O CACHECOL DO ARTISTA | Inauguracionismo

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A lógica de “obra feita” continua a dominar a mentalidade do poder autárquico. A julgar pela edição anterior da Gazeta das Caldas não faltarão obras para inaugurar nas próximas eleições autárquicas, previstas para outubro de 2017.

A requalificação do complexo desportivo municipal proporcionará, ao executivo em exercício, a já tradicional inauguração pré-eleitoral de que se alimenta há décadas o PSD caldense.
Não está em causa a valia da obra proposta. A mesma é necessária e vai certamente qualificar a envolvente dos equipamentos que já existem nesta zona da cidade, conferindo-lhe uma harmonização e um sentido de conjunto. O projecto anunciado parece ter características interessantes e apontar para um novo paradigma urbano de valorização ecológica e de sustentabilidade energética. Como as autarquias estão viciadas em candidaturas a financiamentos comunitários e a lógica deste investimento público contínua disponível para este tipo de obras, os nossos autarcas lá vão “investindo” como podem. Garantido o financiamento, faz-se a obra e garante-se igualmente a respectiva inauguração, que isto de eleições de quatro em quatro anos exige muitos metros cúbicos de betão.
O problema não é a obra, a sua valia, necessidade ou oportunidade. A questão nesta obra como noutros equipamentos sociais, da responsabilidade da autarquia, é o pós-inaugural. Ou seja, depois do desterrar da placa, depois da banda filarmónica recolher os instrumentos e de se enrolar a carpete vermelha, o que é que acontece aos equipamentos sociais? Sejam eles destinados ao desporto, à cultura ou ao lazer, que estão sob alçada municipal, directamente ou por interposta pessoa. Os exemplos de subaproveitamento abundam pela cidade: a começar pelo Centro de Artes, passando pelo Centro de Juventude, estendendo-se ao CCC. Fizeram-se as obras mas não se fizeram os investimentos em contratação de pessoal suficiente para os pôr a funcionar ao serviço da população. Resultado: uma programação minimalista com o objectivo prioritário de produzir algumas notícias na imprensa local que lá vão dando tímidos sinais, numa espécie de “serviços mínimos” ou “prova de vida”, que satisfazem as miserabilistas expectativas sociais e culturais dos nossos excelsos autarcas e de quem os elege.
Neste caso da requalificação do complexo desportivo foi o próprio Presidente da Câmara que assumiu de imediato que não haverá contratação de mais pessoal para fazer funcionar este conjunto de equipamentos: ou seja, requalifica-se uma zona, investem-se recursos para a tornar mais atraente e mais apetecível à população, esperando que a mesma adira e possa usufruir mais e melhor, mas não se investe em pessoal e programação para a fazer funcionar devidamente. Este caso exemplifica lapidarmente como a autarquia caldense não tem qualquer política cultural, social, ou desportiva dirigida à população em geral. Tudo o que vá para além de “fazer obra” continua a ser um confrangedor deserto de ideias. É pena.
É uma pena que as três instituições mencionadas acima tenham de funcionar em sub-programação e não possam prestar um serviço mais efectivo aos caldenses. Uma criança ou um jovem caldense, que complete o ensino obrigatório nas Caldas da Rainha, consegue faze-lo sem nunca visitar o Centro de Artes, o CCC ou o Centro de Juventude. Sem ser convidado, ou desafiado para aí visitar uma exposição, assistir ou participar num espectáculo, frequentar um workshop. Estas instituições não integram um programa de actividades que envolva os jovens ou qualquer outro público em projectos artísticos ou culturais como seria, ou melhor é, sua obrigação fazer. As autarquias, as candidaturas e as orientações europeias enchem a boca de cidadania e de democracia, mas não estão verdadeiramente interessadas em promovê-las. O que interessa são negócios imediatistas, de curto prazo: obras. Que deem boas inaugurações.