Crónica do Québec (Canadá) – As pensões douradas dos políticos

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O leitor menos atento que devido à falta de tempo se limita a ler os títulos dos jornais, poderá ser levado a pensar que as linhas que se seguem serão apenas mais umas entre tantas que se sucedem ininterruptamente nos diversos orgãos de informação que se editam em Portugal, sobre as tão propaladas pensões acumuladas pelos diversos membros da classe política portuguesa.

Hoje vamos no entanto apenas falar dos políticos desta grande ilha francófona, perdida,  algures, no seio deste imenso mar anglófono de trezentos milhões de habitantes, que é a América do Norte. No passado dia 14 de Janeiro, num dos programas dum dos canais privados de televisão com maior audiência na cidade de Montreal, os jornalistas, no cumprimento da sua missão de informar, trouxeram cá para fora números que causam inveja a qualquer contribuinte anónimo do Québec.
Os alvos do inquérito foram alguns dos membros da classe política local. Antes disso ficámos também a saber que por cada $3.50 dólares que os deputados provinciais descontam para os seus fundos de pensão privados, os contribuintes anónimos pagam $12.50 através dos seus impostos. Assim, e pela primeira vez, o grande público teve acesso aos montantes que recebem, ou receberão dentro de alguns meses ou anos, os nossos digníssimos representantes na Assembleia Nacional, ou ainda na Administração Autárquica da grande cidade de Montreal.
Por exemplo a Senhora Louise Arel, uma veterana da vida politico-partidária, chefe dum dos partidos da oposição municipal  na assembleia da autarquia, depois de ter andado muitos anos pela política provincial, como membro do partido independentista quebequense,  sempre em representação dum dos bairros mais pobres da cidade,  recebe uma pensão anual de $117,248.00 dólares. Segundo a nossa companheira, que com ela lidou no âmbito da sua profissão no início da década de oitenta do século passado, senhora afável e duma simpatia extrema, é uma verdadeira profissional da política. Durante todos estes anos, nunca lhe conhecemos outra profissão. No entanto, se quando aqui chegámos em 1976, a circunscrição pela qual sempre foi eleita era das zonas mais pobres da cidade, hoje e apesar da sua re-eleição permanente, o seu bairro continua como dantes. Um dos mais pobres. O que nos leva a questionar as razões que justificam certas escolhas, mesmo em sociedades com um largo historial de liberdades democráticas, como é o caso do Canadá.
Outro caso paradigmático é o Senhor William Cusano, obscuro deputado  provincial, que ninguém vê entre os seus pares, mas que conseguiu ser re-eleito durante 26 anos e está assim qualificado para receber aos 60, a bagatela de $99,127.00 anualmente.
Enquanto o trabalhador médio quebequense se vê creditar 2% por cada ano de trabalho para a sua pensão, os membros da classe política recebem, 4 %. Apenas o dobro. Quer isto dizer que ao fim de 25 anos de actividade política receberão uma pensão equivalente a 100% do salário. Mais obscenos ainda, são os montantes que os nossos caros, no sentido literal do termo, políticos, recebem ao abandonar a profissão.  Segundo a Liga dos Contribuintes do Québec, a senhora Harel que já mencionámos, recebeu um bónus pelos bons serviços prestados, de $135,000.00.  E porque não, mencionar o caso dum ex-ministro da justiça provincial que decidiu abandonar temporariamente a actividade para que fora eleito, tendo levado para casa um bonito cheque de $146,000.00. Pouco tempo depois estava de volta às lides do partido, e de novo qualificado para outro bónus.
Os responsáveis pelo programa que trouxe à luz do dia todas estas aberrações, tentaram sem êxito obter alguns comentários da parte dos interessados. Como normalmente acontece nestes casos, ninguém tinha nada para dizer.
O sistema canadiano de pensões é algo complexo. Abreviando, poderíamos dizer que existem dois tipos de pensões universais, que acumulamos. Uma de nível federal que é igual para todos, independentemente das pessoas terem ou não trabalhado durante a sua vida. Neste momento, esta pensão é de apenas cerca de $6200.00 anuais, a que por vezes se juntam outros montantes, que podem ir até cerca de $4000.00 adicionais, para pessoas com baixos rendimentos. Esta pensão apenas é paga a partir dos 65 anos. Nunca antes. E depois, outra que recebemos das províncias, e que é função dos montantes descontados durante os anos de actividade profissional, e que, para um trabalhador que descontou cerca de 40 anos, poderá chegar aos dez mil dólares anuais, no máximo. A estas juntam-se as pensões ditas privadas, que são formadas pelos montantes que os trabalhadores descontam em certos empregos, maioritariamente na função pública, e  para as quais contribuem igualmente as entidades empregadoras.
Face a estes ridÍculos montantes cada vez mais somos incentivados a uma vida de poupança, e de constituição doutros rendimentos, para que a nossa qualidade de vida não baixe bruscamente, uma vez chegados à reforma. O contribuinte reformado, além de ter de pagar os seus impostos como qualquer sujeito activo, a  partir do momento em que recebe anualmente valores globais da ordem dos  $61,000.00 passa a ter de devolver parte da pensão federal à origem, e quando obtém receitas anuais que ultrapassam os $100,000.00, uma ínfima minoria, devolve-a na totalidade.
Este tipo de crónica justificar-se-ia em qualquer altura do ano, mas mais agora, pois é durante os meses de Março e Abril de cada ano, que todos os residentes legalmente estabelecidos no grande espaço geográfico da América do Norte são obrigados a prestar as devidas contas aos governos do Canadá e do nosso grande vizinho a Sul da fronteira.  Descansem pois, os leitores de Portugal que se sentem ofendidos pelas pensões milionárias nesse pequeno rectângulo. Trata-se dum problema que não se aplica somente a Portugal. Os políticos daí têm muito sítio onde copiar. E depois, admiram-se por vezes os nossos governantes, da pouca estima e consideração que parte da população nutre pela classe.

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