A queda do muro

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Quando esta crónica sair já terá caído o governo mais breve da história da democracia portuguesa. Com ele cairão vários mitos contemporâneos que têm alimentado a narrativa política dos últimos anos e até das últimas décadas. A indigitação de um governo de esquerda com apoio parlamentar do PCP e do BE será uma espécie de queda do último muro ideológico do ocidente.
Porém, o facto de se ter uma democracia saudável a funcionar em pleno não deve ser motivo de euforia à esquerda, como não pode ser razão de histeria à direita. É só mesmo a democracia a seguir o seu caminho e a convocar novas possibilidades de composição do poder, apesar de ter levado 40 anos a chegar a esta possibilidade ela não encerra nada de anormal, a não ser talvez esse tempo demasiado longo que cumpriu até chegarmos aqui.
À esquerda não se recomendam euforias, apesar de algumas boas notícias que o governo anunciado nos trás. Foram precisos anos e anos de austeridade assanhada do governo troikista para o BE e o PCP aceitarem apoiar um programa de governo que até há uns anos mereceria o seu repúdio. Se alguém pensa que estamos perante um programa radical de esquerda, ou em face a projecto social de extrema-esquerda, desengane-se: O que foi aprovado foi um programa ligeiro de alívio do troikismo radical dos últimos quatro anos. A reposição gradual de algumas condições de vida que aliviarão os sectores mas sacrificados pelo governo mais à direita da nossa terceira república.
Entretanto a direita também já pode parar com a histeria das últimas semanas. A bolsa não vai colapsar por qualquer motivo interno, as exportações continuarão a funcionar e o Sol vai continuar a nascer a Oriente e a pôr-se a Oeste. Os tratados internacionais vitais que Portugal subscreveu continuarão em vigor, ainda que muitos portugueses não se revejam neles. A continuidade da pertença ao espaço europeu e ao euro não está posta em causa, mas passará certamente a ser mais discutida. O que em si, só nos tráz mais vantagens que decorrem do debate, do confronto de ideias, do questionar invés de aceitar certezas de outros sem ousar pô-las em causa. Cumprem-se os tratados, cumprem-se os compromissos, vários, incluindo eventualmente o défice orçamental que a direita nunca cumpriu, e imagine-se, cumpre-se a constituição.
E para as Caldas? O que é que ganhamos com esta mudança de governo? Que nestas coisas há quem goste de apontar a mira paroquial e ver quais são os ganhos e prejuízos mais directos. Tirando a rotação de cadeiras que nos vão devolver alguns figurões e figurinhas, o ganho decorre apenas de passarmos a fazer parte de um todo, de que sempre fizemos, que terá uma governação mais justa e equilibrada. Quanto aos figurões e figurinhas, pouco ou nada ganhamos ou perdemos em ter um Ministro dos Assuntos Parlamentares com residência oficial na cidade. Pouco ou nada ganhamos ou perdemos em ter um Secretário de Estado do Ambiente das Caldas, a julgar pela incompetência técnica (deliberada?..) com que tem sido conduzidas as dragagens na Lagoa de Óbidos, ou a forma irresponsável como avançou recentemente o novo resort no Bom Sucesso, apesar de todo o insucesso dos anteriores, sem uma palavra, um gesto, uma decisão que se impunha das autoridades competentes a suspenderem tal atentado ambiental.
E ainda se podia acrescentar ao rol, se não me levassem a mal a ironia, que o maior ganho para as Caldas será voltar a ter uma vereadora da cultura a tempo inteiro.

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