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O sector farmacêutico atravessa um momento difícil a nível nacional, com uma subida de quase 150% do número de farmácias em insolvência ou com processos de penhora. O fenómeno afecta também mais de 15% das farmácias no distrito de Leiria. No entanto, Caldas da Rainha parece passar ao lado deste problema, por força do trabalho de prevenção ao nível da gestão que as empresas do concelho fizeram no período de maior crise.
A Associação Nacional de Farmácias (ANF) divulgou o resultado de um estudo a nível nacional que concluiu que 20% das farmácias da rede nacional tem processos de insolvência ou de penhora, correspondendo a 591 estabelecimentos. O número tem crescido desde 2012, quando o total de empresas com estas dificuldades era de 241. A ANF acrescenta que estas dificuldades financeiras do sector colocam em causa “a rede de saúde de proximidade à população e o acesso ao medicamento”.
O estudo diz ainda que 15,3% das farmácias do distrito de Leiria têm um destes dois problemas (insolvência ou penhora), num universo que ronda os 120 estabelecimentos. Em 2012 esses problemas afectavam 6% das empresas. Segundo o portal Racius, as farmacêuticas com processos de insolvência são dos concelhos de Leiria, Figueiró dos Vinhos e Pombal.
Nas Caldas não há casos recentes de dificuldades nas empresas farmacêuticas e, numa ronda efectuada pela Gazeta das Caldas pelas empresas do sector, estas revelam que isso se deve às medidas preventivas que foram sendo tomadas.
Catarina Tacanho, gestora do grupo Correia Rosa, que detém as farmácias Rosa, Caldense e de Santa Catarina, diz que o sector teve um primeiro impacto em 2005 e atingiu o pico negativo em 2012.
Nessa fase foram vários os factores que contribuíram para a degradação do negócio das farmácias. Houve uma descida abrupta dos preços dos medicamentos. Por exemplo, uma caixa de comprimidos para controlar o colesterol que custava 50 euros, custa hoje três euros. Esta descida foi acompanhada pela redução das margens, que antes era fixa de 20% e hoje, além ser menor, decresce quanto maior for o preço do medicamento. “É um desequilíbrio muito grande, cada vez trabalha-se mais para ter menos receita”, desabafa.
Filipe Brilhante, director da Farmácia da Foz do Arelho – que tal como a Farmácia Perdigão pertence ao Grupo Holon, de Lisboa –, realça que houve períodos em que as farmácias perdiam dinheiro com cada cliente que entrava na loja. “Atender um cliente custa em média 4,50 euros e se lhe vendermos uma caixa de medicamento por cinco euros, a margem de lucro é um euro, não chega para a despesa”. O gestor sublinha que a população em geral não teve essa noção, mas nalgumas farmácias do país esse peso gerou “falhas na entrega de medicamentos”.
Àquelas medidas, provenientes do Estado, juntou-se a abertura das para-farmácias e também a crise económica generalizada no país. Catarina Tacanho realça que na Farmácia Rosa se chegaram a fazer cerca de 800 movimentos num domingo de serviço, enquanto actualmente, num bom dia, chega-se aos 400.
“O problema é que as farmácias tinham estruturas do antigamente, com boas infraestruturas, pessoas qualificadas com bons ordenados, e uma estrutura de custos pesada para um rendimento que baixou cerca de um terço. Muitas farmácias ficaram insolventes porque não se adaptaram”, explica gestora do Grupo Correia Rosa.
“CORTÁMOS TUDO O QUE ERA SUPÉRFLUO”
A solução que Catarina Tacanho encontrou para combater a crise foi agrupar as farmácias, que funcionavam de forma independente, de modo a partilhar recursos e custos.
Dos 24 postos de trabalho que existiam nesses estabelecimentos, apenas um foi extinto. No entanto, todas as despesas que eram supérfluas foram cortadas, incluindo o serviço de televisão. “Fomentámos hábitos muito restritos em relação à iluminação, que depois se tornaram um hábito e que hoje mantemos”, relata Catarina Tacanho.
O rigor na gestão foi estendido a toda a actividade da empresa, incluindo as compras.
Filipe Brilhante, director da Farmácia da Foz do Arelho, diz que foi preciso reajustar quadros e ordenados para tornar o negócio viável. “Quem não o fez, teve que sair do mercado ou foi atingido por estes problemas de penhoras e insolvências”.
O responsável pela farmácia fozense sublinha que, a nível nacional, o sector perdeu cerca de 30% em valor, “volume de negócios que pura e simplesmente desapareceu”, devido às medidas já referidas. No caso da Foz, a equipa que era de sete pessoas quando a farmácia foi adquirida pelo grupo Holon, passou a cinco. “Conseguimos estabilizar e a pouco a pouco o negócio vai retomando, como toda a actividade económica”, acrescentou.
João Fradique, um dos responsáveis pela Farmácia Branco Lisboa, diz que as dificuldades começaram em 2011. No entanto, hoje “a situação da farmácia é sólida e conseguimos ter stock. Nas farmácias mais pequenas, com volumes de negócio mais reduzidos, isso torna-se mais complicado”.
No entanto, João Fradique diz que, mesmo vendendo mais embalagens de medicamentos que nessa altura, o volume de negócios é mais reduzido. A situação estável deve-se “a uma gestão rigorosa em todos os aspectos, ao apoio da ANF e dos colaboradores”. Neste caso, não houve redução do quadro de pessoal, que se mantém com oito farmacêuticos e um técnico de farmácia. Este foi um ponto importante, “para manter a garantia de um serviço de qualidade”, observou João Fradique.
NOVOS SERVIÇOS RENTABILIZAM RECURSOS
O que a crise proporcionou foi também que o sector da farmácia se reinventasse, aproveitando a qualificação dos seus recursos humanos. “Fomos criando serviços na área da saúde que são úteis à população, para diversificar a actividade”, refere Catarina Tacanho. Se a venda de medicamentos através de receita médica ainda representa cerca de 75% do volume de negócios de uma farmácia, a diversificação permite gerar alguma receita extra.
Os serviços criados pelas farmácias são nas áreas da nutrição, podologia (para as doenças do pé), consulta farmacêutica, preparação de medicamentos, entre outras.
“Com a qualificação que os nossos recursos têm, temos que falar de saúde e actuar na prevenção em vez de apenas na cura”, realça Catarina Tacanho, que diz que apesar do negócio ter deixado de ser muito bom, continua a não ser mau.
Os responsáveis por estas três empresas elogiam também a relação de mercado que existe entre as diversas farmácias caldenses, o que contribuiu para que todas se aguentassem. Filipe Brilhante realça que uma das mais-valias para o sector nas Caldas é o facto de as empresas se manterem há muitos anos nas mesmas famílias, “sem disrupções”.
Outra das valias que aponta é a forma leal como se comportam em termos de mercado concorrencial, “sem grandes guerras de serviço e de preço”. Filipe Brilhante acredita mesmo que o sector está hoje “melhor que há seis ou sete anos”, e aponta como exemplo que hoje há mais farmácias abertas ao sábado de manhã, maior oferta de produtos e de serviços, “graças a um esforço grande destas empresas”.
João Fradique, da farmácia Branco Lisboa, acrescenta que ao invés dos descontos, as farmácias têm apostado mais no aumento da quota de genéricos, “estando provado que têm os mesmos princípios bioactivos”. O objectivo do mercado é mesmo atingir uma quota de 50% de genéricos este ano, acrescenta.
Catarina Tacanho também acredita que hoje o Estado é mais sensível aos problemas do sector e que há “vontade política de ter as farmácias como aliadas”.