O que se deve beber a acompanhar uns percebes das Berlengas ou umas amêijoas da Lagoa de Óbidos? E qual o melhor vinho para umas sardinhas assadas ou um bacalhau com batatas a murro? E se for uma caldeirada? E qual o melhor tinto para um pernil de porco assado? Perguntamos ao obidense Rodrigo Martins quais as bebidas que melhor “casam” com estas iguarias.
Dada a riqueza gastronómica e vínica do nosso país, estas escolhas tornam-se bastante difíceis, uma vez que ficarão muitos de fora. Assim, o critério utilizado para a seleção foi a época do ano em que nos encontramos (Verão) e a nossa região, tão rica e diversa em termos gastronómicos e de vinhos.
Sempre que se fazem harmonizações de vinhos com iguarias devem ser respeitados alguns princípios, sendo que, na minha opinião, o mais importante de todos é o equilíbrio do conjunto.
Não tendo eu conhecimentos técnicos muito profundos em termos gastronómicos, vou apenas nomear a iguaria e a razão pela qual, em teoria, harmoniza bem com o(s) vinho(s), centrando aí a minha apreciação, uma vez que é um tema que me é mais familiar.
1. Percebes das Berlengas; Espumante Bruto ou Vinho branco jovem sem madeira (ex: Ninfa Espumante 2014; Quinta Várzea da Pedra Arinto 2015)
Sendo um prato frescura e salinidade vincada onde se pretende principalmente usufruir do sabor a mar (quase sem uso de temperos na confecção), deve ser harmonizado com um vinhos com o mesmo grau de frescura e intensidade ligeira, para que a frescura e a salinidade não fiquem ‹esmagadas› pelo vinho, sendo os espumantes brutos e brancos jovens com boa acidez a melhor opção para o equilíbrio pretendido.
2. Ameijoas da Lagoa de Óbidos ‹à Bulhão Pato›; Vinho branco jovem sem madeira ou Vinho Rosé seco (ex: Quinta Várzea da Pedra Fernão Pires 2015; Montes Branco 2015; Quinta da Boa Esperança Rosé 2016)
Iguaria com intensidade ligeira a média no palato, onde se pretende um equilíbrio entre a frescura e salinidade típica dos pratos com produtos gastronómicos de origem em água salgada (refrescado ainda com sumo de limão), com a untuosidade do azeite, deve ser harmonizado com um vinhos com o mesmo grau de frescura e intensidade, para que a acidez/frescura, a salinidade, ligados pelo azeite fiquem em equilíbrio entre si e com os vinhos, sendo os brancos jovens com boa acidez a melhor opção para o equilíbrio pretendido.
3. Sardinhas Assadas na Brasa; Vinho Tinto Jovem sem Madeira ou Branco com madeira (ex: Quinta da Boa Esperança Tinto 2015; Memória Reserva Branco 2014)
Uma vez que se trata de um peixe ‹gordo›, é necessário o tanino do vinho para equilibrar a gordura no palato. Os taninos dos vinhos têm origem principalmente nas películas (cascas) das uvas ou nas barricas de carvalho. Os vinhos tintos jovens têm a frescura e a estrutura necessária para ‹cortar› a gordura da sardinha, sem serem demasiado potentes. Os brancos fermentados em madeira vão ‹buscar› os taninos à madeira de carvalho, ficando com um misto de características dos brancos jovens (frescura/acidez) e estrutura dos tintos (taninos). Apesar de ser uma iguaria ‹gorda›, não deixa de ser um peixe, tendo intensidade média no palato, razão pela qual não ‹aguenta› tintos mais estruturados (com estágio em barricas de carvalho).
4. Bacalhau Assado na Brasa com Batatas a Murro; Vinho Tinto Jovem sem madeira ou Branco com madeira (ex: Montes Tinto 2013; Quinta da Boa Esperança Reserva Branco 2015)
Há semelhança do que foi referido para as sardinhas, trata-se de um prato de peixe de intensidade média, vindo a sua intensidade não da gordura do bacalhau mas do sal usado na cura e do azeite do tempero. Uma vez mais, são necessários vinhos com intensidade média, boa estrutura no palato, estrutura essa que vem essencialmente dos taninos, podendo estes ser tintos ou brancos. Os taninos e a frescura dos tintos jovens e dos brancos fermentados em madeira vão equilibrar na perfeição com o sal do bacalhau e com a gordura do azeite.
5. Caldeirada de Peixe/Marisco; Vinho Branco com madeira ou Tinto Jovem sem madeira (ex: Quinta Várzea da Pedra Reserva Branco 2015; MonteCapucho Tinto 2014)
Tratando-se de uma panóplia muito grande de peixes/mariscos, uns mais intensos intrinsecamente (gordura/sal dos peixes) outros mais suaves (mariscos), o grande fator diferenciador desta iguaria são todos os outros produtos usados no tempero e na confeção, fazendo com que deva ser olhado como um prato de intensidade média a média alta, que combina um misto de gordura, sal e picante, necessitando de uma tipologia de vinhos com o mesmo grau de intensidade. Esta é a razão pela qual foram selecionados vinhos brancos com madeira ou tintos jovens sem madeira, com as mesmas justificações apresentadas anteriormente. Os vinhos brancos jovens, frescos, sem madeira, não têm a intensidade e estrutura suficiente(taninos) para equilibrar com a iguaria. Os tintos com estágio em madeira são potentes demais, muito estruturados, podendo dominar em demasia no palato, provocando um desequilíbrio não desejado.
6. Pernil de Porco Assado; Vinho Tinto com madeira (ex: Montes Colheita Seleccionada 2014 ; Memória Reserva 2012)
Uma vez que se trata de uma iguaria com muita intensidade no palato, devido principalmente à gordura da carne de porco e aos temperos usados na confeção, é necessário harmonizar com um vinho com o mesmo grau de intensidade, razão pela qual foi selecionado um vinho tinto com estágio em barricas de carvalho, por norma vinhos de qualidade elevada. A sua estrutura tem origem principalmente nos taninos das peliculas das uvas (cascas) e nos taninos da madeira onde estagiam. O facto de serem vinhos tintos da região Lisboa, aliam a estrutura a uma frescura também intensa, dada a influência do oceano Atlântico no clima e, consequentemente, nas uvas e nos vinhos. A gordura da carne de porco é percecionada pelo nosso palato com a sensação de doçura, sendo necessários os taninos e acidez típica dos tintos da região para uma perfeita harmonia.
Rodrigo Martins, natural de Óbidos, exerce a sua atividade profissional como consultor de viticultura e enologia nas mais prestigiadas regiões vitícolas portuguesas, principalmente no Douro, Lisboa, Tejo e Alentejo. É também formador na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, nas disciplinas de Viticultura e Enologia, no curso de Escanção.