Crónica do Québec (Canadá)

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O Chão da Parada, o Facebook e nós

Esta semana era uma daquelas em que, depois de seis dias de trabalho, entre a gestão e as vendas, naquele que é um dos períodos mais ocupados na nossa pequena agência de viagens, adicionando pelo meio algumas decisões a tomar, no que concerne o ajustamento anual das rendas da maioria dos nossos inquilinos, como dizíamos, esta era uma daquelas semanas em que apesar do título e do texto da crónica quinzenal já estarem mais ou menos delineados, as ideias ainda não estavam todas no sítio certo.
Normalmente é durante o almoço de sábado, na calma e na tranquilidade dum dos múltiplos restaurantes da zona do nosso comércio, na rua saint denis, onde temos passado praticamente a nossa existência desde 1979, que tomamos a decisão sobre o tema que vamos desenvolver. revemos mentalmente as ideias e a melhor forma de as passar para o teclado, entre uma cerveja e a habitual sandes de frango ou a espetada de filet-mignon. geralmente ignoramos a sobremesa e terminamos com o sempiterno expresso curto, como se diz por aqui, sem acúcar, claro.
Antes de voltarmos para casa, ainda costumamos passar pelo escritório, damos uma vista de olhos pelos emails, ou courriels, para bem falar québécois (e em português, como é que se diz?) recebidos,  e cerca de 15 a 20 minutos depois duma calma viagem, estamos no sossego do lar, para o merecido descanso do que resta de Sábado e do sagrado Domingo. Como muitas vezes acontece, por entre os emails, vários provinham de facebook.
Até aqui nada de novo, mas desta vez, um vinha acompanhado por uma fotografia dos finais da nossa adolescência, e não fora a existência e o reconhecimento imediato da assinatura da mesma, o caminho da dita teria sido, como quase sempre acontece, o delete.
Enquanto nos dirigíamos calmamente para Longueuil, e atravessávamos o Rio São Lourenço, na imensidão das alturas dos cerca de quatro quilómetros, da centenária ponte Jacques Cartier, os sentimentos e as recordações da nossa juventude, transportavam-nos para estados de espírito a que a nossa companheira, costuma chamar de, evasão para o passado. Fazemos nestes breves momentos, a análise do longo caminho percorrido, pelo jeune et insouciant (como gostamos da palavra em francês e detestamos todas as traduções que existem para português) de finais da década de sessenta, inícios da de setenta, do século XX, até chegar onde está hoje. Olhamos para trás, e realizamos que valeu a pena todo o esforço desenvolvido, nesta luta diária que é a vida de todos nós, mas muito mais daqueles que optam por, voluntariamente, abandonar o conforto da terra onde nascem e partem à aventura para espaços desconhecidos. Tivemos talvez a sorte, em termos humanos, que não financeiros, de enveredarmos pelo ramo do turismo, que nos deu a possibilidade de anualmente fazermos pelo menos uma viagem para locais distantes, e assim, Portugal esteve sempre mais perto de nós do que da maioria dos nossos amigos destas paragens, que muitas vezes apenas esporadicamente visitavam os familiares nesse canto da Europa. Felizmente que nos dias de hoje, viajar é uma necessidade ao alcance de todas as bolsas, e até para aqueles que não o podem fazer, existe sempre a alternativa  da viagem virtual.
Chegados aqui, temos de agradecer a um pequeno grupo de jovens multimilionários, criadores de Facebook, e especificamente ao mais conhecido dentre eles, Mark Zuckerberg (será que é Doutor ou Inginheiro ?, não sabemos), que dentro de meia dúzia de meses, e depois de proceder à dispersão nos mercados bolsistas (os malditos mercados como se houve em demasia por aí) duma parte do capital da companhia, passará a ser, exceptuando os que o são por via de sucessão, o mais jovem multimilionário que alguma vez existiu.  Quando comparamos as dificuldades e os custos das comunicações nos finais do século passado com os de hoje, e apesar de termos algumas dúvidas sobre o real valor da companhia (como já as tivéramos acerca de Google, que entrou em bolsa por valores que na altura achávamos inflaccionados, mas que depois disso, sempre a subir, nunca mais voltou ao valor a que foi fixada a OPA) cépticos de que os beneficios  dos rendimentos publicitários desses sites, se possam manter, e, tal como aconteceu com outros, como Alta Vista ou Yahoo, irão apenas manter-sAQe, até que algo melhor e mais eficaz apareça no mercado. O velho e «bom» Alta Vista, mais não era afinal do que uma simples lista telefónica alfabética virtual, quando comparada com o actual sistema algorítmico de Google, que desde o seu aparecimento e para qualquer um dos nossos rebentos, ambos ligados à informática, que nos diziam desde  o primeiro dia do mesmo, continuávamos nós ainda a usar diariamente Yahoo, que, dizíamos, Google representava o fim dos velhos instrumentos de pesquisa na net. A «utilidade» e o real valor de Facebook merece-nos, e não só a nós,  muito mais reticências.
Mas até que algo de melhor nos seja oferecido, por um qualquer novo génio da informática, é com imensa satisfação que vamos diariamente contribuindo para o enriquecimento do jovem Zuckerberg e dos seus associados. Íamos conduzindo e pensando nisto tudo, quando o telefone do carro nos acorda para coisas mais prosaicas. Do outro lado da linha, anunciava-se Monsieur Réal Hamel, que nos dizia, que pensava que uma das paredes da cozinha apresentava sinais de humidade. Nada de urgente no entanto, apenas o suficiente para nos acordar para a realidade. Tratando-se do nosso inquilino mais exigente, e sabendo que há apenas 3 horas, ainda estávamos cogitando se lhe daríamos um aumento na renda igual ao dos outros, indexado de acordo com os índices inflaccionários, ou se deveria ser ligeiramente penalizado pelos constantes «problemas» que descobre lá no pequeno apartamento tipo T2 da Rue Marmier, e optáramos pela primeira opção, e que a carta registada que o avisava do aumento da renda no próximo dia 1 de Julho, já estava no correio há cerca cinco minutos ?  Afinal o homem tirara-nos dos nossos belos sonhos da adolescência, mas talvez tenha sido melhor assim.

J.l. Reboleira Alexandre