Depois de na última crónica termos falado duma forma sucinta da curta estadia de duas semanas por terras luso-oestinas, eis-nos de novo na nossa outra pátria. Hoje em dia, e com com uma vida repartida em partes praticamente iguais entre Portugal e o Québec, não faz sentido dizer se esta ou aquela sociedade representam a primeira ou a nossa segunda pátria, nem quando, ou se pensamos voltar. Voltar para onde e porquê ? Somos neste momento o resultado do cruzamento de duas culturas distintas. Adoramos o Sol, a cozinha e a luminosidade dessa parte ocidental da Europa, como nos consideramos priveligiados por fazermos parte integrante duma das sociedades ocidentais mais desenvolvidas e respeitadoras dos direitos individuais dos seus habitantes.
A viagem de regresso a Montreal, que deveria ter sido efectuada no passado dia 30 de Maio, foi retardada de 21 horas devido a um problema técnico do avião da Air Transat que nos deveria transportar. Pelo menos essa foi a informação oficial que nos foi transmitida. Nada a que não estejamos sobejamente habituados. Apesar de se tratar duma companhia de voos charter, providenciaram no entanto o alojamento para todos os passageiros num conhecido hotel lisboeta de, imagine-se, 5 estrelas. Tempo até, para alguns tirarem algumas fotografias das instalações. Não se pedia tanto, e assim todos os clientes da companhia ficaram satisfeitos com a decisão, adocicada ainda com o recebimento dum cupão de 150 dólares canadianos para uma próxima viagem. Esta é uma das razões por que temos horror às, de todos conhecidas, Low Cost Airlines, que em casos semelhantes, optam normalmente por deixar os seus passageiros/clientes , « confortavelmente» instalados nos quentes sofás dos aeroportos.
Na viagem de regresso das Caldas para Lisboa, optamos normalmente por fazer o trajecto automóvel pela A8, e claro, mais uma vez tal não se passou sem presenciarmos um aparatoso acidente com um camião na zona de Loures, que, não fora o providencial atraso do nosso voo, que íamos seguindo através das informações que o nosso telefone portátil nos dava, e essa meia dúzia de quilómetros que nos separavam da Portela, seriam passados na maior das angústias. É que, apesar de termos partido bem cedo das Caldas, teríamos certamente chegado atrasados ao aeroporto.
De novo nas nossas rotinas, quando no dia 13 deste mês de Junho, ao darmos uma rápida vista de olhos pela edição online dum dos diários portuguese somos interpelados por um fait divers em Favões, Marco de Canaveses. Dizia a notícia que, um menino de 12 anos, no dia do seu aniversário natalício, e com a pressa natural da criança em ir ao encontro dos seus, ao sair do autocarro escolar, quando atravessou a rua foi atropelado mortalmente por um veículo pesado de mercadorias. Sempre que alguém morre desta maneira, naquelas que são, das estradas mais perigosas da Europa, e sobretudo quando se trata duma criança, maior é a dificulade que temos em compreender por que motivo os portugueses continuam a conduzir da forma que o fazem, com índices de sinistralidade que nos deixam estupefactos. Pior ainda quando, a propósito do acidente mencionado, alguns comentários referem a «falta de cuidado e atenção da criança» que seria para esses comentadores, a única culpada por ter atravessado a via no local errado à hora errada.
No nosso tempo de estudante em Portugal, este tipo de acidentes não se produziam, pois o volume de veículos era muito inferior ao de hoje, mas também ainda não havia, salvo raríssimas excepções, autocarros para transporte exclusivo de estudantes. À imagem do que se passa em todo território da América do Norte, não seria já hoje possível em Portugal, pintar todos estes veículos com a berrante cor amarelo torrado, dos famosos School Bus ou Écoliers, como aqui se chamam, todos os autocarros de transporte de estudantes, desde a pré-escola até ao fim do secundário? Não se pense no entanto que tal medida seria suficiente para amedrontar alguns Fangios frustrados lusitanos ! Vivemos igualmente numa sociedade latina, de sangue quente como se costuma dizer, e se desde há longos anos os típicos School Bus que todos conhecemos do cinema, rolam nas estradas do Canadá, tal não impedia, na província que conhecemos melhor, que condutores inconscientes continuassem a ceifar vidas inocentes. Até que, há relativamente pouco tempo, foi decidido colocar ao lado da janela do condutor, um enorme sinal de Stop, que aqui se chama de Arrêt, que, enquanto o autocarro afrouxa e até arrancar de novo, se abre para o exterior, qual grande aba, capaz de embater no pára brisas dos mais distraídos, e infeliz daquele que não se imobiliza completamente atrás do autocarro, enquanto a miudagem entra ou sai do seu meio de transporte colectivo.
Uma ultrapassagem dum School Bus enquanto o tal sinal Stop está aberto, equivale a, além de pesada multa, à perca automática da carta de condução durante tempo suficiente para resfriar os ânimos mais exaltados. Medida simples de aplicar e que tem salvo imensas vidas. Até lá, as crianças portuguesas continuarão a ser acusadas de atravessar as ruas nos locais errados, pois os habitantes do país que me viu nascer, podem geralmente não ter pressa, mas na estrada, e por motivos que temos dificuldade em descortinar, andam, de forma geral, sempre extremamente apressados. E pobre daquela ou daquele que, por desconhecimento do local onde está, hesita uns segundos na sua condução. Tem apitadela terceiro-mundista garantida.