A Previsão do Ano do Coelho

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Saikiran Datta
Investigador

Dizia um antigo proprietário agrícola que a presença do coelho no seu terreno era o sinal da ruína, ao contrário do seu significado no calendário chinês – associado à longevidade e à prosperidade. Pressentia que os caçadores seguissem o rasto deixado pelo coelho salvagem, concessionando o uso da sua propriedade privada para fins cinegéticos. As pegadas do coelho tornar-se-iam um trilho de passagem. Uma servidão de passagem pelo terreno alheio quando cedido aos aldeãos vizinhos o acesso à água de uma fonte construída sobre uma nascente. Uma linha divisória quebraria a unidade da propriedade em duas parcelas que sui heredes reclamariam. O agoiro que o coelho anuncia quanto ao futuro – à vida e aos bens – do de cujus. Encravado o acesso comum às árvores cítricas, a servidão transformar-se-ia num objecto azedo de disputa entre as duas quintas. Ligando povoações, a passagem serviria como um atalho pedonal para os aldeãos percorrerem, ao som dos grilos e do riacho.
Com a passagem do tempo, chegaria a necessidade de alargar o caminho rural para transitar automóveis, alcatroando-o numa estrada. O coelho engorda mais expectativas. A junta da freguesia, deliciando das águas, reclamaria ser a proprietária da fonte. Localizada na berma, esta constituiria um bem público. O coelho orienta-se sem cadastro. Os terrenos rurais, valorizados pela alteração do uso do solo, seduziriam propostas para construir moradias, emparcelando-os em lotes urbanos. Nesta corrida, a própria autarquia projectaria negócios. Compra e venda de bens na intersecção de interesses imobiliários especulativos à custa da propriedade agrícola. A prosperidade de um ou a ruína de outro, a astucia comercial comanda caçar tais oportunidades. O coelho veloz sabe desviar obstruções. Apareceriam imobiliárias prontas a multiplicar diversos negócios da China. O direito real de gozo usufruído pelo coelho, agora em sentido giratório, ligaria outras estradas por onde passariam pessoas e mercadoria.
Para se desfrutar dos proveitos da ruralidade, os caçadores destrui-la-iam numa atitude de res nullius. As explorações industriais, inseridas nas reservas ecológicas, florestais e agrícolas, ou ainda nos parques naturais, modificariam a morfologia do terreno e contaminariam a linha de água. Idêntico às tocas do coelho, estas explorações, como aquelas que ruíram, em 2018, a Estrada Municipal 255 entre Borba e Vila Viçosa, lurariam lucros à custa da integridade da paisagem. Já se entende como o coelho, carregado a lítio, dura e prospera.
Podemos considerar o ‘ano-coelho’ uma unidade para medir o desbravamento do meio rural. Uma mera presença ilícita conduz ao nexo de causalidade quando desencadeia danos sucessivos à ruralidade ao ponto de alterar, sem responsabilidade, o rumo da sua direcção. Válido o raciocínio do agricultor que previra o fim da sua propriedade agrícola aquando da aparição daquele primeiro intruso. ■