De Ana Filipa a António Capela – pode ser este o título a ligar a prática semanal à minha memória dos ciclistas na estrada. De um lado Ana Filipa que ordena 15 minutos a pedalar num ginásio onde os diversos aparelhos são a liturgia de um novo culto – um corpo mais perfeito sem toxinas e mais elegante sem adiposidades. Do outro lado António Capela que no jornal Sporting e na revista Flama publicou centenas de fotos a preto e branco dos ciclistas do seu Clube. Leonel Miranda, João Roque, Joaquim Agostinho, Firmino Bernardino, Emiliano Dionísio, José Amaro, Joaquim Carvalho, Manuel Correia – cada nome é uma memória viva com Manuel Graça a sonhar vitórias no carro de apoio. Eles saem da Alameda das Linhas de Torres, descem a Calçada de Carriche e lá seguem por Loures em direcção às estradas do Oeste. Param sempre no Gradil, terra de ciclistas e de paixão pelo ciclismo.
Quando pedalo 15 minutos na minha bicicleta não saio do mesmo lugar e sonho com outras paisagens. Nos olhos de Ana Filipa se projectam as neblinas da Ericeira, a chuva da Encarnação, o fumo dos fornos do Barril, as vinhas verdes de Torres Vedras. E os areais sem fim do meu Oeste com o puro iodo – na praia de Santa Cruz há um poema nipónico traduzido pela nossa amiga Kioko. Nas minhas manhãs de treino há uma memória que me conduz aos casais à beira da estrada onde os cães ladram a avisar, onde as mulheres suspendem o gesto de estender roupa e onde o fumo é indicador da vida a nascer todas as manhãs. Na Rua do Sol ao Rato, na voz de Ana Filipa, estou a ouvir as cantigas das mulheres do Oeste, nas suas tarefas repetidas mas sempre felizes. Por isso os ciclistas de António Capela se voltam para os casais. A manhã do treino tem o usufruto da contemplação da beleza quotidiana desta paisagem povoada.
José do Carmo Francisco