«Já não vem ninguém» de Sidónio Bettencourt

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Depois de «Deserto de todas as chuvas» e «A balada das baleias», Sidónio Bettencourt (n. 1955) surge com «Já não vem ninguém». O título do volume vem do poema homónimo que parte de uma solidão extrema («ninguém veio este ano com medo do mau tempo») e da metáfora de um mundo em desencontro («há muitos anos que já não vem ninguém») mas onde os elementos («o forno, a lenha, o lume, o calor») levam o homem a dizer uma esperança: «que a noite seja santa e o menino renasça numa manjedoura qualquer que o coração transporta».
O poema é a voz do homem entre a Ilha e o Mundo: «é aqui neste pequeno lugar de fajãs adormecidas e apelos escondidos que se sente o tamanho do mundo. E, Álamo de Oliveira, são jorge vista de cima é a exclamação do silêncio. O homem ali não passa de um sonho descalço». Porque o amor que liga as orações é o mesmo que cimenta os poemas: «quem não ama o lugar onde nasceu, a terra onde viveu, os sítios por onde passou?» Porque só no amor o homem se percebe em três gerações: a sua, a dos filhos (« Hoje sei o que é ser pai e ser pai, pai, dói muito») e a dos avós. Seja a avó Leonor («partiste numa tarde temperada de sol / levaste o beijo na terra e fugiste / sozinha») seja o avô Manuel Moniz («Nunca me deixaste olhar os meus olhos nas águas do poço de maré»).
A viagem é também uma forma de poema pois liga pontos separados pela distância e pelo esquecimento. Como Genuíno Madruga, solitário navegador do Mundo: «nunca saberemos quase nada do mundo que baila dentro de ti, nunca saberemos porque partes e chegas e chegado voltas a partir». Tal como a música colectiva: «trazem nos lábios o gosto da terra, nas mãos a arte das sementeiras e no andar a cadência de todos os rituais do silêncio. Caminheiros da devoção, ao sol, à chuva, ao vento». Mesmo sabendo que «partimos todos para lado nenhum», o avô («onde está o avô?») pode dormir descansado: «Estão todos encaminhados. Aprenderam que não há frutos sem trabalho, nem reconhecimento sem honra e humildade».
(Editora: Ver Açor, Prefácio: Daniel de Sá, Capa: Fernando Resendes, Design: Hélder Segadães)

José do Carmo Francisco