O cachecol do artista / Mais democracia

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O mundo ficou subitamente mais confuso com a eleição do novo presidente americano. De um modo geral ninguém quer acreditar que seria possível eleger tal personagem em qualquer país europeu. Na América muitos também não acreditavam, e no entanto, deu no que deu. Muitos temem agora que um novo período sombrio tome conta do mundo, um lugar que, em geral, já não está lá muito famoso. E justamente por não andar assim em grande forma, o mundo começa a procurar soluções mais estranhas e que excedem os limites do bom senso, que até há pouco seriam inimagináveis.
Ainda há pouco tempo se assinalaram 70 anos sobre o fim da Segunda Guerra Mundial e vemos agora ressurgir, no sítio mais improvável, uma direita que traz consigo os tiques do autoritarismo, da xenofobia e do racismo, apoiada numa ignorância arrogante, sexista, com promessas de violência, que porém se legitimou num acto eleitoral. Não é nada de inédito que demagogos e inimigos da democracia cheguem ao poder de forma democrática. O perigo é que uma vez aí chegados a queiram destruir. Toda a atenção é necessária nos tempos que correm, sobretudo quando estes populismos prometem alastrar perigosamente.
Aos problemas das democracias só se pode responder com mais democracia e não com menos democracia. Os regimes democráticos só podem evoluir tornando-se mais participativos, mais inclusivos, mais justos. Este caminho só se consegue trilhar com mais militância cultural, com uma cidadania activa e actuante. Não falamos aqui da cultura ou da cidadania como uma flor à lapela, como tantas vezes as vemos instrumentalizadas. Nestes tempos, que nos levantam questões tão sérias, não podemos brincar com a qualidade do ensino, a afirmação das humanidades, a promoção da leitura e da literatura, os incentivos ao teatro e ao cinema, não só no consumo mas sobretudo na produção. No acesso às artes bem como na valorização da ciência, na atenção ao património, no estudo da história, de uma forma activa e militante, estará a resposta aos falsos profetas. No conhecimento, na memória, no estímulo à capacidade crítica, na centralidade da ética encontraremos o futuro e a consolidação da democracia.
Chegados aqui pela mão do individualismo, que sub-repticiamente foi promovendo o egoísmo como traço dominante das relações humanas e conseguiu assim relativizar tudo o que foram conquistas sociais e colectivas, já é tempo de voltarmos a valorizar o que é de todos, o que é colectivo, que foi conquistado socialmente, não contabilizável em qualquer ganho individual, mas que nos remunera a todos. Um bom exemplo destas conquistas sociais é o nosso sistema nacional de saúde, outro pode ser o ensino público, universal e gratuito. Sem estes dois pilares, a nossa democracia não tem substancia. Desinvestir nos mesmos é abalar a nossa sociedade no que ela tem de melhor.
Durante anos fomos embalados numa conversa de “betão & alcatrão” com muitos fundos europeus e investimentos dos “mercados” a favorecerem belos negócios às empresas do regime e a constituição de boas fortunas individuais pelo caminho. Nada contra se isto não tivesse sido feito com o sacrifício do bem-estar colectivo, com o desinvestimento no que nos proporciona melhores condições de vida, como um bom Serviço Nacional de Saúde e uma Escola Pública a funcionar devidamente.
Agora há que investir nas pessoas. Pôr o país a funcionar melhor, dando mais condições aos serviços, contratando aqueles que têm trabalhado sem condições laborais dignas, como os subcontratados da saúde ou os auxiliares educativos que são trabalhadores precários há anos a fio. Pela democracia. Por todos nós.

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