Por: Carlos Gaivoto*
A Linha do Oeste é uma componente essencial na Região Oeste da Estremadura e na transição entre o Alto da Estremadura e o Baixo Mondego, como nas ligações a sul com a Área Metropolitana de Lisboa, ligando as populações de várias cidades e sub-regiões, evidenciando várias potencialidades na mutualização de tráfegos de passageiros e de mercadorias, como por exemplo, ao ampliar a sua interconectividade com pequenas extensões dentro das cidades e a interconexão a outros eixos ferroviários. Como se faz isto e porque é que não se tem feito isto?
Em primeiro lugar, há três razões para se dar já valor e vida à Linha do Oeste: a primeira, tem a ver com os designados “custos escondidos” (Hidden Costs) da dispersão urbana que afectam a economia e a vida das populações (componente económica); a segunda, ajudar a combater a carbonização existente do sistema de transportes ser demasiado elevada numa geografia de deslocações urbanas cada vez mais complexa perante a dispersão (componente ambiental e alterações climáticas) e a terceira, na reversão do ordenamento do território (componente energética; recursos naturais – consumo de água e espaço – e infraestruturas).
Em segundo lugar, a linha do Oeste é uma componente estratégica do sistema ferroviário nacional com possibilidade de outras conexões a capitais de distrito, numa lógica de maior integração e coesão territorial e social sendo, também, uma alternativa à menor dependência do automóvel, com a designada interoperabilidade ferroviária e promoção de proximidade entre centros urbanos, combatendo a fragmentação territorial e a segregação social.
Em terceiro lugar, ela é uma componente estratégica da descentralização, promovendo uma política pública dos 3C (“crescimento urbano em forma compacta; “conexão de infraestruturas” e “coordenação de governo da comunidade intermunicipal”) e reforçando as políticas de “Transit Oriented Development” que contribuem para o desenvolvimento sustentável do território regional/nacional, melhorando o desempenho e a eficiência do sistema de transportes.
Dar valor e vida à Linha do Oeste
No que diz respeito à primeira razão, recorde-se que Portugal tem um problema estrutural grave causado pelo modelo “californiano” de território que foi desenvolvendo: o “urban sprawl” (a dispersão urbana). Com efeito, o crescimento urbano das últimas quatro décadas, em mancha de óleo, baixou a densidade média populacional na faixa litoral do país para valores de 1,72 [hab./ha], ficando a Região do Oeste com valores de 1,46 [hab./ha], enquanto, a dispersão urbana na AML fica com 9 [hab/ha], numa área geográfica de 3100kms2, superior à da região do Oeste com 2486kms2.
Ora, na “Região do Oeste”, essa dispersão tem custos que agravam a economia da região, em particular, das suas populações e das empresas que nelas se implantam. A acentuar esta dispersão e este agravamento de custos, Portugal escolheu o modelo errado de ocupação do território (modelo californiano) e de transporte baseado na rodovia que criou, por sua vez, uma maior dependência do automóvel. Pensava-se que o PNPOT pudesse trazer uma estratégia de combate a esse modelo agregado e que representa um problema grave económica e estruturalmente: o da dispersão urbana e o do recurso excessivo ao uso do automóvel, sendo ambos, os principais factores do aumento das externalidades negativas.
Com efeito, os custos dessas externalidades têm incidência ou são responsáveis pelos défices orçamentais municipais e ao aumento da dívida . Os estudos feitos na Austrália, Canadá, Europa e EUA apontam para uma afectação de 66% nos orçamentos municipais causados por aqueles custos escondidos. Como responder a isso? Como diminuir esses défices e o peso da dívida?
A segunda razão, é considerar a Linha do Oeste como um dos actores principais nas estratégias de desenvolvimento sustentável, ou seja, como pode servir para que os impactos negativos da dispersão urbana, no contexto das alterações climáticas, se resolvam com outra estratégia de urbanismo e de transportes, podendo actuar com mais celeridade na política pública de acessibilidade quer ao nível da região, quer na comunidade urbana ou ao nível duma cidade.

De facto, a Linha do Oeste pode fornecer uma leitura alternativa em relação ao que se passa com todas as cidades, desenvolvendo propostas de pequenas extensões e serviços com o modo Tram-Train, com sub-redes – ver Figura, exploradas com um sistema de capacidade intermédia, mais versátil e que lhe permitirá responder, urgentemente, a duas questões de ecologia urbana:
a) Ao desenvolvimento sustentável das pessoas e das economias urbana, através dum efectiva descarbonização da sociedade, o que significa poder reduzir-se défice e dívida nos orçamentos municipais e aumentar o emprego e o rendimento disponível das pessoas e melhorar as economias urbanas;
b) Aos orçamentos de exploração e de investimento das infraestruturas existentes e das novas, de modo “a mudar de vida, mudar cidade”.
Até agora, muitas cidades e regiões preconizam alguns destes objectivos mas, entre o discurso político e os programas, continuam a haver desequilíbrios e não respostas integradas para que esse objectivo de desenvolvimento sustentável seja atingido o mais rápido possível. No contexto actual de alterações climáticas e de descarbonização da sociedade, existem várias leituras com vários compromissos para se transformar o modo de produção e de consumo, dando alternativas à sustentabilidade das economias das suas populações. Curiosamente, porque a esta razão está associada à produção do espaço e se prende necessariamente com a articulação entre urbanismo e transporte, interessa rever as condições em que uma infraestrutura e equipamento de transporte colectivo pode ajudar a mudar a ter ganhos e benefícios para as populações, aumentando significativamente a rendibilidade social e a eficiência energética e ambiental do território.
Ora, a terceira razão, é precisamente a excelência da Linha do Oeste poder apresentar uma das chaves dessa sustentabilidade para a região, podendo projectar-se como um actor no ordenamento do território, duma acessibilidade de valor acrescentado na Formação Bruta de Capital Fixo na sua componente mais social, contribuindo para urbanismo compacto, ao contrário do que tem sido o efeito da rodovia – dispersão. De facto, do sistema ferroviário herdado do século XIX, a Linha do Oeste é um eixo estruturante e pode ajudar a desenvolver a Região e as suas cidades, bastando ter uma estratégia de interoperabilidade ferroviária que lhe permita articular os vários centros urbanos das várias sub-regiões – ver Figura e Fotos. Para isso, a Linha do Oeste terá de ter pequenas extensões electrificadas (os tais ramos de árvore) para irrigar tecidos urbanos mas, agora numa lógica de mutualizar o serviço de comboio com o serviço Tram-Train e Cargo-Tram.
Se no caso da Região Oeste com a AML, essa interconectividade pode dever-se à polaridade da AML (caso de Torres Vedras, Mafra/Ericeira e Malveira e um Tram-Train pode integrar essa rede e serviço), já no caso da Região central do Oeste (Bombarral/Caldas da Rainha/Alcobaça/Nazaré com Peniche, Foz do Arelho e Benedita) essa articulação ferroviária é desejável para ser alternativa à rodovia, também, terá de ser articulada com Tram-Train e o Cargo-Tram – a região e as cidades agradecem. O mesmo sucede com a Região norte da Estremadura (Leiria/Marinha Grande com Porto de Mós/Batalha e São Pedro de Moel) não impede que haja essa articulação ferroviária em modo Tram-Train. Pelo contrário, nuns casos até é recuperar o que ainda na década de 30 ainda funcionava – ex: a Linha Porto de Mós – Serra dos Candeeiros – (ver Figura).
A emancipação ferroviária como estratégia de Sustentabilidade das cidades do Oeste
Numa antevisão demográfica, o PNPOT deixa-nos preocupados pois, este desafio da demografia não se pode deixar de articular com a revitalização harmoniosa do território e do sistema de transporte urbano, suburbano e regional. Este sistema carece duma alternativa ao automóvel e o ferroviário deve assumir essa posição estratégica, como se está a fazer em vários países Europeus (A França construiu mais de 20 redes de eléctricos em tantas cidades, nestes 30 anos) e que assumem as redes ferroviárias ligeiras de superfície, como um agente de urbanismo para se corrigirem os desequilíbrios territoriais e económicos.
Ora, esta Visão Estratégica carece de metodologia de Planeamento Estratégico pois, ao colocar um problema de ordenamento do território e de urbanismo para se assumir esse combate das alterações climáticas e melhores condições de vida e de trabalho, em simultâneo, assume-se uma gestão integrada dos recursos naturais e de infraestruturas, a partir da melhor definição dos designados “Transit Corridor Livability” e de políticas de “Transit Oriented Development”. Um caso de estudo ao nível de país, é o que se passa no Estado da Califórnia, em que antevendo projecções demográficas a 2050, passando dos actuais 40 milhões de hab. a 60 milhões de hab., ao contrário de Portugal (10,5 milhões de hab. a 8 milhões em 2050?), desenvolveu um estudo estratégico de linha ferroviária nacional (Alta Velocidade com cerca de 700km entre São Diego e Sacramento/São Francisco), em que o impacto do cenário “Green Urbanism” em comparação com o “Trend Sprawl” tinha ganhos significativos no que diz respeito à pegada ecológica do consumo do solo, da construção da habitação, saneamento, água e energia, além de haver ganhos significativos no rendimento familiar e da saúde pública pela redução significativa dos kms e custos sociais percorridos em automóvel, nomeadamente, na redução de combustível, emissões de GEE e CO2.
Ora, em Portugal não se tem controlado o crescimento da expansão urbana e como é um problema estrutural e grave, os casos de muitas cidades Europeias e Asiáticas conseguirem ter desempenhos com melhor eficiência na utilização dos seus recursos em articulação com o sistema de transporte ferroviário, uma das respostas mais coerente e consequentes em relação à maior integração e coesão territorial e social, é encontrar uma solução ferroviária na estratégia de resposta às alterações climáticas e no desenvolvimento sustentável do país pois, elas merecem toda a nossa atenção, como é caso da Linha do Oeste. Será que os estudos até agora realizados, seguiram esta metodologia? Claro que não, são estudos sem Visão Estratégica e muito menos sem haver a preocupação de colocar o sistema ferroviário com melhor inserção urbana e criar as suas extensões para que esta árvore floresça.
Neste sentido, o eixo ferroviário da Linha do Oeste, terá de saber incorporar comboio (pesado) com o sistema de capacidade intermédia (Tram-Train e Cargo-Tram) pois, só assim, é que se pode retirar as pessoas do automóvel. Para isso, os vários centros urbanos, sejam eles turísticos sejam eles de intensa actividade económica, merecem um ordenamento em que o modo ferroviário é fundamental, tal como o é na Região de Karlsruhe, em que o sistema ferroviário é integral e versátil, servindo os objectivos de urbanismo e transporte sustentáveis.
Por isso, a proposta que se colocam àqueles que querem ter um sistema ferroviário como instrumento fundamental desta estratégia de sustentabilidade, terão que fazer muito mais do que limitar a considerar uma hierarquia de rede como se tratasse duma rede rodoviária com hierarquia e estrutura, em que a classificação se faz só de acordo com volumes de tráfego. Terão de fazer Planeamento Estratégico com instrumentos como o PDU (Plano Deslocações Urbanas) e o ECOT (Esquema de Coerência Territorial), como se faz, por exemplo, em França, na Alemanha, nos EUA. Não se está perante uma linha de “Alta Velocidade” mas, está-se perante a interoperabilidade ferroviária, uma semente que pode dar outros frutos, como aliás, a região do Oeste sabe plantar, se houver ramos e folhas na árvore.
1 Ver static.newclimateeconomy.report/wp-content/uploads/2015/03/public-policies-encourage-sprawl-nce-report.pdf
2 Apesar dos compromissos internacionais da COP21 (Paris) e da COP25 (Marrocos), Convenant of Mayors, ONU/UNHABITAT (Quito 2016), continua-se a investir em rodovia, estacionamento público e privado; a não criar rede de TC com elevado nível de serviço para se ser menos dependente do automóvel; a não se impor a redução do volume de circulação e de estacionamento automóvel dentro das cidades; a não reduzir a velocidade de circulação e as emissões de GEE e de CO2, nomeadamente aquilo que seria uma campanha de “Visão Zero” (Zero emissões, Zero acidentes e Zero Desperdício. Continua-se a ignorar a necessidade de elaboração do PDU (Plano deslocações Urbanas) e da Conta Pública do Sistema de Deslocações do sistema regional ou de cada comunidade urbana.
3 Ler “Prosperity Without Growth” (Tim, Jackson, 2009) e “A produção do espaço” (David Harvey, 2005)
4 Ver urbanfootprint.com/case-studies/vision-california/
5 “Sustainability and City, overcoming automobile dependence” (Newman, P. and Kenworthy, J., 2000)
6 www.calthorpe.com/regional-corridor-planning
*MsC em Transportes (IST,1997/9)