Ao Luís Barreto, da Secla

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Há homens que por mais que tenham realizado, se mantêm numa total penumbra, fugindo dos holofotes, por iniciativa própria, dando tudo com uma generosidade enorme, colocando acima de tudo o interesse da coletividade.
Fala-vos do meu grande amigo Luís Barreto.
O Luís Barreto da Secla. Era assim que era conhecido. São vários irmãos, todos jogavam ténis, todos são Barreto, logo a distinção para identificar-mos o Luís era acrescentando o nome da empresa onde trabalhou e que tanto amou. Se alinhavo estas letras é porque perdi um amigo. Alguém que eu muito admirava.Conheci o Luís Barreto, quando entrei no CCC (Conjunto Cénico Caldense), vindo do teatro da Escola Rafael Bordalo Pinheiro.
Percebi no imediato, como era afetuoso, para com os mais novos.
O brilho que deixava irradiar dos seus olhos, demonstrando uma alegria enorme por ver chegar gente nova ao CCC, onde a sua mulher a Estefânia Barreto, representava como poucos e tantos êxitos deu às Caldas.
Foi no tempo da sua Presidência, que se sentiu uma maior abertura à participação dos jovens, inclusive a dançar, pelas mãos do Zé Correia.
Foi no seu tempo de Presidente da Direção, que um jovem como eu participou no elenco diretivo.
Foi no seu tempo que um grupo de jovens dentro do CCC, escreveu, encenou e representou a peça “Caldas Dia a Dia”, que originou grande burburinho, tendo sido proibida de voltar a ser representada pela Pide.
Foi com ele à frente do CCC, que jovens levaram à cena a peça de teatro, proibidíssima, de Bertolt  Brecht, “A Exceção e a Regra”.
Incomodado pela pide, nunca se queixou, nunca se exibiu, mantendo aquele registo que sempre o caracterizou.
O Luís Barreto, obreiro de uma nova era que então se iniciou no CCC, teimava em não aparecer, em não se mostrar, preferindo o princípio de que tudo o que acontece nunca é obra de um mas de um grande número de pessoas.
Devo ao Luís Barreto, ter-me dado a possibilidade de ir mais alem, de ver aumentado em mim a curiosidade.
A ele se deve a recuperação da Azenha, na Quinta de St. António, transformando aquele espaço, naquilo que todos desejávamos que fossem as nossa vidas, um espaço livre e de liberdade.
Com ele assisti ao vivo na Azenha do Inferno, ao Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, ao Padre Fanhais, Luís Cila, José Jorge Letria, Fausto, e tantos outros.
Aquele espaço foi na minha juventude a possibilidade do meu encontro com uma certa rebeldia saudável, onde pontificavam artistas, escritores, pintores, e outros intelectuais.
Foi lá que pude começar a apreciar obras plásticas do Ferreira da Siva, Figueiredo Sobral e outros.
Foi lá que pela primeira vez vi um poster com a imagem do Che Guevara.
Este espaço fantástico onde a poesia pela voz da Estefânia Barreto me abria horizontes de esperança.
Mas o Luís Barreto tinha ainda um grande coração solidário. Eu mesmo fui também beneficiário dessa veia solidária e amiga.
Cada um de nós cresce envolto num casulo cujas referências nos marcam pela vida fora.
Tenho-me como um homem feliz, pois as referências que estão no meu coração são muitas.
O Luís Barreto não foi para mim um pai, nem um irmão mais velho, nem um protetor, nem um educador, nem um mestre, ele foi o que sempre quis ser, um anónimo, um espaço, um ser, que tínhamos que descobrir, que tínhamos de encontrar, para depois desfrutar para toda a vida.
Adeus meu grande Amigo. Um grande beijo.

Jorge Sobral