Só quem alguma vez visitou a América do Norte nessa época do ano, pode compreender o significado do vocábulo inglês «Fall», e o porquê da quase não utilização de Autumn, que, meninos ainda aprendemos na escola, deveria corresponder a Outono.
A cidade de Montreal está situada numa zona muito arborizada. Possui a floresta das Laurentides ou Laurentians a poucos quilómetros, e toda uma série de pequenas aldeias envolventes cujas residências são muitas vezes, segundas habitações. A distância entre estes locais e a zona metropolitana é de cerca de 60 quilómetros, mas as autoridades municipais através da manutenção de algumas dificuldade de acesso evitam que se tornem num dormitório da grande cidade. A região da aldeia típica de Saint Sauveur é visita obrigatória várias vezes durante o ano, seja simplesmente para desfrutar da paisagem deslumbrante que os meses de Setembro e Outubro nos oferecem num êxtase de côres de tons esverdeados, salpicados por áreas inteiras, onde o vermelho que anuncia os gélidos dias que se aproximam vai conquistando cada vez mais espaços, seja para visitar algum amigo que trocou a confusão da cidade pela calma dos espaços numa das típicas habitações da zona, ou simplesmente, para saborear uma boa refeição num dos múltiplos restaurantes da terra ou duma das variadíssimas escarpadas pistas de esqui de alta montanha.
É ainda no Outono que a pouco e pouco se começa a modificar o aspecto exterior das residências quebequenses. Corta-se pela última vez a relva do quintal, apanham-se todas as folhas caídas, preparam-se as árvores e arbustos para os longos meses de frio, e nas localidades que o permitem, instalam-se abrigos provisórios que reduzem ao mínimo posssível, o espaço no qual se terá brevemente de limpar as sucessivas camadas de neve, e onde as nossas viaturas ficarão protegidas das gélidas noites de Janeiro e Fevereiro.
Falando de viaturas é igualmente neste período, que se faz a obrigatória visita à garagem, onde as mesmas sofrem uma indispensável revisão. Apenas assim estarão em condições de afrontar temperaturas de –25 graus durante certas noites, para que após o descanso noturno, estejam aptas a responder eficazmente ao desejo dos seus proprietários na manhã seguinte. Se hoje as mecânicas são mais eficazes, ainda não há muito tempo e em noites extraordinariamente frias e ventosas, quando o termómetro se aproximava dos –30 graus centígrados, muitos de nós ao amanhecer, tínhamos a sempre desagradavel surpresa de constatar que apenas o reboque poderia retirar o nosso automóvel do local onde o deixáramos na véspera. Hoje é raro isso acontecer, e até a neve deixou de nos causar praticamente qualquer tipo de problema de condução. Desde há dois anos que, entre os dias 15 de Dezembro e 15 de Março de cada ano, todas as viaturas do Québec têm de estar obrigatoriamente equipadas com pneus especiais de Inverno, cuja aderência ao piso gelado é muito superior à que oferecem os pneus normais que usamos no resto do ano.
É assim que, sendo normal ver imagens de estradas caóticas e desorganizadas dos nossos vizinhos do Sul, ou de alguns países da Europa, mal equipados para invernos mais duros, será muito dificil que tais imagens provenham do Québec ou do Canadá em geral, pois como canta um dos maiores poetas quebequenses, Gilles Vigneault:
-Mon pays ce n’est pas un pays, c’est l’Hiver !
Traduzindo para português, « O meu país não é um país, é o Inverno», palavras e música compostas em 1964, por Vigneault. Trata-se de uma encomenda que o poeta recebeu do Office National du Film du Canada (organismo que tutela e apoia o cinema canadiano) para uma obra cinematográfica, transformou-se por vontade do povo, no Hino Nacional do Québec, com uma força política que vai muito além do que o autor teria inicialmente imaginado, pese o seu fervôr independentista.
Esta obra valeu igualmente a Gilles Vigneault o prémio Félix-Leclerc em 1965. Representante das aspirações da maioria francófona, Félix-Leclerc é juntamente com Leonard Cohen um dos maiores poetas quebequenses. Sendo ambos quebequenses de gema, Cohen, nascido numa casa no hoje, bairro português de Montreal, identifica-se, e sempre assim o conhecemos desde os belos anos académicos lisboetas de finais da década de sessenta do século passado, como um autor canadiano. Félix-Leclerc, que descobrimos no longínquo ano de 1975 durante uma rápida visita a Paris, onde habitava na altura a nossa companheira desta longa epopeia que é a vida, sempre se identificou como um poeta quebequense.
Especificidades de duas grandes solidões, a francófona, colónia fundadora mas vencida pelas armas e a anglófona, vencedora da célebre batalha das planícies de Abraham às portas da cidade de Québec no ano de 1759 durante a Guerra dos Sete anos, que opôs as duas potências europeias.
J.L. Reboleira Alexandre
jose.alexandre@videotron.ca