O poder dos Estados democráticos requer não apenas que o seu princípio de legitimação seja o voto como também que no seu exercício se proceda à divulgação no espaço público das matérias que se encontram em processo de elaboração para posterior legislação.
Só assim a participação pública pode exercer o seu direito de opinião e de proposta para que as soluções encontradas não fiquem sujeitas à tirania do curto e sejam criadoras do mais largo consenso esclarecido.
Neste quadro geral, considero que, no tocante à matéria da reorganização da saúde no âmbito regional, que se liga directamente com o estatuto do CHON, fomos postos perante um enorme véu de ignorância, sem informação fundamentada da proposta do Governo, que alimenta suspeitas, equívocos, precipitações que só contribuem para a erosão da imagem do actual Governo e do poder autárquico, na sua dança titubeante em que conta a verdade e o seu contrário.
É plausível pensar que a nível central paire indefinição e incerteza a nível conceptual quanto ao que deve ser feito, a que se acresce a precipitação voluntarista de ir para a frente com uma decisão tomada com base no medo do Titã (Troika) e numa fé economicista de curto prazo.
Mas isso deveria constituir razão acrescida para aquele, mostrando capacidade para converter o disjuntivo “isto ou aquilo” no aditivo “isto e aquilo”, partilhar com o poder regional, com os trabalhadores hospitalares (cujo ponto de vista feito de experiência concreta e saber é um dado fundamental em toda a apreciação), com a comunidade local todos os aspectos atinentes à dita reorganização.
Assim, a tecnicidade e complexidade do assunto exigiria que o decisor político procurasse a obtenção do mais amplo consenso, através de uma deliberação no espaço público.
Não tem sido neste sentido que o poder central se tem orientado. Como se comprova pela actuação que a Câmara de Peniche tomou, ao surgirem rumores na comunicação social sobre a reorganização da saúde, de pedir por duas vezes (há quatro e há três meses) uma audiência ao ministro da Saúde, mas sem ter recebido resposta.
A justeza da atitude da Câmara de Peniche, leva-me a interrogar se a autarquia das Caldas teve idêntico procedimento. O que é certo é que, nas últimas duas semanas, esta, directa ou indirectamente, desmultiplicou-se numa série de iniciativas políticas, que a Gazeta das Caldas divulgou nas suas duas últimas edições: um comunicado da Comissão Política do PSD; a realização de uma Assembleia Municipal, no dia 21 de Fevereiro (note-se que por convocatória do PS); e uma conferência de imprensa da Câmara, no dia 20 de Fevereiro.
Considero que há vários aspectos positivos do conteúdo divulgado, nomeadamente o empenhamento da Câmara em ser parte activa da solução do Termal e o apelo a todos os partidos na defesa do Hospital, se possível enriquecido com novas valências. É um bom ponto de partida a assumir na prática concreta e continuada.
Mas considero que esta atitude da Câmara é tardia, na medida em que não surgiu como iniciativa autónoma e só foi tomada para responder aos desafios da oposição e para dar sequência ao pedido de uma audiência ao ministro da Saúde, com carácter de urgência, tomada na reunião do Conselho Executivo da Comunidade Intermunicipal do Oeste, a 9 de Fevereiro.
Dado que as notícias da comunicação social sobre o encerramento de valências hospitalares e unificação da gestão hospitalar no âmbito do CHO (Centro Hospitalar do Oeste), sediado em Torres Vedras, se iniciaram já há cerca de quatro meses, interrogo-me como munícipe se tal facto não terá preocupado a autarquia.
E se a resposta for positiva, então o que fez? Limitou-se a esperar ou a olhar para o lado? Ou pediu alguma audiência como o senhor ministro da Saúde? E se essa entrevista foi pedida, porque não foi divulgada? E se nada se fez, pelo menos porque não foram informados os munícipes no site da Câmara da reunião da Comunidade Intermunicipal do Oeste referida, a 9 de Fevereiro, onde o senhor Presidente esteva presente e onde, face às perplexidade sobre o novo enquadramento da saúde regional, se pediu uma audiência ao senhor ministro?
Interrogo-me também, em face da atitude contemporizadora expressa no comunicado da comissão política do PSD em relação às posições do poder central quanto ao novo regime do Hospital, como pôde o Presidente da Câmara afirmar na reunião da Assembleia Municipal que a gestão daquele ficaria nas Caldas e algumas valências seriam reforçadas?
Que valor têm estas afirmações quando se sabe que o novo modelo de gestão será unificado no CHO, a sediar em Torres Vedras, tal como se depreende da comunicado da Comissão Municipal de Acompanhamento do Hospital de Peniche de 15 do corrente? (cf. última edição da Gazeta). Trata-se de expressar um estado de alma do senhor Presidente ou há alguma informação credível que garanta a convicção expressa?
Concluindo: no meio desta confusão voluntária, alguma tramóia se vai urdindo no Olimpo, com a prepotência encapotada por um sentido oportunista por parte da ARS de descer às bases para informar do inelutável, com retoques que não alterem a substância.
A Câmara não teve uma visão estratégica sobre o assunto, tomando a iniciativa de se apresentar ao Ministério da Saúde como um interlocutor com um plano próprio sobre o assunto, assumido com a oposição, ficando assim na dependência da decisão central e limitando-se a um esforço, ainda assim meritório, de minorar os males.
É este o sentido principal das afirmações prestadas nos auditórios referidos pelo senhor Presidente da Câmara, em que se distingue, a custo, o certo do provável ou do hipotético.
O poder local, que emana dos munícipes, desligitima-se in actu sempre que não faz valer a força das suas razões e se submete contra-natura à teimosia do pater famílias, que decide que assim é porque assim tem de ser, apenas e só.
Não terá isso acontecido mais uma vez por inércia de quem está no terreno?
Vasco Tomás