João dos Santos
professor
Recentemente iniciei a leitura de um livro de Max Liboiron, Pollution is Colonialism (Duke University Press), e a sentir uma curiosidade engenhosa acerca de assuntos do desperdício.
Na primeira metade do século passado foram definidos os termos em que um curso de água mudava de estado, de limpo para poluído. A ideia era conservar o meio ambiente e conseguir uma medida para a salubridade da água, sem impedir o crescimento económico sustentado pelo crescimento demográfico. A ciência utilizada foi exata e séria, os dados colhidos foram validados e a formulação foi adotada e adaptada desde então. Mas o estudo focou-se apenas em cursos de água e nos limites que distinguem contaminação de poluição, ou seja, o ponto a partir do qual um curso de água deixa de se autorregenerar. Não considerou, por exemplo: o aspeto da água, o cheiro, o sabor, a vida em cada curso de água e nas suas margens, ou as suas memórias.
A definição de limite de tolerância universalizou-se por conveniência da então crescente interdependência global dos estados e por parecer uma boa medida na altura. Dada a simplicidade da sua formulação e aparente aplicabilidade sem danos para o homem e, por consequência, para a natureza foi utilizada para legitimar a contaminação dos cursos de água e, expandindo o conceito, a exploração de recursos naturais, como depósitos ou massas compensatórias de desperdícios gerados pela atividade humana – consequência previsível e repetidas vezes anunciada, parece ter sido interpretada como um mal necessário ao crescimento sustentado do planeta.
Porque o conhecimento associado era desconfortável e difícil de traduzir em ações forçosamente enleadas, complexas e, como tal, dificilmente aceitáveis pelos estados ocupados no entrelaçar de relações a uma escala inimaginável até então – e imensurável agora – não se percebeu na altura (e agora se calhar é tarde), que a formulação definidora do limite de poluição de um curso de água, baseada em variáveis verdadeiras e específicas, mas analisadas independentemente de outras, também verdadeiras e específicas, situadas fora do âmbito específico do estudo, como as caraterísticas de cada lugar nas relações com o mundo, definiu a utilização da Terra (e em breve do espaço) como lugar de desperdício.
O livro referido no início começa assim (traduzo): “Em 1956, Lloyd Stouffer, editor da revista americana Modern Packaging, dirigiu-se aos participantes na reunião da Society of the Plastics Industry em Nova Iorque: “O futuro do plástico está no lixo…. Está na altura da indústria do plástico deixar de pensar na ‘reutilização’ de embalagens e concentrar-se na utilização única. Pois a embalagem que é usada uma vez e deitada fora, como uma lata ou uma caixa de papelão, representa não um mercado para alguns milhares de unidades, mas um mercado recorrente diário medido pelos milhares de milhões de unidades”. ■