Mais um precioso opúsculo, este da autoria de um dos mais respeitáveis escritores da nossa história literária: Ramalho Ortigão.
Rafael e José Duarte eram amigos. Em 1891, a Fábrica de Bordalo passava por momentos de grandes dificuldades. Tocado pela grave situação vivida pelo amigo, Ramalho escreveu um artigo que publicou na “Gazeta de Notícias”, com o intuito de sensibilizar a opinião pública mas principalmente o poder, para tal estado de coisas. Posteriormente esse artigo é mandado imprimir “por um amigo de Bordalo” sob o título “A Fábrica das Caldas da Rainha”, na Tipografia Ocidental, situada na Rua da Fábrica, nr.º 80, no Porto.
Ramalho começou por descrever o aspecto exterior da Fábrica das Caldas e depois de entrar, relata: “No interior deste edifício, ao longo de balções ornados de lambeis nacionais e de chitas da Índia e da Pérsia, acha-se instalada a venda das louças artísticas das Caldas, as mesmas que em Paris, há dois anos, fizeram a reputação artística de Portugal e o inesperado encanto do mundo. Uma grande parte dos principais tipos do nosso incomparável vasilhame português, convertida em artigos de luxo pela delicada aplicação de um acessório ornamental: o alcatraz das nossas noras mouriscas; o moringue, que importámos da Índia e da América; o jarro chines, imitado da taça Tsio e da taça «dos grandes letrados», que os nossos viajantes transferiram da China pela primeira vez à Europa; várias bilhas populares, em que se conservam com admirável pureza as formas gregas e romanas da «cratera», do «bombilio» e do «cântaro» consagrado a Baco; muitas das formas que herdámos dos árabes, como a «almotolia», a «batega», a «alcanzia», a «aljofaina»; os vasos figurativos, imitação dos que fomos os primeiros a ver no Peru e no México; os vários recipientes de origem propriamente popular como os gomis, os pichéis, as púcaras, as quartinhas, as ancoretas, os cantis e os tarros. Inúmeros motivos decorativos, uns tradicionais, outros inteiramente novos, tirados da fauna e da flora d’esta zona da Estremadura: flores e folhas de cardo, de pimentos, de girassóis, de hera, de vinha, de oliveira, de papoila, de carvalho, de feijoeiro; algas, pimentos, conchas, musgos, asas de grilos, cabeças de camarões, caranguejos, tartarugas, ruivo, mexilhões, enguias, rãs, lagostins; grupos de frutas, de peixes, de parrecos e de pintassilgos; revoadas de pombos e de andorinhas, ondulações de lagartos, lampejos dourados de escaravelhos e de abelhas; estilizações ou simples atitudes de carneiros, de bácoros, de burros, de touros, de gatos borralheiros e de gatos-bravos; variadíssimas aplicações ornamentais de ferramentas ou de utensílios domésticos, gigos, vindimos, cabazes, alforges, seirões, borrachas, esteiras, abanos, tamancos, odres, redes, boias, cordames e linhas de pesca. É toda uma narrativa iconográfica, como a que Homero debuxou no escudo de Aquiles. Ao longo d’estas diferentes peças de faiança passa um largo trecho da história popular da nossa terra, das nossas conquistas e descobrimentos, das nossas tradições, das nossas crenças, dos nossos usos. É um capítulo do folclore português. É, modestamente posto em louça, um canto d’esses grandes poemas que abrangem toda a vida de um povo como os Lusíadas ou a Divina Comédia. Representa três ou quatro anos de trabalho, quanto muito, toda esta obra. É portante uma iniciação apenas. Há muito que restringir e que depurar. Há muito que desenvolver. Tal porém como está, a louça artística de Bordalo Pinheiro é como documento do génio estético da nossa raça, e depois da poesia de Garrett, a obra mais genuína, mais bela, mais comovente e mais expressiva da arte de nosso século.”
| D.R.
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Extasiada com tal exuberância de formas e cores, deixo para trás o depósito da fábrica do Bordalo.
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