Câmara da Nazaré: a dívida nunca saldada

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O Teatro da Rainha, no âmbito de um protocolo centrado na ideia de desenvolvimento das potencialidades do teatro na Nazaré, realizou um conjunto de projectos nesta terra. Esses projectos traduziram-se na concretização de espectáculos de matriz comunitária – Zaragatas em Chioggia, de Goldoni, extraordinária peça sobre a vida e amores de uma comunidade piscatória, A boda, de Tchecov – na apresentação de espectáculos tanto no Chaby Pinheiro como no cine-teatro, assim como num trabalho de animação teatral junto da Universidade Sénior, trabalho esse que teve também os seus momentos de apresentação pública. Foram anos de trabalho dedicado em que investimos para além do labor artístico e pedagógico os nossos meios técnicos e equipamentos de diverso tipo, o que só um trabalho de grande entrosamento com os participantes nazarenos explica. Na realidade só o conhecimento do meio e das possibilidades do teatro nesta terra podem explicar o êxito destes projectos. Os espectáculos, várias vezes apresentados, tiveram sempre sala cheia tendo as “Zaragatas” feito mais de 1.200 espectadores. O gosto de fazer teatro e a possibilidade de uma actividade amadora orientada profissionalmente foram repostos depois de anos de vazio na sequência do projecto falhado – e pouco sério – da companhia profissional que se tentara instalar e que deixara uma memória negativa que tivemos de superar através de trabalho digno e de uma orientação séria tanto artística como comunitária. (…)
Esta colaboração cessou desde há uns anos porque a autarquia rompeu os compromissos financeiros que tinha assumido connosco. Esta autarquia deve-nos 21.000 euros desde há mais de cinco anos. Depois de inúmeras reuniões com os responsáveis anteriores da autarquia e agora com os actuais, depois de inúmeras cartas, depois de tentativas diversas de compromisso, nada se resolveu. Esta atitude da autarquia revela um desprezo pelos próprios compromissos assumidos que explica muito o que é o universo da política – pequena – em Portugal. Lamentamos que assim seja pois fizemos diversas propostas de resolução do problema. Todas elas foram muito bem recebidas em reuniões, mas depois nada saiu desses encontros mais do que terem acontecido. Pura perda de tempo. É lamentável que com tanta conversa sobre credores e devedores se esqueça que os credores não são todos amigos da senhora Merkel e que há aqueles que apenas esperam que lhes seja pago o trabalho feito. Quisemos aliás continuar a actividade, tanto mais que o nosso compromisso – e da autarquia – era essencialmente para com o projecto e população da Nazaré. Esta autarquia actual já nem responde às nossas solicitações, pelo que tivemos de proceder judicialmente. Esta denúncia pública vem depois de todas as tentativas de solução desta questão. Os gestores da coisa pública não se podem comportar como se fossem donos privados dos meios de todos, em particular financeiros, nem devem deixar os seus interlocutores, particularmente aqueles com que têm compromissos assumidos, sem nenhum tipo de resposta, a democracia é o compromisso e o esclarecimento constante das coisas e a superação acordada dos diferendos, a isso chama-se política democrática como modo de a fazer. Sabemos que a justiça portuguesa é lenta e que certamente a autarquia conta com isso. Em Portugal as coisas prescrevem, os compromissos esquecem-se e a os anos passam. Não deve no entanto ser esse – gerir as coisas ao sabor das correntes – o comportamento de instituições que deveriam face à legitimidade democrática que lhes assiste, pelo menos honrá-la. Não é defeito estar numa situação precária em termos financeiros, mesmo que isso venha de má gestão e de projectos disparatados de governo local, o que não faz sentido é apagar os procedimentos democráticos do comportamento com os outros, fechar a porta às soluções negociadas numa lógica adulta, entre pares. Infelizmente a República das Bananas, esse maravilhoso reino de competência e democracia, está instalada.
Já passaram muitos anos, certamente vão passar mais, seja como for a partir de agora o calote fica desnudado. E é uma pena pois nem tudo a onda resolve, muito menos é vida o turismo massivo sazonal – fica o resto do ano por viver e há quem na Nazaré seja de lá e lá viva, não vá lá apenas passar as férias. A Nazaré merece mais que este tipo de atitudes e governantes.

Fernando Mora Ramos
Director do Teatro da Rainha

NR – Gazeta das Caldas contactou a Câmara da Nazaré, convidando-a a comentar o teor desta carta, mas não obteve resposta.

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