ostentar o título da maior do Oeste. Mas há sete anos que está, realmente, por acabar.
SÃO DOMINGOS (PENICHE)
A albufeira da barragem de S. Domingos é a
maior de propriedade municipal e também a única do Oeste que se destina ao abastecimento público de água. Esta infra-estrutura pertence à Câmara de Peniche e iniciou-se em finais de 1989, tendo sido concluída em Janeiro de 1993. Foi inaugurada em 1998 depois de gastos 7,8 milhões de euros na barragem propriamente dita mais 4,9 milhões na estação elevatória, condutas e estação de tratamento.
Em Novembro, antes das chuvas das últimas semanas, a albufeira estava a 50% da sua capacidade, mas, ao contrário das suas congéneres oestinas, já por várias vezes atingiu os 100%. Foi o caso de Janeiro e Fevereiro de 2001, Março de 2003 e quase todo o Inverno de 2011. A título de curiosidade, a percentagem mínima de enchimento ocorreu em Outubro de 2005, após um prolongado ano de seca, com apenas 16,4%.
De acordo com João Raminhos, técnico da Câmara de Peniche, a barragem está a responder ao objectivo para o qual foi construída, que é o abastecimento da rede pública de água ao concelho. Um problema que durou praticamente todo o séc. XX dadas as dificuldades de fornecer água potável à península de Peniche, sobretudo nos meses de Verão.
Mas nem tudo são rosas. Uma parte do investimento, que depende da administração central, está ainda por fazer. Trata-se do POASD (Plano de Ordenamento da Albufeira de São Domingos), que tem por objectivo a protecção e a salvaguarda da qualidade da água. Falta construir um caminho de vigilância na margem direita da albufeira, a limpeza do seu leito e das suas margens, a colocação de vedações para evitar o acesso de gado à água, e um projecto de sensibilização dos agricultores para a implementação de boas práticas agrícolas.
Porém, o principal investimento ainda em falta é a construção da ETAR do Paço, que já deveria ter sido concluída em 2006 e que só agora está em obra, devendo entrar em funcionamento em 2013. Uma obra que é da responsabilidade da Águas do Oeste.
Gazeta das Caldas contactou o Ministério da Agricultura para obter esclarecimentos sobre estas barragens, mas não obteve resposta.
Carlos Cipriano
cc@gazetadascaldas.pt