No passado dia 14 de Maio após uma cada vez mais cansativa e irritante (com a perca de algumas fotos e CDs logo à partida, nos controlos do aeroporto de Montreal-Trudeau) viagem, com escala em Toronto, eis-nos de novo no seio da terra e das gentes que nos viram nascer e crescer, no cumprimento dum ritual que se repete anualmente desde que, no distante ano de 1975 decidimos trocar este espaco, por outros mais amplos, mais justos e sobretudo, virgens dos preconceitos da velha Europa.
À chegada esperavam-nos um daqueles dias abrasadores , a que a nossa mãe costuma chamar de, dias de vento suão, com níveis de humidade a que o Canadá há muito nos habituou. Foi no entanto Sol de pouca dura e rapidamente tivemos de conviver com as típicas neblinas matinais oestinas, e o vento Norte ao cair da tarde, a repetirem-se durante cerca duma semana, antes de voltarmos, na altura em que escrevemos estas linhas, no passado dia 25, a saborear de novo os ventos quentes que nos chegam de Marrocos e que fazem os termómetros ultrapassar claramente os 30 graus centígrados.
Como noutras visitas, repartimos os nossos dias em descontraídos passeios entre a cidade, o Chão da Parada , e longas tardes de farniente nos amplos espaços da praia do Salgado, sempre bela e tranquila, na imensidão dos seus imaculados (aqui e ali com restos de papéis abandonados, e odores menos agradáveis, resultantes da acção de alguns humanos descuidados) areais brancos que aprendemos a amar quando descíamos aquelas arribas através de caminhos precários, conduzindo a velha motorizada da nossa adolescência. Respeitando os conselhos da «dona» daqueles sítios, a senhora Fernanda, profunda conhecedora dos frequentadores da praia optamos por deixar o carro no seu parque de estacionamento, mediante o pagamento do simbólico montante de 1,50 Euros. Ficamos assim descansados e protegidos contra os pequenos roubos e assaltos, aparentemente frequentes na zona. Antes de partirmos para o areal, tempo ainda para evocarmos o passado, velhos amigos comuns, o Gérard (de quem ela orgulhosamente afirma, o primeiro francês, e acrescentamos nós, o primeiro de todas as nacionalidades, a praticar Asa Delta naquelas montanhas, cuja fotografia foi entretanto retirada das paredes do pequeno café de apoio à praia), e a sua mui bela e jovial Ofélia, precocemente desaparecida, devido a doença que não perdoa. Entretanto, ambos foram substituídos pelas filhas que, agora adultas, continuam a descer dos Pirenéus para os locais onde vinham, bebés, e que seus pais tanto amaram, numa altura em que as dificulades de acesso à zona, faziam com que apenas os verdadeiros amantes dos grandes espaços selvagens se aventurassem naqueles caminhos.
Agora e com a estrada asfaltada, aproveitamos as tardes quentes de Maio até ao limite. As manhãs são passadas em calmos passeios pela cidade, preenchidos com algumas visitas à imutável Praça da Fruta. Compramos algumas doçarias que hão-de atravessar o oceano, e as saborosas cerejas da zona, que já não são servidas em pequenos sacos de papel de embrulho, mas nuns inestéticos recipientes em plástico que continuarão a sujar os nossos pinhais. Numa dessas manhãs aproveitamos para passar pelas livrarias da rua das Montras. Chegados à Parnaso solicitamos ao diligente empregado se possuía o livro que buscávamos. Após uma rápida pesquisa visual por entre as diversas prateleiras, lamentou-se, mas diz-nos que infelizmente, o tal livrinho não fazia parte do seu inventário. De repente voltámos atrás no tempo, à Livraria do Silva Santos não muito longe dali, onde o proprietário sabia, por entre uma enorme confusão de livros e papéis, quais os volumes disponíveis na sua loja. Continuamos a descer a artéria mais comercial da cidade (notam-se aqui e ali, alguns efeitos da crise com vários comércios encerrados) e vamos até à Livraria 107 onde nos atende uma jovem vendedora. Logo à entrada, pegamos num pequeno volume intitulado Praça da Fruta, que, numa estante bem visível e com um aliciante desconto de 30%, incitava qualquer um a beneficiar da oportunidade. Enquanto a companheira adquiria uma das obras de Eça de Queirós, nós, calmamente e sem pressas buscávamos por entre todas as estantes, o livro que era a razão da nossa visita. Acabando por se aperceber das nossas dificuldades a jovem empregada dirige-se-nos solícita. Explicamos que somos naturais do Chão da Parada e procuramos um livro que fala de viagens, do Paulo, igualmente do Chão da Parada e da Dorabela Filipe. Não nos lembrávamos do título. Sabe ? Responde-nos a jovem, eu por acaso também sou da freguesia de Tornada, mais precisamente do Reguengo, mas nunca ouvi falar em tal autor, e penso que não temos esse livro. Felizmente que substituiu a rápida olhadela pelas estantes, por uma pesquisa no computador de apoio à loja e radiante, diz-nos. Olhe desculpe, afinal temos cá o livro. Óptimo. Pensamos nós. Vamos poder adquirir aqui mesmo a obra que nos prometêramos levar para Montreal. Ficámos no entanto com um sabor amargo, aumentado até, pelo tempo que a moça levou para descobrir o livrinho, depois de confirmar no registo digital, a sua existência. Tratando-se duma obra editada há apenas 2 meses e da autoria dum caldense, não mereceria uma exposição mais visível ? Não estamos a pedir que se promovesse de imediato com um desconto de 30% sobre o preço original, e reconheçemos que não arbora prefácio dum conhecido ex-político da região, também ligado por acaso, e por afinidade ao Chão da Parada, mas é um livro escrito por um autor do concelho. Fala de viagens numa linguagem simples e escorreita, mas que nos prova, de cada vez que voltamos às Caldas, que as línguas evoluem. Os potenciais leitores encontrarão naquelas cerca de 200 páginas relatos e imagens que poderão servir de evasão para a insípida realidade que constitui a vida vivida da imensa maioria das gentes do nosso concelho . Gentes que não se vêem ou manifestam e que todos conhecemos, mas fingimos ignorar. Note-se que não nos move qualquer sentimento de simpatia ou antipatia por qualquer um dos autores, que não conhecemos pessoalmente.
Como também era tempo de eleições aproveitámos ainda para ouvir os discursos dos políticos lusitanos, e se alguns , poucos, eram dignos de atenção, um houve que nos tocou pela negativa. No dia 24 de Maio, um dos responsáveis pela tragédia humana que foi a nossa descolonização no ano de 1975, e já há algum tempo afastado da política activa, aproveitou para atacar alguns dirigentes da Europa que defendem ideias diferentes das suas, classificando-os de incapazes, sem se coibir de dirigir piadas de mau gosto à bela esposa do presidente francês, o responsável máximo do país que o acolhera noutras épocas. A fiel assistência riu estupidamente da piada de Mário Soares, pois é dele que falamos. Tudo isto, no momento em que o candidato às presidenciais francesas pelo PS gaulês, o todo poderoso director do FMI que acabou de mandar para cá mais alguns milhares de milhões de Euros, senhor Dominique Strauss- Kahn, enfrenta a implacável (num país onde a justiça funciona tudo funciona, e vice-versa) justiça dos Estados Unidos pelas razões que todos conhecemos, e a sua não menos bela e sensual esposa, Anne Sinclair, ex-jornalista da TF1 que abandonou uma carreira de sucesso para se dedicar ao marido. Possuidora, entre outras coisas, duma pequena mansão em Washington D.C. avaliada em 4M de Euros, usou do seu património para pagar a fiança de 1M que provisoriamente liberta DSK das prisões americanas. Sobre isto nem uma palavra senhor Soares .