A independência política de Olho Marinho, foi alcançada no dia 5 de Março de 1925, com base na Lei n.º 1752, que passo a ler:
– Artigo 1º. É criada uma freguesia com sede em Olho Marinho, concelho de Óbidos, constituída pelos Casais da Arruda, Perna de Pau, Casal das Ladeiras, Quinta de Baixo e Olho Marinho.
Lisboa, Paços do Governo da República, 5 de Março 1925.
Assinada por Manuel Teixeira Gomes, Presidente da República, e Vitorino Henriques Godinho, Ministro do Interior
Passados 87 anos, os Olhomarinhenses estão novamente em Festa, desta vez, porque acabaram de inaugurar a Nova Sede da Junta de Freguesia, a casa da democracia a quem os cidadãos recorrem em primeiro lugar.
“Que orgulho, Meus Amigos, e que responsabilidade é estarmos hoje reunidos na Nova Casa da Democracia!”
Hoje, é também o momento oportuno para recordar algumas das páginas mais emblemáticas da história dos Olhomarinhenses e do Olho Marinho. Começo pelo dia 5 de Março de 1925, dia da nossa independência política, para recordar um extracto do discurso proferido pelo Professor Joaquim Roque Duarte, primeiro Presidente da Junta eleito no Olho Marinho;
… Está hoje em festa, Olho Marinho!
Há muitos anos que este povo queria ser livre e pugnava pela sua independência.
Já os vossos avós tinham, como seu sonho doirado, o verem, como vós hoje vedes convertido em realidade e na mais completa independência esta terra querida, que eles tanto amaram… Fim de citação!
O novo e moderno espaço que acabamos de inaugurar, depois da Igreja Matriz e do Coreto, é o terceiro equipamento público construído ao redor do Centro Histórico-ambiental de Olho Marinho, um espaço de rara beleza natural e de memória, onde se escreveram, ao longo dos séculos, e decerto vão continuar a escrever-se, as melhores páginas da nossa história.
Desde a Idade Média, que o Centro Histórico-ambiental de Olho Marinho e sobretudo, os seus Olhos d’ Água, são olhados como um local romântico, particularmente desde os primeiros anos do século XIV, como nos conta a tradição, quando o Olho Marinho contava como uma população que rondava os 15 vizinhos, a Quinta do Furadouro acolhe D.ª Constança Manoel, filha do grande D. João Manoel de Castela, depois de casar com D. Pedro I em 1340, acompanhada por D.ª Inês de Castro, quando iniciam o tratamento dos seus males, com as águas mineromedicinais aqui nascidas.
Para os Olhomarinhenses, este notável acontecimento, provocou uma enorme onda de alegria, ao mesmo tempo que o Olho Marinho entrava na rota dos Amores Clandestinos de Pedro e Inês, imortalizados pelo poeta Luís de Camões, o povo, com a sua sabedoria, decide atribuir a uma das suas nascentes, o nome “Olho da Rainha”, nome que ainda perdura passados seis séculos e certamente irá manter-se por muitos mais séculos.
É com base nos exemplos apontados e naturalmente por outros menos mediáticos, que o Centro Histórico-ambiental de Olho Marinho, também conhecido por Largo da Fonte, continua a ser para os Olhomarinhenses, o seu mais expressivo Ex-libris, um misto de razão e emoção, algo que se assemelha à luz da razão transversal!
Os anos passam, o número de habitantes cresce, e no final do século XIV, começa a funcionar a primeira fase do Sistema de Regadio Tradicional de Olho Marinho, um projecto hidroagrícola único na região, concebido e executado pelos Monges de Cister, destinado a irrigar e rentabilizar uma área com mais de 80 h.ª.
O Regadio Tradicional de Olho Marinho, para além de ter sido a obra mais emblemática dos séculos XIV e XV, foi sem dúvida, um importante contributo para o desenvolvimento da agricultura local e para o bem-estar social do povo.
Mais tarde, nos primeiros anos do Século XVI, a cerca de 50 metros dos Olhos d’ Água, no cimo duma pequena colina, surge a primeira Capela construída pelo Povo, em honra de St.ª Iria. Passado cerca de 200 anos, pouco depois da implantação da República, a Capela de St.ª Iria é transformada na Primeira Escola Publica de Olho Marinho e hoje, é a sede da Associação União de Amigos.
Nos primeiros anos do século XIX, na sequência de uma certa agitação social, é iniciado numa vasta área de terrenos pertencentes à Quinta do Furadouro, com uma área superior a 250 h.ª, o Emparcelamento da Propriedade Rústica, mais um projecto pioneiro e inovador, que engloba a actual zona dos Talhos do Ceilão, Talhos da Quinta de Cima, Talhos da Rainha e Charneca do Povo, onde foram criadas centenas de parcelas com 9.990 metros quadrados, posteriormente distribuídas pelo povo.
Muitos de vós, especialmente os mais velhos, recordam certamente, um dito muito antigo usado em Olho Marinho, que dizia assim: – “Não é homem não é nada, quem não amanha uma Cesareda!”
Este dito, simbolizou durante séculos, a dureza do trabalho, a garra e a capacidade empreendedora que eram necessárias para cultivar e rentabilizar as poucas e magras parcelas agricultáveis, que existiam no Planalto da Cesareda.
Olhando hoje para os reflexos do projecto de emparcelamento, podemos dizer que ele foi no século XIX, o motor para o desenvolvimento económico e social dos Olhomarinhenses, cujas influências começam a evidenciar-se em 1850, quando a maioria do povo, empolgado com a presença do famoso Padre Silveira Malhão, um dos mais conceituados oradores sagrados do século XIX, decidem em conjunto, avançar com a construção da Igreja Matriz, em honra do Imaculado Coração de Maria, uma obra notável, que contou com o apoio incondicional da maioria dos cerca de 700 habitantes residentes no Olho Marinho, distribuídos por cerca de 170 fogos. No entanto, apesar do forte empenho manifestado, os elevados custos da obra, obrigaram o Padre Silveira Malhão a lançar uma subscrição pública nos principais Jornais de Lisboa, que terá rendido mais de 1.500 mil réis, ao mesmo tempo que promove a publicação dos seus famosos sermões, para em conjunto, alcançar os indispensáveis fundos, destinados à conclusão da obra, que acontece em Agosto de 1856.
Em 1886, trinta anos depois da inauguração da Igreja Matriz, quando os tempos políticos eram difíceis, apesar das conquistas da Revolução Liberal, reúne no dia 4 de Abril, na Sacristia da Igreja Matriz de Olho Marinho, a poucos metros do local onde hoje estamos, a Junta da Paróquia da Freguesia d’ Amoreira, para mais uma das suas habituais reuniões descentralizadas, sob a Presidência do Olhomarinhense, Miguel Pereira Moleiro, com a presença do Vice-presidente, António Joaquim de Castro, os Vogais, José Miguel Eduardo, Joaquim Rodrigues Tocha e Vitorino Jorge, juntamente com o Regedor, Maximino Tiago Manjolinha e o escrivão, Custódio José de Figueiredo, quando o Sr. Presidente da Junta, propõe para análise e discussão, duas propostas de deliberação aprovadas por maioria absoluta, como consta na acta dessa reunião e que passo a ler:
… O Sr. Presidente propôs à Junta a grande necessidade que havia em se requerer a Sua Majestade, a creação d’uma freguesia neste logar, bem como, a construção do Ramal que ligue desde a estrada Real que vai para a Serra d’ El-Rei e este logar do Olhomarinho, e os estudos deste ramal a seguir, até à Estação de S. Mamede do caminho-de-ferro de Lisboa a Alfarelos … Fim de citação
Passados 126 anos, olhando para a histórica deliberação aprovada por maioria absoluta, podemos dizer que o Presidente Miguel Pereira Moleiro, para além da visão politica demonstrada, abriu finalmente a janela de esperança há muito desejada pelos Olhomarinhenses.
No entanto, apesar dos esforços desenvolvidos, por razões políticas e principalmente porque a situação económica e financeira do País era muito grave (em 1891 Portugal declarou bancarrota!), a criação da nova Freguesia ficou na gaveta até ao dia 5 de Março de 1925, cerca de um ano antes de terminar o Sonho Dourado da Primeira República. Hoje, infelizmente devido a procedimentos irresponsáveis, Portugal está mergulhado numa situação muito semelhante: estamos a viver uma conjuntura de pré-falência!
Apesar da grave crise económica e financeira que estamos a viver e dos cortes, ultimamente lançados por certas agências internacionais de notação, não podemos desanimar, nem baixar os braços.
Estou convencido que os portugueses, vão uma vez mais mostrar o seu empenho, a sua capacidade empreendedora e lutar para que dentro breve, possamos encontrar os caminhos do progresso!
Meus amigos, apesar da distância temporal que nos separa da histórica reunião realizada em Abril de 1886, não invalida que hoje, na nova Casa da Democracia, possamos recordar e agradecer publicamente, aos homens que tiveram coragem e lucidez para abrir a desejada janela de esperança que faltava.
Hoje, é também o momento certo para prestar homenagem e deixar um agradecimento muito especial, dirigido ao Sr. Joaquim Roque Duarte, Prof. em Olho Marinho de 1922 a 1931, primeiro Presidente da Junta de Freguesia de Olho Marinho, empossado no dia 5 de Julho de 1925, extensivo aos restantes Presidentes de Junta, membros dos Executivos e Assembleias de Freguesia, pelo fantástico trabalho realizado, em Prol de Um Olho Marinho Melhor!
Após a elevação de Olho Marinho a Freguesia, os resultados da Independência Política não se fizeram esperar, pelo que, aproveito a oportunidade para recordar nesta cerimónia, alguns dos principais acontecimentos e as obras mais emblemáticas.
Vou começar com um texto do escritor Raul Proença, publicado em 1927 no Guia de Portugal, dois anos depois da independência política de Olho Marinho, que diz o seguinte;
… De S. Mamede a Peniche. Depois de passar pela A-da – Gorda e pelo cruzamento do Sobral da Lagoa, ao quilómetro 6,9, depois da Igreja de Nossa Senhora da Aboboriz, começa a avistar-se à esquerda a pitoresca casaria de Olho Marinho, derramada pelas abas duma colina. Durante quase uma hora não a perdemos de vista. Para além, fica o enorme planalto de Cesareda. A estrada vai subindo; nas alturas de Perna de Pau, bela vista sobre Óbidos e as Caldas da Rainha. À direita, a Quinta de Baixo, grande propriedade que se estende até à Lagoa de Óbidos, hoje propriedade do Sr. Manuel Figueira. Depois, um belo trecho com cerca de 1 quilómetro orlado com plátanos, estamos no alto da subida, na Serra d´El-Rei.
Fim de citação!
Em Maio de 1930, o Sr. D. Manuel Gonçalves Cerejeira, Cardeal Patriarca de Lisboa, visita o Olho Marinho para presidir às cerimónias da Consagração Canónica da Igreja Matriz de Olho Marinho.
No dia 13 de Junho de 1948, a Junta de Freguesia inaugura a Feira de St. António e no início dos anos 50 do século XX, em parceria com a Comissão de Melhoramentos, é lançado no Olho Marinho mais um projecto pioneiro e inovador na região, financiado directamente pelo Governo Português, para construir os sistemas de captação e distribuição de água potável no Olho Marinho, ao mesmo tempo que é iniciado o processo de electrificação na Freguesia, a Junta constrói a Casa do Correio Velho, o espaço que centralizou durante décadas o Telefone Público, montado em 1935, os serviços de correio, a distribuição de correspondência e os restantes serviços de atendimento e apoio aos Olhomarinhenses.
No final da década de cinquenta do século XX, a Junta, em parceria com a União de Amigos de Olho Marinho, recuperam o Coreto, um espaço de Cultura construído em 1922, pavimentam com Calçada Portuguesa, diversas ruas ao longo da malha urbana, incluindo o Largo da Fonte e o Padre Renato Ramos, juntamente com o Povo, erguem o Salão Paroquial.
Nos anos 80 do século XX, é lançado o saneamento básico na freguesia, e no final dos anos 90 do século XX, é executado o projecto de requalificação do espaço que envolve os Olhos d’Água, ao mesmo tempo que um grupo de Olhomarinhenses, de parceria com a Junta de Freguesia, desenvolve uma Obra Social de grande impacto local e regional, o Centro o Social de Olho Marinho, que apoia diariamente mais de 120 utentes e presentemente emprega 32 pessoas.
No século XXI, no decorrer do primeiro decénio, são construídos na Freguesia novos equipamentos e novas infra-estruturas, nomeadamente a Nova Extensão de Saúde, o Jardim-de-infância e um conjunto alargado de novas acessibilidades que permitiram finalmente, acabar com diversas ruas em terra batida ao longo da malha urbana.
Depois, surgem os Caminhos Agrícolas Asfaltados, a Creche de Olho Marinho, que hoje apoia mais de 40 bebés e por último, o Complexo Escolar do Furadouro, utilizado por mais de 250 alunos, que frequentam o primeiro e segundo ciclos, um projecto inovador e pioneiro em Portugal para uma educação criativa.
Na primeira década do século XXI, merecem ainda, especial destaque a construção da Casa de Velório, um equipamento social há muito desejado pelos Olhomarinhenses e os novos Balneários de Apoio ao Desporto, duas obras lançadas e financiadas na totalidade, pela Junta e por último, a Nova Sede da Junta, a obra emblemática que agora acabamos de inaugurar, apoiada e financiada pelo Município de Óbidos, pela Junta de Freguesia e pelo Governo Central.
Os grandes acontecimentos, a capacidade empreendedora e principalmente as grandes obras, surgiram como acabei de referir, ao longo dos séculos XIV, XVI, XIX, XX e durante a primeira década do século XXI. Elas confirmam na globalidade o dinamismo e o desenvolvimento que Olho Marinho alcançou. Porém, olhando para as obras mais recentes, realizadas nomeadamente nos anos cinquenta do século XX e durante a primeira década do século XXI, elas reflectem o brio do povo, associado ao espirito empreendedor e a capacidade de gestão dos seus autarcas, na procura de mais e melhor desenvolvimento económico e bem-estar social para os Olhomarinhenses.
As Freguesias em Portugal, são desde os tempos da Monarquia Constitucional, uma realidade reforçada com a entrada em vigor da Nova Constituição em 1976.
No Concelho de Óbidos, as autarquias locais são hoje, verdadeiros Governos de proximidade e os veículos descentralizadores para as políticas públicas, apesar das poucas competências e das parcas dotações orçamentais que recebem do Poder Central, mesmo assim, conseguem realizar verdadeiros milagres.
Quero acreditar que a anunciada reforma administrativa para o poder local autárquico e o novo mapa autárquico, serão dentro em breve, um sonho realizável e não um pesadelo…!
Depois desta viagem, no tempo e na história, que já vai longa, vou terminar, mas antes quero deixar aqui um agradecimento muito especial ao meu amigo e grande amigo dos Olhomarinhenses, o Dr. Telmo Faria, Presidente da C.M.O., extensivo ao Dr. Feliciano Barreiras Duarte, Presidente da Assembleia Municipal de Óbidos e Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, assim como, aos Srs. Vereadores em exercício, pelo indiscutível espírito de missão e a capacidade empreendedora amplamente demonstrada durante a última década, pela forma corajosa e determinada como têm sabido conduzir os destinos do nosso Concelho, e no caso concreto da Freguesia de Olho Marinho, por terem proporcionado aos Olhomarinhenses, um conjunto muito significativo de novas infra-estruturas e equipamentos há muito desejados, o quais representam melhor qualidade de vida e bem-estar social para as gerações vindouras.
José Filipe Ribeiro
Ex-presidente da Junta de Freguesia do Olho Marinho
(Texto lido durante a inauguração da nova sede da Junta de Freguesia)