Peniche foi a capital mundial do surf entre 19 e 25 de Outubro, com a realização da etapa do circuito mundial. A modalidade vai, porém, muito além desta competição naquele concelho, onde há uma autêntica economia do surf que começa a combater a sazonalidade habitualmente ligada ao turismo de praia. De Peniche ao Baleal não faltam negócios direccionados, de forma directa e indirecta, a este desporto que nasceu no Havai.
Nos últimos anos estima-se que a captação de investimento em Peniche ronda os 70 milhões de euros. Mas ainda há muito a fazer por este sector, nomeadamente na regulamentação da sobrelotação das praias e na actividade ilegal de operadores.
A ligação de Peniche ao surf não é de agora, mas a modalidade transformou-se num novo sector da economia local com a vinda do campeonato do mundo há sete anos atrás. Ao ponto de António José Correia, presidente da Câmara, acreditar que “há um antes e um depois de 2009”. É que desde que a etapa do circuito mundial passa pelos Supertubos, o edil estima que tenha havido “um investimento global muito próximo dos 70 milhões de euros”. Este valor ganha especial relevância se tivermos em conta que acontece em contraciclo com a economia global.
Em Peniche e no Baleal têm proliferado negócios directa ou indirectamente ligados ao surf. Além de surf camps e escolas de surf, há lojas mais ou menos técnicas, há serviços como produção e reparação de material, aluguer e venda de artigos em primeira e em segunda mão, e alojamento (guest houses, hostels, parques de campismo e alojamentos locais). Além disso, indirectamente, o surf beneficia a actividade de hotelaria e restauração, bem como da construção civil.
Hoje o surf é uma marca identitária de Peniche e há vários estabelecimentos que o usam como imagem de marca. Fotografias de surfistas e do mar, nomes e frases alusivas são alguns exemplos de como a economia gira em torno desta actividade.
Mas há outros: o MH Hotel, que custou 10 milhões de euros, é um desses casos, porque tem uma sala onde se pode fazer surf… virtualmente.
A própria Rip Curl, promotora da etapa portuguesa do campeonato do mundo, apostou em Peniche para basear a sua actividade em Portugal, com uma mega loja que custou cerca de dois milhões de euros. Há ainda planos para remodelar o Hotel Soleil Peniche e para criar um hostel no centro da cidade, numa reabilitação de um edifício antigo.
Portugal é hoje o segundo país do mundo mais procurado pelos praticantes e turistas do surf, a seguir à Austrália, mas com uma grande vantagem: é possível encontrar uma grande variedade de tipos de onda surfável numa curta distância, enquanto na Austrália é preciso atravessar o país.
O relevo do surf no turismo mede-se com algumas estatísticas interessantes. Portugal tem um share de 38% do turismo do surf na Europa, segundo o Turismo de Portugal. Por outro lado, se tivermos em conta os temas mais pesquisados em relação ao destino Portugal, o surf só é batido pelas praias e pela gastronomia. A modalidade tem ainda atraído novos mercados, como são os casos de Brasil, Estados Unidos e Austrália.
Sem uma ligação directa ao surf, a indústria conserveira também tem beneficiado da visibilidade que o concelho tem tido, até porque o presidente da autarquia faz questão de a publicitar amplamente nos eventos ligados ao Meo Rip Curl Pro Portugal. Está prevista a criação de uma maternidade de ostras, depois de este ano ter aberto uma fábrica dos norte-americanos South Atlantic Capital SA, num investimento de 7 milhões de euros.
EXPLOSÃO DE OPERADORES
Bruno Bairros, proprietário do Bar do Bruno, abriu a primeira escola de surf no Baleal em 1993. Diz que o negócio ligado ao surf tem tido “um crescimento exponencial” a partir de 2009. Um crescimento que o empresário acredita que não é esporádico. “É para ficar”, diz.
Bruno Bairros afirma que este é um tipo de turismo que “combate a sazonalidade”. Apesar de ter um pico no Verão e até finais de Outubro, quando se disputa a prova, “este é um desporto que tem a vantagem de se praticar durante todo o ano pela geografia que tem o nosso país”.
O aumento de procura foi acompanhado de forma natural pelo aumento de oferta de serviços. “Há uma explosão de operadores”, comenta Bruno Bairros. O bolo cresceu, mas passou a ser dividido por mais operadores, o que traz vantagens e inconvenientes. Por um lado controla os preços praticados, que têm de ser “mais competitivos”, aponta. Por outro, obriga a que a qualidade dos serviços se mantenha elevada. No entanto, no caso do Bar do Bruno, “não nos tem desestabilizado”, acrescenta.
Já João Campos, responsável pelo Peniche Kite Surf Center, o primeiro a abrir em Peniche, diz que hoje tem de trabalhar muito mais para conseguir facturar o mesmo que facturava antes do boom registado a partir de 2009. “Antes vinham clientes com dinheiro, hoje muitos clientes procuram o low cost”, justifica.
Em 2006 abriu em Ferrel o Peniche Surf Camp, que é explorado por Ricardo e Leonardo Leopoldo. Nos primeiros anos o negócio registou um grande crescimento e daí para cá tem vindo a manter o volume de negócios.
Todos concordam que o sector precisa de ser regulado no que concerne à actividade ligada às experiências de surf. Os empresários revelam que existem muitos operadores a actuar de forma ilegal. São sobretudo estrangeiros que alugam apartamentos e trazem grupos de surfistas aos quais dão alojamento, comida e aulas de surf em economia paralela.
“Estes operadores estão a distorcer o mercado, utilizam os mesmos recursos que nós mas não pagam impostos, não precisam de contratar nadadores salvadores, não têm licenças, são concorrência desleal”, afirma Bruno Bairros. João Campos alerta que há fiscalização, “mas só se fiscaliza quem tem os negócios legalizados”. Fonte da Peniche Surf Camp fez notar que “são as Finanças que têm de controlar porque toda a gente sabe que há muitos destes casos e basta ver no Booking ou no OLX”.
PRÓXIMO DO LIMITE
Mas este não é o único problema. As ondas não são um recurso inesgotável, há limites para o número de surfistas que as praias suportam para uma actividade com qualidade e este limite, defendem, está a ser atingido em algumas alturas do verão.
Bruno Bairros fala da necessidade de criar regras de segurança. “O que se passa hoje é um pouco anárquico, é o “salve-se quem puder” e isso não pode continuar”, refere.
O excesso de operadores e de surfistas na praia já conduziu a conflitos “e acidentes que são maus para o negócio de todos e para a imagem da região enquanto destino”, acrescenta João Campos.
Bruno Bairros fala mesmo em situação de ruptura em algumas zonas no pico da época balnear e sugere que se controle o número de operadores.
Outra das ideias para regulamentar esta actividade é a criação de horários para as escolas, evitando a sobrelotação. E também proibir o uso de pranchas de epoxy (um material especialmente duro) nas escolas porque estas podem magoar os outros surfistas.
PODE SER CRIADO MAIS EMPREGO LOCAL
O que também pode ser melhorado, acreditam estes empresários, é a criação de emprego a nível local. O surf está a criar emprego, mas muitos dos formadores e instrutores são estrangeiros.
Estes postos de trabalho poderiam estar a beneficiar os locais, mas não estão por falta de cursos e, novamente, de regulamentação. Existem cursos de treinador da Federação Portuguesa de Surf, “mas uma coisa é dar um treino, outra coisa é proporcionar uma experiência de surf”, distingue Bruno Bairros. É necessário, por isso, formar instrutores moldados ao tipo de turistas que procuram a região. Estes cursos também existem, mas “estão estagnados há 10 anos” a nível nacional e os cursos da International Surf Association “não são válidos cá”, acrescenta.
João Campos diz que também se devia apostar em mais cursos de formação para nadadores salvadores e para assistentes de praia para acompanhar os surfistas com fluência na língua inglesa.
Outra questão que Bruno Bairros coloca é o ordenamento da orla costeira, que não está a prever que o surf é um desporto que pode ser praticado todo o ano e não apenas no verão.
“O próximo plano de ordenamento da orla costeira entre Alcobaça e o Cabo Espichel está a desprezar o surf”, acusa. O que está em causa, explica, é a obrigatoriedade de a época balnear ter de acabar em Setembro quando deveria prolongar-se durante todo o ano. O empresário diz que os apoios de praia têm que se manter para além do Verão para apoiarem a prática desportiva e até sugere a criação de estâncias de surf, como existem as estâncias de ski nos destinos de neve.
Uma marca de pranchas penichense
Em Peniche há uma marca de pranchas de surf que nasceu em 1986 na região. Chama-se Koala e começou com uma fábrica na Vermelha (Cadaval). Além de criarem pranchas de todo o tipo, também fazem reparações.
A empresa nasceu pela mão do shaper (quem faz as pranchas) Luís Gomes, em 1986. Daí para cá já teve lojas em Santarém e Cortegaça, mas em 2015 decidiu abrir o espaço em Peniche e fechar as restantes lojas.
“É aqui que está o futuro, não faz sentido ter lojas no interior quando, infelizmente, tudo se passa no litoral”, explicou o gerente Daniel Pombo, esclarecendo que “tal como nas outras actividades em Portugal, o surf é uma indústria que cada vez mais se sustenta com base no turismo”. Isto porque entre 25 a 30% da produção da Koala vai para o estrangeiro, ainda que na maioria dos casos não sejam os próprios a exportá-la. Maioritariamente os clientes vêm a Peniche comprar a prancha e experimentá-la.
De ano para ano, Daniel Pombo nota a mesma afluência ou maior, mas ainda assim, referiu que “o mercado português está inundado de marcas”, pelo que é “um mercado difícil”. E se admite o aumento de estrangeiros a procurar material em Peniche, com isso não quer dizer que trabalhem mais agora. Pelo contrário. “Há muita concorrência com fábricas e com pranchas estrangeiras no mercado, pelo que produzimos menos hoje que há 20 anos”, afiançou.
No caso das grandes marcas, os preços não são mais baixos porque industrializaram processos, mas sim porque deslocalizaram as fábricas para países do Oriente, onde a mão de obra é mais barata. “Conseguem vender uma prancha acabada pelo valor a que nós compramos um bloco de material para criar uma prancha”, fez notar.
Neste caso, não sentem problemas com a sazonalidade. Aliás, até lhes é benéfica. Isto porque o Inverno é a altura de criar stock. É que, no mínimo, demoram duas semanas a fazer uma prancha (em média são entre três e quatro semanas). Na Koala trabalham três funcionários, mas recorrem a vários outros técnicos para serviços.
Em termos de lojas, uma das mais antigas (senão a mais antiga) é a 58, uma loja de artigos e serviços ligados ao surf que existe no Baleal há 15 anos e que actualmente pertence ao grupo Despomar detentor da Ericeira Surf & Skate Shop, da Taken e da Billabong).
O seu mentor é Ivo Nisa, que tem visto tanto a empresa, como a concorrência, crescer todos os anos. “Este ano, pelo clima e porque o Campeonato Europeu de Futebol se realizou no Verão, talvez seja um ano mais fraco”, explicou a gerente, que fez notar uma grande afluência de turistas israelitas a Portugal este ano. I.V.
Falta começarem a pagar impostos… a maior parte dos elementos associados a este negocio, não paga nada.
falta pagar os impostos…