Esteve recentemente nas Caldas da Rainha e em Óbidos Charles Landry, um dos mais importantes pensadores da cidade em transformação, ou se preferirmos outra formulação, da cidade enquanto espaço de mutação constante num mundo globalizado e sempre em movimento. Tornou-se, a par de Richard Florida, um dos mais influentes pensadores na área das “cidades criativas” um tema que emerge como um modelo de sucesso de regeneração urbana e social, sobretudo em cidades que em algum momento enfrentam problemas de decadência, crise económica, falência de sectores tradicionais, aumento do desemprego, etc.,
Neste modelo, que durante algum tempo, recolheu o entusiasmo de alguns académicos e responsáveis políticos, a “classe criativa” conforme a enunciou Richard Florida seria o motor da regeneração social trazendo consigo os territórios para a contemporaneidade pelo afirmar de sua cultura urbana. Seguindo o principio dos três “T’s”: talento, tecnologia e tolerância, o surgimento de uma classe criativa estaria garantida com o aparecimento de empresas tecnológicas, ligadas ao marketing, comunicação, internet e industrias culturais, como galerias de arte e pequenos ou médios centros culturais. A cena urbana ficaria completa com uma pujante vida social nocturna e uma oferta cultural alternativa onde cada cidadão é também um agente cultural activo e dinâmico.
Estas ideias fizeram o seu caminho, na teoria mas também na prática, dentro dos muros das academias e a partir de algumas experiências em cidades que enfrentaram problemas de decadência e degradação. Recolheram a atenção da comunidade académica adjacente a estas problemáticas, e sobretudo o de autarcas que acreditaram estar perante um novo mapa do tesouro. Alguns acreditaram mesmo estar perante um autêntico roteiro de infalibilidade para o sucesso garantido das suas políticas.
Entretanto passaram já cerca de duas décadas sobre as primeiras experiências, e os resultados nem sempre são tão entusiasmantes quanto seriam as expectativas iniciais. O modelo não é indefinidamente replicável e o molde, de que Landry e Florida são os principais gurus, também não tardou a apresentar as suas fragilidades: os seus principais beneficiários foram os que já estavam instalados e já eram privilegiados, as diferenças de classe, de género, ou raciais viram-se agravadas. Certas regenerações imobiliárias de bairros e cidades começaram por afastar a população autoctone, passando por um processo inflacionário, para sofrer as consequência do efeito “bolha” quando esses sítios passam de moda. A principal conclusão talvez seja a de que não há receitas infalíveis, ou reproduzíveis “ad infinitum”. Cada cidade, cada território, tem as suas características e as suas idiossincrasias próprias. O melhor é ter a capacidade de fazer um bom diagnóstico local e procurar os recursos intrínsecos que se possam convocar e potenciar em cada caso.
Apesar da receita de Charles Landry não se ter revelado tão miraculosa quanto os seus apóstolos desejavam, a sua visão não é desinteressante de todo, sobretudo para uma cidade como Caldas da Rainha. Na maioria das pequenas cidades portuguesas, digamos de província, longe dos grande centros universitários a visão de Landry é algo de esotérico e com pouca adesão à realidade. No entanto nas Caldas da Rainha e por força da presença da ESAD – Escola Superior de Artes e Design, a teoria de Landry ainda deve ser estudada, com os necessário distanciamento crítico de sabermos que há diferenças culturais profundas entre a nossa realidade e o mundo anglo-saxónico que Landry trabalha e estuda. Porém a nossa proximidade à ESAD, às artes, às novas tecnologias, a um ambiente estudantil e boémio, confere-nos algum potencial diferenciador que importa compreender e apoiar. Definindo, por exemplo, políticas de inclusão, integração e fixação de jovens que passem pelo acesso à habitação com rendas acessíveis.
Lino Romão
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