No primeiro semestre de 2018 a CP suprimiu 949 comboios na linha do Oeste (uma média de cinco por dia), mas o órgão regulador – a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes – diz que não pode sancionar a empresa porque não existe um contrato de serviço público entre esta e o Estado. Em última instância, a CP poderá fazer um comboio por dia no Oeste que, do ponto de vista legal, nada estará errado. Por isso, a AMT limita-se a recomendar à CP que faça um plano de comunicação para avisar as pessoas sobre os atrasos e supressões e que disponibilize um número de telefone gratuito para os clientes.
A Autoridade da Mobilidade dos Transportes (AMT) realizou uma fiscalização à CP que teve como objectivo “apurar a situação da prestação de serviço de transporte de passageiros no decurso de 2018, em especial no que respeita ao não cumprimento dos horários, à supressão de serviços sem aviso prévio e não cumprimento dos deveres de informação aos passageiros”.
Do relatório agora publicado, o mínimo que se pode dizer é que não é com documentos destes que a AMT ganha dignidade, credibilidade e reconhecimento no meio ferroviário. O estudo incidiu sobre as linhas do Norte, Cascais, Sintra, Algarve e Oeste e é sobretudo nesta última que se detectam erros crassos da AMT quando esta obtém informações da CP sobre o mau serviço prestado (supressões e atrasos).
O relatório diz que na linha do Oeste ainda circulam automotoras Allan (as última foram retiradas em 2017), confunde a linha do Oeste com a linha do Leste e tem “pérolas” como esta: “actualmente, nesta linha, não se atinge a velocidade máxima possível, pois o diesel é um diesel mecânico, em que a passagem da velocidade da 1ª para a 2ª é feita aos 70 km, e o comboio nunca consegue passar para a 2ª velocidade, até pelo próprio perfil da via”. Uma frase que é uma anedota, que não corresponde minimamente à realidade.
Para perceber o que se passa nas linhas estudadas, a AMT foi analisar as reclamações dos passageiros à CP. A linha do Oeste é a que tem menos gente a queixar-se em 2018: apenas 97 reclamações, contra 336 no Algarve e 1778 na linha do Norte. O que não surpreende: a linha do Oeste é, das cinco estudadas, a que tem menos passageiros. Arrisca-se, aliás, a ficar sem passageiros se continuar a política da CP de os desrespeitar através de um reiterado incumprimento do serviço que devia prestar.
Um outro indicador estudado foi o número de supressões. E neste caso o Oeste foi campeão: 949 comboios suprimidos em 2018, à frente das 564 do Algarve e 31 no serviço de longo curso da linha do Norte. As linhas de Sintra e Cascais tiveram, respectivamente, 1378 e 679 supressões, mas não são comparáveis com o Oeste por se tratarem de linhas suburbanas com vários comboios por hora.
AS ASNEIRAS DA AMT E AS DESCULPAS DA CP
Confrontada com estes factos, a CP respondeu à AMT que o material circulante era velho e avariava frequentemente e que não tinha recursos humanos, faltando-lhe pessoal nas oficinas da EMEF, mas também maquinistas, revisores e funcionários nas estações. Disse ainda que gastava 15 milhões de euros por ano em horas extraordinárias, que poderiam ser evitadas se estivesse autorizada a contratar pessoal.
A CP diz também que muitos atrasos são da responsabilidade da Infraestruturas de Portugal (antiga Refer), sobretudo no que tem a ver com o mau estado das vias férreas, as obras na via que obrigam a afrouxamentos e à “inexistência de um alinhamento mais consistente da CP com os investimentos da IP, não obstante a demonstração à IP dessa necessidade por parte da CP”. Aliás, a própria IP assume que é responsável por 20% a 36% dos atrasos dos comboios em Portugal, conforme se pode ler no relatório.
No caso do Oeste, o documento evidencia uma grande confusão nas desculpas dadas pela CP para o mau serviço prestado nesta linha: “existem muitas zonas não electrificadas, o que não permite a utilização coerente da infraestrutura, quer em modo eléctrico quer em modo diesel, já que a empresa não tem material que tenha a dupla caraterística, isto é, que faça circulação em modo diesel e em modo eléctrico. Tal significa, portanto, que se torna necessário utilizar duas séries, o que aumenta exponencialmente o custo de exploração, pois são precisas 2 frotas, 2 tripulações, para além da eficiência energética que também é prejudicada”.
Esta frase é um perfeito disparate, dado que na linha do Oeste, desde o fim da tracção a vapor nos anos 60, toda a exploração tem sido feita com material diesel. Tal não impediu que nos anos 80 do século passado houvesse bons horários com comboios de longo curso a servirem as principais localidades com tempos de trajecto bastante mais rápidos do que actualmente.
No entanto a CP “engana” os incautos auditores da AMT e diz que “não é assim possível realizar tempos de trajecto que justifiquem o uso da ferrovia, tendo-se optado por um modelo de mobilidade de proximidade”. Ou seja: comboios a parar em todas as estações e apeadeiros, a demorarem quase três horas entre Caldas e Lisboa para bem das empresas rodoviárias que agradecem a preciosa “ajuda” da CP.
Quanto à existência de duas frotas e duas tripulações no Oeste, trata-se de mais outra fantasia. Entre Lisboa, Caldas da Rainha, Leiria e Coimbra, a frota está uniformizada com automotoras a diesel e tripulações de um maquinista e um revisor. Até o mais comum dos passageiros sabe disto. Estranha-se tão falta de profissionalismo num relatório de um órgão fiscalizador, pelo que, ou a CP mentiu à AMT, ou os seus técnicos não perceberam nada do que a CP lhes disse.
“DESNECESSÁRIO” DISCUTIR A RESPONSABILIDADE
Ouvidas as explicações da CP, a AMT considera “desnecessário discutir se tais situações são da responsabilidade da CP, da Infraestruturas de Portugal, por motivos de força maior ou imputáveis a terceiros, nomeadamente ao accionista Estado, por falta de investimento no sector, com a inerente degradação do material circulante e falta de recursos humanos”. E é “desnecessário” porque, seja de quem for a culpa, o regulador não tem base legal para actuar e sancionar a CP dado que “não se encontra ainda em vigor o contrato de serviço público” entre o operador e o Estado.
Por esse motivo, a entidade que é o “polícia” das empresas de transporte diz que os atrasos e supressões de comboios não podem ser “objecto de procedimento contraordenacional por inexistir base contratual e legal para o efeito”.
À AMT resta-lhe, então, fazer “recomendações” à CP. Entre elas, a elaboração de um plano de comunicação destinado a informar os passageiros sobre as perturbações no serviço e um plano de formação para os trabalhadores da empresa no sentido de os habilitar a prestar “informações esclarecidas, correctas, precisas e adequadas aos utentes”.
A AMT quer ainda que a CP crie um número de telefone sem custos adicionais para informar os passageiros, o que deverá ser feito num prazo de 60 dias. O regulador recomenda também à transportadora pública que seja mais rápida a responder às reclamações dos clientes e insiste que os passageiros devem ser informados dos percursos rodoviários alternativos quando são os autocarros a substituir os comboios.
Um número de telefone sem custos adicionais para contactar a CP era uma das exigências da Comissão Para a Defesa da Linha do Oeste que agora parece ganhar forma com a recomendação da AMT. Os passageiros que ficam nas estações e apeadeiros à espera de comboios que não chegam, ligam para a CP e são muitas vezes confrontados com gravações que se arrastam por minutos tornando as chamadas incomportáveis.
Modernização da linha do Oeste avança mas só entre Meleças e Torres Vedras
António Costa deverá presidir ao lançamento do concurso público de uma quarta parte da linha do Oeste: o troço Meleças – Torres Vedras. Segue-se no quarto trimestre deste ano um segundo concurso público para o troço Torres Vedras – Caldas da Rainha. A metade norte deste corredor ferroviário continua adiada para as calendas, com apenas uma breve referência no PNI 2030.
A cerimónia para lançar o concurso dos 43 quilómetros de via férrea entre Meleças e Torres Vedras chegou a estar pensada para a estação de Dois Portos, na próxima semana, com a presença do primeiro-ministro, mas foi adiada por motivos de agenda de António Costa. Deverá ocorrer, contudo, antes do fim do mês.
Fonte oficial da Infraestruturas de Portugal (IP) disse à Gazeta das Caldas que a modernização entre Meleças e Caldas da Rainha foi dividida em duas empreitadas gerais com semelhante comprimento, e com duração de 24 meses (Meleças – Torres Vedras) e 22 meses (Torres Vedras – Caldas da Rainha).
“A divisão teve por principio a gestão e complexidade técnica dos trabalhos do primeiro troço, que compreendem a reabilitação e adaptação dos quatro túneis existentes nesta linha, a maioria dos trabalhos de nova via-férrea, maior número de passagens desniveladas, taludes e muros de suporte”, explicou a empresa.
Segundo a IP, prevê-se que a fase de construção tenha início no segundo semestre de 2020.
Já em Maio de 2018, a IP lançou um concurso público de 4,9 milhões de euros para suprimir as passagens de nível no troço entre Meleças e Mafra, que foi o primeiro concurso no âmbito do projeto de modernização.
Estação de S. Martinho fechada
A CP mantém a estação de S. Martinho do Porto sem venda de bilhetes durante os meses de Verão. A Comissão Para a Defesa da Linha do Oeste diz, em comunicado, que “com a estação encerrada, para além de não serem vendidos bilhetes às mais de duas centenas de passageiros que utilizam os comboios que fazem as ligações a norte e a sul de S. Martinho do Porto, estes não conseguem obter qualquer informação sobre eventuais atrasos ou supressões”.
A comissão defende que “no período da época de praia seja activada” aquela estação, mas também que “sejam reactivados os chamados comboios de Verão” que entretanto deixaram de se fazer.
O problema é que a CP não tem pessoal para abrir a bilheteira de S. Martinho do Porto nem tem automotoras para fazer os comboios de Verão.
Por parte da Infraestruturas de Portugal, esta empresa mantém a estação desguarnecida, sem pessoal seu, uma vez que não é necessário efectuar cruzamentos de comboios naquela estação.