O professor esteve à conversa com alunos do secundário e alertou para a necessidade de muscular a curiosidade e perseguir paixões.
O professor Rui Correia esteve à conversa com alunos do secundário no Café-Concerto do Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha, na passada sexta-feira, dia 4 de novembro, no âmbito do Youth Summit organizado pelo Gabinete da Juventude do Município. Num ambiente descontraído e divertido, com interação com a plateia, falou-se de tudo um pouco, como da importância de se perseguirem sonhos e de, através da imersão na cultura, se ginasticar a curiosidade: matérias que, na opinião do docente, a escola deve incentivar.
Hoje em dia, há a ideia de que os alunos são “uma espécie de galgos que correm atrás de uma lebre falsa chamada notas, porque querem ser todos muito bem sucedidos, e entrar nas faculdades todas, e ganhar muito dinheiro e ter, pelo menos, uma piscina”. Foi assim que Rui Correia começou a sua aula, referindo-se à tendência de se “correr ao sabor das notas” e de fazer delas a medida dos sonhos, o que o alarma.
“Se tiverem uma nota pequenita, o leque fecha, então, ‘sempre quis ser engenheiro de minas’, porque é a única coisa que tenho nota para ser”, exemplifica o professor de História. Porém, são as “regras do jogo” que põem a escola em risco de se tornar uma “fábrica de notas” ou um “foyer da universidade”, onde a sala de aula é uma “nascente do conhecimento” e em que o esperado dos alunos é que saibam “tudo, tudo, tudo sobre uma parte da matéria” para o teste, e, “uma semana depois, já só têm uma vaga ideia sobre isto e sobre aquilo”, explicou o caldense. “Isso não é saber nada”, afirmou peremptoriamente. “Isso é uma escola qualquer de papagaios e uma escola de macacos amestrados”, continuou.
Pelo contrário, o professor defendeu que a “sala de aula deve ser a foz onde [os alunos] têm de chegar com aquilo que têm interesse que se discuta”, e que, em bom rigor, a escola “não devia ter nada para [lhes] oferecer”. “Vocês não vão à Raul Proença ou à Rafael Bordalo Pinheiro para saberem o que é que os professores têm para vos dizer”, explicou. Porém, para tanto é necessário que os alunos digam “o que têm a dizer à escola”, mostrem “o que têm para oferecer”, para que, em “todos os dias das [suas] vidas”, as aulas se transformem numa busca pelos seus “talentos, aptidões, sonhos”, que a escola deve ajudar a desvendar.
Torna-se ainda fundamental que os alunos se interessem pela cultura, que procurem ser pessoas “interessantes” e não um “one trick pony”, a quem se ensina um truque, que ele passa a dominar, “e depois, a certa altura, não sabe fazer mais nada”, como chamou o professor à atenção. “E só falas daquilo, e és uma seca!”, alertou. “E a escola desempenha aqui um papel “essencial”, explicou, reconhecendo o exemplo da iniciativa da Raul Proença de levar os alunos à tertúlia, que não só fez jus à sua máxima de se dar voz aos jovens (neste caso, do Gabinete da Juventude) quanto ao que querem que seja falado, como, enquanto evento cultural, esteve ao serviço da musculação da curiosidade.
O vencedor do Global Teacher Prize Portugal 2019 salientou ainda a importância dos professores conhecerem os alunos e a realidade extra-escolar, um tema que abordou no seu livro “Cá Dentro – O Lugar da Escola nos Nossos Miúdos”, publicado em 2020. Nele convidou antigos alunos a falarem sobre as “coisas [duras por que passaram] que a escola não topou quando eles eram alunos”, que são “altamente reveladoras da distância que vai e que se calhar tem de existir entre o que é a escola e o que [os alunos] são”.
Rui Correia é professor de História na EBI de Santo Onofre e encontra-se a coautorar um manual de História de 9.º ano.