A maioria dos empresários da fruta, vinhos e indústria contactados pela Gazeta das Caldas não está em pânico com uma eventual saída sem acordo do Reino Unido da UE, mas não esconde preocupação com o futuro das exportações para aquele país. O cenário de incerteza também não ajuda a que sejam perspectivadas medidas pois não se sabe se serão necessárias.
A saída do Reino Unido está prevista para 29 de Março, mas as dúvidas ainda são grandes em relação às condições dessa saída, tanto para os cidadãos como para as empresas que têm relações comerciais com aquele país.
O acordo conseguido pelo governo de Theresa May sofreu uma pesada derrota na Câmara dos Comuns, na passada terça-feira, o que abre vários cenários. A chefe do governo poderá voltar às negociações com a Comissão Europeia para alcançar novo acordo, mas o cenário de uma saída unilateral também está em cima da mesa.
O Reino Unido é um dos principais mercados internacionais do sector frutícola do Oeste, tanto para a Pêra Rocha, como para a Maçã de Alcobaça.
Domingos dos Santos, presidente da Associação Nacional de Produtores de Pêra Rocha (ANP) considera que ainda é muito cedo para falar sobre essas implicações que o Brexit pode ter para o sector. “Vamos estar atentos”, disse à Gazeta das Caldas, acrescentando que a informação que chega sobre a possível decisão inglesa é contraditória e, mesmo os apoios que o governo português já anunciou (ver caixa), não são concretos.
“O que temos feito é procurar sempre novos mercados e estar atentos a todas estas alterações”, disse, lembrando que há poucos anos tiveram que lidar com o embargo da Rússia aos hortofrutícolas europeus.
Na campanha de 2017/18, foram comercializadas para o Reino Unido quase 16 mil toneladas deste fruto de um total de exportações na ordem das 92 mil toneladas.
Também para a Maçã de Alcobaça o mercado britânico tem um peso importante nas exportações. A Associação de Produtores diz-se preocupada com as possíveis consequências da saída do Reino Unido da União Europeia, mas acrescenta que o desconhecimento do conteúdo dos possíveis acordos limita tomadas de decisão quanto às medidas a tomar.
POUCO IMPACTO NA CUTELARIA
Na indústria da cutelaria, o nosso jornal falou com vários empresários do sector, no âmbito de uma visita realizada a duas empresas em Santa Catarina e Benedita. A maioria não se mostra muito preocupada com a questão do Brexit, até porque não exporta para o mercado britânico. Esse é o caso da Jero, da Nicul ou da ICEL. Nuno Radamanto, presidente da direcção da ICEL, disse à Gazeta das Caldas que “o impacto do Brexit é literalmente zero” para aquela empresa.
Já no caso do Lombo do Ferreiro, que tem a Loja das Facas on-line, o Brexit até poderá ter um impacto positivo. Isto porque a empresa isenta o IVA para as vendas para fora da União Europeia. Ou seja, consoante o acordo, os clientes ingleses poderão beneficiar da isenção de IVA, comprando estes produtos mais baratos, o que poderá ser um incentivo para as vendas online para aquele país cresçam. O mercado britânico é o terceiro mais relevante para a loja.
No sector dos vinhos, Rui Soares, presidente da Adega Cooperativa da Vermelha, disse à Gazeta das Caldas que o mercado britânico não tem um peso muito relevante nas vendas. “O Brexit pode, no início, criar algumas dificuldades”, refere o dirigente, acrescentando que também poderá “trazer maiores oportunidades”.
Gazeta das Caldas contactou a Companhia Agrícola do Sanguinhal, a Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa e o grupo Parras Wines (Quinta do Gradil), mas não obteve respostas.
RELAÇÃO DE CONFIANÇA DEVE MANTER-SE
Manuela Sábio, administradora do Grupo Transwhite, acredita que nesta altura não haverá mudanças substanciais para as empresas transportadoras, pois ainda não existem decisões em definitivo.
Luísa Pereira, que lidera o departamento de logística da empresa caldense para o mercado inglês, disse que os governos inglês e francês estão a tentar um acordo para que não haja qualquer alteração aos processos de entrada e saída de mercadorias no Reino Unido até 2020. Mas mesmo que o Brexit se venha mesmo a verificar, “acreditamos que se mantenha uma relação à base de confiança, porque eles precisam de 5000 alfandegários e só têm 500”, acrescenta.
Luísa Pereira não acredita que passe a haver um controlo alfandegário apertado. “Se tivermos que parar, são pelo menos oito horas de espera, as empresas fogem de Inglaterra e os ingleses ficam sem comida, o que é algo que eles não querem”, considera. Até porque Inglaterra é um país importador no sector alimentar. De resto, a Transwhite transporta para aquele território grandes quantidades de frutícolas e hortícolas, de Portugal, Espanha e Holanda.
O que se prevê é que possa haver maior controlo em termos de documentação, mas numa base digital. A inspecção à mercadoria será excepção e não regra. “Só se desconfiarem de alguma coisa é que inspecionam, como já acontece agora”, acrescenta. Luísa Pereira nota que esta já é a forma de actuação, por exemplo, na Suíça, país que não integra a União Europeia.
Manuela Sábio diz que os serviços de transporte que a empresa faz para o Reino Unido são, na sua maioria, de clientes portugueses e espanhóis. A empresa não tem relações comerciais com entidades inglesas. “Teremos que pagar a travessia e a taxa diária para lá estar, e ter os motoristas legalizados, mas isso já é assim”, sublinha.
Já os clientes da empresa caldense, “estão tranquilos pois dizem que o que pode acontecer é terem mais trabalho em termos de documentação”, diz Luísa Pereira.
OPORTUNIDADE PARA A SCHAEFFLER Caldas?
Outra empresa com grande capacidade exportadora no Oeste é a Schaeffler, que remeteu um comentário sobre este assunto para uma comunicação feita pela sede (na Alemanha). Nessa comunicação, a empresa anuncia uma reestruturação do negócio no Reino Unido, que visa reduzir a entrada e saída de produtos daquele país, contornando assim possíveis problemas com o Brexit.
Em termos gerais, a produção da Schaeffler em Inglaterra será reduzida e redistribuída por unidades fabris localizadas noutros países, tendo até em conta que apenas 15% da produção da empresa em Inglaterra (na maioria produtos industriais e peças de reposição para o mercado automóvel) fica naquele país e a grande maioria do excedente é distribuído para a Europa continental.
No documento, Juergen Ziegler, director executivo do Grupo Schaeffler na Europa, diz que “o Brexit não é claramente o único factor decisivo por detrás de nossa tomada de decisão para o mercado do Reino Unido”. Mas acrescenta que a incerteza relativa à saída do Reino Unido da União Europeia e a necessidade de planear vários cenários complexos ajudou a definir este timing.
Nesta fase não é possível adiantar se a fábrica caldense será uma das beneficiadas com a redistribuição das encomendas que vão deixar de ser produzidas no Reino Unido, mas os rolamentos para o sector automóvel são, justamente, um segmento no qual a fábrica caldense pretende apostar com o projecto de ampliação que está em curso.
Governo anunciou linha de 50 milhões para as empresas
Na passada terça-feira o governo português anunciou um conjunto de medidas de contingência para a economia, que inclui uma linha de financiamento de 50 milhões de euros para as empresas que têm relação comercial com o Reino Unido. Esta linha de apoio será aplicada quer haja ou não acordo no Brexit.
Em conferência de imprensa, o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, disse que caso não haja acordo, a partir de 30 de Março a actual livre circulação de mercadorias e de serviços entre a União Europeia e o Reino Unido deixa de ocorrer, pelo que as empresas portuguesas que exportam para aquele país “passam a ver as suas mercadorias sujeitas a controlo alfandegário e aduaneiro”. O mesmo acontecerá em relação às importações provenientes do Reino Unido. E isso “implica alteração nos termos de regulação, e seguramente custos e dificuldades para empresas”, acrescentou o ministro.
É para fazer face a essas dificuldades que surgirá esta linha de crédito, para que as empresas possam fazer as adaptações necessárias nos seus modos de funcionamento internos, mas também para poderem procurar mercados de exportação alternativos.
Em relação ao sector do turismo, o governo aposta numa campanha promocional no Reino Unido que vise apresentar e fortalecer a imagem de Portugal como um país amigo. Serão também criadas medidas ao nível do atendimento nos aeroportos de forma a que os atendimentos e formalidades de controlo de passaportes possam processar-se de forma rápida.
O ministro da Economia sublinhou que, mesmo assim, o melhor cenário possível é a saída britânica da União Europeia acontecer com acordo, até porque isso dará mais tempo às empresas para se adaptarem, uma vez que, nesse caso, as alterações só entrarão em vigor em 2021.
AS MEDIDAS PARA OS CIDADÃOS
O governo português apresentou também, através dos ministérios da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros, um conjunto de medidas de contingência para os cidadãos portugueses no Reino Unido, e para os britânicos em Portugal, para as quais espera reciprocidade em caso do Brexit sem acordo.
Os portugueses que estejam ou entrem no Reino Unido até 29 de Março deste ano poderão regularizar a sua situação, obtendo o cartão de residência ou o pré-registo, até 31 de Dezembro de 2020. São ainda contemplados direitos como o reconhecimento de habilitações e qualificações profissionais, os direitos sociais, de circulação, cuidados de saúde e outros.
Para os cidadãos britânicos a residir em Portugal a 29 de Março deste ano, o governo permite também que regularizem o seu registo até ao dia 31 de Dezembro de 2020.
Tendo em conta a importância dos visitantes britânicos para o turismo, será aplicada isenção de visto para os cidadãos daquele país. Como os voos oriundos do espaço Schengen, o governo português pretende que não haja alterações no regulamento das ligações aéreas entre os dois países.
Na área da saúde, mesmo depois de 29 de Março, os cidadãos britânicos em Portugal terão acesso aos cuidados através do Serviço Nacional de Saúde, até que se estabeleça um acordo bilateral.
Segundo o INE, no final de 2017 havia 903 cidadãos britânicos com estatuto de residente no Oeste, metade dos quais nos concelhos das Caldas da Rainha e Óbidos. J.R.