“Quando é que o Zé Povinho passa a ser uma figura do passado?”, questionou-se João Caraça, director do serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian, que esteve nas Caldas a 1 de Julho para visitar a exposição dedicada a Zé Povinho.
Este responsável considera que aquela personagem bordaliana possui algumas características que o identificam com o povo na actualidade. E isto porque, se na forma de trajar ele “é uma personagem algo datada”, mantém, por outro lado, a actualidade “na relação com o poder, na sua discordância em relação aos poderosos”. E por isso pergunta: “será que agora o Zé Povinho já é só Zé?”.
O cientista, doutorado em Física Nuclear, foi um dos colaboradores do suplemento dos 135 anos do Zé Povinho, lançado pela Gazeta das Caldas, a 26 de Junho no CCC e considera que esta iniciativa do semanário com a Livraria 107 “é um grande serviço público para poder colocar o tema à reflexão, aquilo que já foi e aquilo que ainda é, e como se situa em relação ao futuro”.
Classificou este trabalho – que contou com a colaboração na concepção e execução gráfica de um docente e estudantes da ESAD – como algo “muito interessante, de uma grande ternura e afectividade”, disse.
Na sua opinião, esta comemoração possui um grande valor pois “para pensarmos no futuro temos que ter a certeza sobre o nosso passado, a única maneira de perceber o que somos”. João Caraça acha que é a memória, quando recriada e exposta, “que nos permite um avanço no futuro”.
Da exposição também destacou a convivência entre os trabalhos originais do Zé Povinho “magistralmente captados por Bordalo” com outras criações posteriores. Sobre as versões contemporâneas desta personagem bordaliana, comentou que os autores de hoje continuam a retratá-lo porque”há ali algo de verdade”. E se no início do século XX, quando Zé Povinho era então mais retratado, “apenas 21% da população era alfabetizada, agora é cerca de 91%”. O que é algo muito bom, “mas não é nada com os 100% de alfabetizados que possuem os países do Norte da Europa”.
Concluindo que há ainda um fundo de verdade que identifica aquela personagem ao povo português, João Caraça diz que Zé Povinho ainda hoje paira sobre o imaginário nacional. “Para que ele desaparecesse seria necessário um grande esforço colectivo”, referiu.
João Caraça é um dos mais conceituados prospectivistas portugueses e é filho do consagrado cientista português Bento de Jesus Caraça, que foi uma das figuras mais perseguidas pela ditadura de Salazar. Possui amigos e familiares a viver em Óbidos e na sua deslocação às Caldas visitou também o projecto do Jardim D´Artes, da empresa Braz Gil Studio, situado no Imaginário, que está em fase de acabamento para ser inaugurado até ao final do ano.
Feita a pormenorizada visita à mostra de Zé Povinho, o responsável partiu para Lisboa onde, no dia seguinte, iria coordenar um encontro na Fundação Gulbenkian. Este contou com a presença de especialistas de várias áreas, como o catalão Manuel Castells, que se reúnem uma vez por ano para analisar a actual crise que se está a viver. “Não tanto a sua origem, mas sim as trajectórias e os cenários que são possíveis traçar para o futuro”, rematou.