Túnica – A primeira loja especializada em produtos de bebé celebra o 40º aniversário

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“Fomos a primeira casa especializada em artigos para bebé nas Caldas e na região”, conta Fernanda Tomás, explicando que o seu marido, depois de ter passado pela Casa Tomás ainda laborou para a firma de Serafim Moreira – onde é hoje a Açoteia – e passou por uma loja–atelier na Marinha Grande.
Depois de fazer a tropa, e já casado, Carlos Tomás iniciava o seu próprio negócio. “Arrendámos em 1970 um espaço na Rua das Montras numa época em que não havia muitas lojas disponíveis e o aluguer era caríssimo”, disse a empresária, que hoje toma um papel de relações públicas deixando a gestão aos dois filhos.
A Túnica arrancou com a venda de tecidos a metro, atoalhados e lingerie, tirando partido da sua experiência nas casas onde já trabalhara.  “Daquela geração, fomos dos primeiros a arrancar sozinhos”, disse Fernanda Tomás, recordando que antes de ser Túnica, a loja arrendada era a Pastelaria do Sr. Martins, da qual “ainda tenho alguns móveis dessa altura”. Para a época, “o trespasse era razoável, mas muito caro era o valor do arrendamento”.
Para encetar um novo negócio Carlos Tomás teve de sair da casa comercial onde laborava enquanto Fernanda Tomás – então funcionária da Contabilidade no Hospital – nunca teve intenção de deixar o seu emprego.
No início era o seu salário que garantia o pagamento da renda. Tomaram a decisão de arrendar a loja  aproveitando o facto de Fernanda ter então sido aumentada de 2350$00 (11,72 euros) para 2450$00 (12,22 euros). “Sobravam-nos apenas 50$00 [25 cêntimos] pois a renda era 2400$00 [12 euros], muito dinheiro naquela época”, recordou, acrescentando que o marido, quando saiu da última casa comercial, já ganhava 3300$00 (16,46 euros).
Nos anos 70 não era normal nas Caldas que as esposas dos comerciantes trabalhassem. “Desde que se abrisse uma loja, as senhoras adquiriam o estatuto de não trabalhar”, lembrou a fundadora. Devido a este facto, o seu lugar na Contabilidade no Hospital Distrital começou a ser cobiçado.
“Quando o meu chefe, o sr. Manuel Valente Sanches me veio informar que havia três ou quatro pequenas que já lhe tinham pedido para ficar com o meu lugar, tive que lhe explicar que este não estava à disposição” e que dependiam daquele salário para assegurar o negócio.
A sua mãe também era funcionária pública e Fernanda Tomás fez o curso geral do Comércio na Escola Comercial e Industrial. “Para grande desgosto do meu pai não quis estudar mais, já namorava o meu marido e queríamos casar…”. Segundo a viúva,  Carlos Tomás tinha alergia aos estudos “mas era um autodidacta maravilhoso”.
Quando abriram portas, a 15 de Junho de 1970 sabiam que podiam contar com pais e sogros “mas, felizmente, nunca precisámos”, disse.

“Oh Fernanda, traz-me roupinhas de bebé de Lisboa”

Corria o primeiro ano da abertura da Túnica e Fernanda Tomás ia com muita frequência a Lisboa a reuniões no Ministério da Saúde. Era habitual as suas colegas pedirem-lhe para trazer roupas de bebé, cuja oferta quase não existia nas Caldas.
“Nós também estávamos ansiosos pelo primeiro filho e eu passei a comprar roupa e a chamar a atenção do meu marido para esta necessidade de mercado”, recordou Fernanda Tomás que diz que a vontade do casal de ter um filho acabou por determinar a mudança de negócio de têxtil lar para produtos de bebé.
Carlos Tomás dizia à esposa que nunca tinha trabalhado com peças de roupa tão pequenas, mas de um dia para o outro acabaram com os tecidos e inovaram o comércio local apresentando uma casa comercial totalmente dedicada ao bebé. O carrinho do primeiro filho, Alexandre, “já foi comprado a um dos nossos fornecedores”, contou a fundadora.
O casal Carlos e Fernanda Tomás acabava por servir de exemplo e incentivar outros comerciantes a tomar em mãos os seus negócios. Ao fim do dia “juntávamo-nos aqui a conversar, à porta da loja”, recordou, dizendo ainda que havia então inter-ajuda e aconselhamento sobre o que fazer em relação aos negócios.
A empresária sempre fez e continua a fazer a escrita das suas lojas e recorda que já mesmo quando estava no Hospital, abdicava do recebimento das horas extraordinárias, preferindo ser compensada em tempo livre para poder acompanhar o marido aos fornecedores a fim de conhecer as novas colecções.
“Às vezes saíamos às quatro da manhã para estar às oito na porta do Pimenta Machado em Guimarães”, recorda.
Hoje parece incrível a Fernanda Tomás como cabia tudo na loja da Rua das Montras.  “Chegámos a ter expostas 10 camas de bebé e várias banheiras, não me pergunte como, mas tínhamos”. Passados alguns anos, começaram a investir na especialização dentro da mesma área e criaram mais dois espaços comerciais na cidade.
“Ao fim do dia ou do mês, o dinheiro que entra na caixa não é nosso. Nunca em 40 anos tivemos um atraso de pagamento de uma factura”, contou a fundadora que não gosta de trabalhar a crédito e aproveita sempre todas as oportunidades de pronto pagamento. “Não se dava o passo maior que a perna”, conta a matriarca, explicando que esse espírito foi passado aos filhos.
“Creio que houve sempre uma grande dedicação e muito trabalho”, reforçou. A loja até poderia fechar às sete da tarde, mas era frequente saírem do estabelecimento à uma e tal da manhã pois era àquela hora que ficavam prontas as montras. “Quando saíamos era frequente encontrarmos o casal da Zélu que também saía muito tarde da sua loja”.
São os próprios proprietários que fazem a decoração das lojas e das montras e mantêm como símbolo a mesma máquina registadora que já tinha vindo com o trespasse da pastelaria. O máximo que dava era 9.999 escudos e havia compras relacionadas com o enxoval dos baptizados e que ultrapassavam os 10 contos, logo tinha que se colocar a diferença num outro registo. Agora, com os euros, “já está tudo bem outra vez pois não vendo a ninguém 9.999 euros em roupa para criança”, disse Fernanda Tomás.

Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt

“Nos anos setenta Caldas tinha uma grande capacidade de atracção que hoje não tem”

“Naquela época as Caldas da Rainha tinha uma capacidade de atracção comercial muito maior, não tem comparação com o que há hoje”, disseram Alexandre Tomás, de 38 anos e Dulce Tomás, de 37,  recordando que então não existia auto-estrada, internet, jornais nem revistas da sociedade que ajudam a promover a estimular o consumo. Este era incentivado pela forma como os produtos eram apresentados pelas lojas e consoante a notoriedade dos estabelecimentos  e da cidade.
“Há algo que ninguém nos tira – estamos cá há 40 anos”, dizem os responsáveis, que continuam o negócio com mesmo empenho dos seus pais.
“Logo nos anos 70 acreditámos que o caminho para o sucesso era a especialização dentro da nossa área”, contam, explicando que a determinada altura foi necessário especializar mais e criar novos espaços comerciais.
Na família, a empresa Túnica “sempre foi a quinta pessoa na mesa ao jantar”, contam os irmãos, referindo que nem sempre foi fácil, quando eram crianças, tirar apenas mini-férias de dois a três dias, ou ficar a ajudar a marcar babygrows enquanto os amigos brincavam.
“Hoje o comércio está como os casamentos: hoje casa-se e “descasa-se” enquanto que nos anos 70 era para toda a vida”, disseram, fazendo um paralelismo com o comércio actual em que se abrem e fecham lojas que duram apenas meses.
Em 1992, a loja da Rua das Montras começou a tornar-se pequena e por ideia de Alexandre Tomás a família decide a abertura do segundo estabelecimento no Barro Azul, dedicado à puericultura, mobiliário e brinquedos.
Hoje aquele espaço tem 700 metros quadrados de exposição distribuídos por dois pisos. “Nas Caldas não existia este conceito, aplicámos um modelo que havia noutros países, que é o da especialização das grande cadeias”, contaram.
Esta loja acabou por ter o mesmo impacto que o estabelecimento da Rua das Montras quando se especializou em produtos de bebé, em 1972. O problema é que 20 anos depois a realidade comercial era diferente. Havia agora uma nova forma de concorrência da grande distribuição: abriam os hipermercados. “Convém lembrar que havia excursões para ir aos primeiros hipermercados à Amadora e mais tarde a Leiria”, disseram, recordando que esta forma de comercialização acabou por contribuir para a que apanhou o comércio tradicional desprevenido e foram muitas as lojas em diversas localidades que tiveram que encerrar. Hoje, para combater as grandes superfícies, “temos que aplicar fórmulas e adoptar estratégias de competitividade aguerridas que mantemos até hoje”.
Quando abriram a Super Túnica, já existia no Bairro Azul o Centro Comercial Barão, o que ajudou a dinamizar aquela zona.

“Aqui não há a menina do shopping”

Já em 1996 decidem abrir a terceira loja, esta na antiga Rua do Jardim, para o segmento de roupa dos oito aos 16 anos.
Logo após a abertura da loja no Bairro Azul, o pai Carlos Tomás, aos 54 anos, foi vítima de um AVC, “o que me obrigou a assumir mais responsabilidades e a crescer rapidamente naqueles meses”, conta Alexandre Tomás que, na altura, tinha 24 anos. O pai recuperaria deste susto, mas em 2001 viria a sofrer um segundo ataque que o deixou incapacitado. Falecia quatro anos depois.
Nesses anos dramáticos para a família, Fernanda passa a dedicar-se mais ao marido, remetendo o negócio da família para os filhos. Alexandre tinha frequentado o curso de Direito e Dulce terminara já uma licenciatura em Economia e trabalhava num banco.
Estes herdaram os valores dos pais e é com orgulho que dizem que “nunca incumprimos uma factura”. Se o negócio tem um segredo, dizem, este será “a integridade, o ser sério e não enganar”.
A empresa labora com cinco empregadas, além dos responsáveis, desde há muitos anos, não sendo politica da casa a rotatividade do pessoal. “Aqui não há a menina do shopping”, contam Alexandre e Dulce Tomás explicando que valorizam a experiência. “Contamos com profissionais competentes  e empenhadas que vestem a camisola”, disseram, acrescentando que afinal “todos dependemos do sucesso das lojas e todos sentem a Túnica como delas”.
Na Túnica já se vendeu um carrinho de bebé que seguiu para Timor e um par de sapatos que seguiu para o Japão. Mais usual são os envios de produtos para clientes no Brasil e em Angola, cada vez mais habituais.
“Temos uma cliente em França que compra tudo por telefone à Elizabete”, contam os responsáveis, que apostam forte no serviço pós-venda, outros das linhas de trabalho que mantém desde o início.
Também enviaram carrinhos de bebé para a Suíça e vendiam muita roupa para os emigrantes. Se houvesse algum problema com os tamanhos, deixavam  que as pessoas trocassem as peças quando regressavam nas férias, “sem nunca voltar com a palavra atrás, tal como ainda hoje fazemos”.
Alexandre Tomás recorda também com foi estranho para os clientes quando surgiram os “ovos” de transporte, com os pais a dizer que nunca iriam transportar os filhos “numa coisa torta”. Hoje toda a gente possui aquele suporte, adaptável até ao automóvel, provando “que tudo muda em tão pouco tempo”, remataram.

Caldas deveria ter um plano comercial como tem uma loja

“A cidade das Caldas devia ter um planeamento estratégico e uma perspectiva comercial como tem uma loja”. É o que defende Alexandre Tomás, sugerindo eventos programados com um mês de antecedência e “saber que produtos vender, como se desenvolve a sua imagem, com que preço e para que target se dirigem”.
Alexandre Tomás está preocupado com o futuro da sua cidade e do seu centro, que “está abandonado e é crescente a falta de gente a passear nas principiais artérias”.
Preocupa-se com as áreas do Bairro Azul e da Rua do Jardim, onde tem as duas lojas “pois são sombras daquilo que já foram”. Diz que a principal cruzeta – formada pela Rua Heróis da Grande Guerra, Rua das Montras e Miguel Bombarda – ainda consegue algum dinamismo, mas a preocupação deste empresário é grande. E isto porque vê o sucesso comercial como algo colectivo e não gosta que abram lojas para encerrar passadas algumas semanas.
“Há uma década as Caldas estava comercialmente a par com Leiria”, disse o empresário, que considera que actualmente “está muito próxima de Torres Vedras e de Alcobaça, quando antes era muito superior. Estamos a perder terreno a olhos vistos”, rematou.

 

“A nossa Natália tem umas mãos de ouro”

“Trabalho nesta casa há 37 anos. Entrei para aqui era uma rapariga de 16 anos e hoje já sou avó”. Palavras de Maria Natália Jesus, que entrou no início da empresa e conta como, em conjunto com Carlos e Fernanda Tomás, concretizaram muitas peças para bebé que então era muito difíceis de encontrar. “Fizemos muitas forras para colchões, saias, vestidos e até cobertas para vender, além das forras para os cestos de verga para colocar a cosmética dos bebés”, lembrou a funcionária.
Os clientes da Túnica continuam a vir de Peniche, Nazaré, Torres Vedras, Alcobaça, ou Rio Maior. “Temos mantido a mesma clientela, mesmo que agora não tenha a mesma disponibilidade financeira”.
Conta também que as senhoras que vinham à Túnica comprar para os seus filhos vêm agora buscar roupa para os netos.
“A nossa Natália tem umas mãos de ouro”, disse Fernanda Tomás, recordando como compravam espuma própria para fazer os colchões de bebé, forrados à mão. Também por causa do jeito para a costura, ajudou Alexandre Tomás a concretizar uma ideia original de decoração para a terceira loja da cadeia. Compraram vários tecidos e esferovite e forraram todo o tecto da loja da Rua do Jardim de forma original.
Maria Natália Jesus passou da loja da Rua das Montras para a da Rua do Jardim e conta que alguns dos seus clientes, com idades entre os oito e os 15 anos, já vêm sozinhos escolher as peças e  depois regressam com pais ou avós para adquirir o que mais gostam.
Quando veio para a loja, Dulce teria seis ou sete meses e Alexandre mais um ano. “Eles são os meus patrões, mas na verdade é como se fossem da família pois andei com eles ao colo”, rematou a empregada.