Como se fosse hoje

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Gazeta das Caldas
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Recordo como se fosse hoje o meu primeiro dia de escola. O oficial, o dia mesmo a sério.
A verdade é que, antes, já eu andava com a minha Mãe a caminho do Arelho, na pré-primária possível, juntamente com todos os meninos e meninas das quatro classes. Sala pequenina, carteiras e cadeiras também pequeninas, de madeira escura. Quadro enorme de ardósia preta, giz branco e muito pó de giz pelo ar… Sólidos geométricos em madeira na caixinha e um grande mapa colorido do Portugal de então, do Minho a Timor. No recreio, cantigas de roda, muita apanhada, saltar ao eixo, e também berlindes, mas isso era mais para os rapazes. Foi lá, entre ditados, contas, redações e brincadeiras com o Sérgio, a Zezinha, o Octávio, a Valentina, a Leonor, a Ilda, a Maria e tantos outros, que fiz a minha primeira classe, embora ainda não andasse oficialmente na escola…
Mas o dia que conta mesmo faz agora 46 anos. No início de outubro, que nesse tempo as aulas começavam sempre depois do feriado da implantação da República. A minha mãe deixou-me na Rua D. João de Ornelas, antes da Estalagem do Convento e lá fui eu. Bata branca compenetrada. Agora já era grande.
À entrada, na Escola dos Arrifes, montes de caras novas e montes de mães de caras novas. Por momentos, senti-me perdida. Foi tudo muito rápido… Meninas para um lado, rapazes para outro, depressa começou a rotina dos cadernos, das canetas de tinta permanente ‘para não estragarmos a letra’, das provas em papel de 35 linhas, com uma dobra do lado esquerdo, da tabuada de cor e salteada, dos longos papagueares de rios e linhas de caminho de ferro. Também das reguadas, que os tempos eram outros – e desta parte não há saudades nenhumas. Mas foi também o tempo do saltar à corda no recreio, de jogar à macaca, e do pão com doce de ginja da avó. Sobram os cheiros, os sons, e os amigos para a vida que fazem parte de nós.
Os anos passaram a correr, muitas vezes nem dei por eles passarem. Mas recordo, como se fosse hoje, o primeiro dia na Telescola, em Óbidos, e depois na Escola das Piscinas e dos Viveiros, hoje Eça de Queirós, em Lisboa. Depois na faculdade. Sempre a sensação de estar a estrear uma vida nova. No outono.
E, como se fosse hoje, o primeiro dia de escola das minhas filhas. As reuniões, agora do outro lado, o dos pais. Conhecer a diretora de turma, os espaços. As listas dos livros, o ter de os forrar – que dispensaria… -, o cheiro dos lápis e das borrachas. Conciliar os horários das atividades e conseguir fazer tudo, num arranjo tresloucado de calendário semanal.
Hoje os netos cumprem o ritual de voltar à escola, agora mais cedo. Chega setembro e lá vão eles a caminho da escola, de um novo ano. Livros e mais livros, material escolar novinho em folha. A inaugurar um tempo novo, deles e de toda a família.
O setembro de cada ano inaugura a métrica do ano. Não sei se é assim com todos. Muito tempo depois de sair da escola, é agora que estreio os meus cadernos e blocos novos, e faço planos e projetos de ser mais organizada, e de tratar dos assuntos que não tratei, e de tudo o mais que não coube na vida do ano passado. Às vezes, apenas ter mais tempo para não fazer nada.
Com muita sorte, serei criança da escola para sempre e vou estrear um ano novo em cada outono.

Cristina Rodrigues
gouvarinho@hotmail.com

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